Todos os pequenos riachos estão urrando de cheios…| De Luzija Purim para Reynaldo Purim – 1925 (última)

30 de novembro de 1925

Querido maninho! Saudações!

Recebi a tua carta escrita em 5 de novembro no dia 20. Por ela muito obrigado. Eu queria ter respondido antes por que você sempre diz que eu sou uma escritora de cartas muito preguiçosa, mas o que fazer se aqui o Correio não é tão próximo como o teu lá. Quando ninguém vai o Orleans não vale à pena, pois como não outro meio de despachar. Também agora só recebemos alguma coisa quando a gente vai lá porque o novo Agente dos Correios somente entrega as correspondências para os familiares dos destinatários. Você recebeu as cartas escritas nos dias 6 e 13 de Novembro?

Nós graças a Deus estamos indo mais ou menos bem. Tem chovido demais não permitindo assim trabalhar nas roças. Uma semana manteve-se seco e ai foi possível a queima da coivara e então recomeçou a chover e assim foi todo o dia acompanhado de vento frio e alguns dias com trovoadas. Todos pequenos riachos estão urrando de cheios e todos tafoneiros estão rindo atoa com a abundância de água.

Mas também as ervas daninhas, o mato está tomando conta por que não estamos dando conta de capinar. Também camaradas não existem para serem contratados e quando se consegue algum eles querem 3 ou 4 mil réis por dia e também a Maria não mora mais conosco, alguns meses atrás ela foi para a casa dela então os velhos não deixaram voltar por que eles próprios teriam muito serviço. Tempos depois ela voltou e ai aconteceu o azar de pegar um panarício num dos dedos da mão e agora ainda não pode trabalhar. Você quer saber como estão indo as outras pessoas, eu não sei tudo sobre todos, com estão de saúde e o que todos fazem, Doenças agora não tem ocorrido como antigamente. O Paegles esse sim esteve bem doente e passou de cama vários meses e muita gente achava que ele iria morrer, mas agora sarou e anda por todo o lado e faz alguns serviços.

Sobre o movimento dos Anderman [Pencostalismo] eu quase não sei nada, ele depois daquela vez que você esteve em casa não mais apareceu. Dizem que ele este vagando pelo Rio Grande do Sul e esteve também em Varpa e em Nova Odessa e têm pessoas que dizem que agora ele voltou para casa [Mãe Luzia] e não sabemos qual é a sua fé. Outros dizem que ele tinha aceitado o dogma dos Sabatistas e teria respeitado “o dia”, pois os Sabatistas não precisam fazer mais nada além de santificar o sábado. Bem agora chega de falar do Andermann.

Bem mas, tem mais O Emils [Anderman] tem escrito para o Alexis [Klavin] que ele não crê mais na Bíblia onde o Deus tem matado os israelitas que era o povo escolhido, mas agora ele crê somente num Deus que é somente amor. Na realidade ele não escreveu a que corrente religiosa está seguindo se ele está seguindo os Russelitas ou os comunistas. Desde quando ele morava aqui ele tinha umas idéias diferentes, veja com tudo vai abaixo quando a própria pessoa se entrega a serviço de Satanás.

A Olga recebeu uma carta da Lilia, [Purens], pois faz, muito tempo que não tínhamos notícias, se bem que esta última carta também demorou muito na viagem. Diz que toda família trabalha com afinco nas lavouras. A Alma trabalha com uma família inglesa em São Paulo e ganha 130$000 por mês. Eles nos convidam para ir passear na casa deles e dizem que se tivessem mais dinheiro viriam passear aqui, mas ainda neste ano não vai dar. Eles também te escrevem?

Bem agora tenho que terminar, pois estou com muito sono e por isso as letras estão como se um vento tivesse entrado e misturado tudo. Hoje foi um dia que o tempo estava seco e nós trabalhamos duro o dia inteiro e agora o sono aperta. Temos tanto serviço que trabalhamos a semana inteira até quando é possível. E ainda 3 vezes por semana, reuniões na Igreja. Nas sextas feiras tem a reunião de preparação dos Professores da Escola Dominical e o Zeeberg ainda é o Superintendente. Nas quartas feiras tem o Culto de Oração e durante duas segundas feiras de todo mês são noites reservadas para os jovens que querem participar dos coros e onde são dadas aulas elementares de notação musical com a finalidade de poder cantar melhor e tocar algum instrumento. Quem sabe depois disso você nos convide para cantar lá nas suas festas.

Agora vou esperar uma longa carta sua. Escreva bastante, você sabe que aqui a nós tudo interessa. Descreva a Festa de aniversário de tua Igreja que vai ser no dia 2.

Muitas e amáveis lembranças de todos de casa e especialmente da Mama.
Luzija_
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Dados biográficos de Lisete Rose Purim, mãe de Reynaldo Purim

Dados Biográficos de Lisete Rose Purim
Por V.A.Purim

Antes de falar de Lisete Rose vamos contar o que sabemos do seu pai e de sua mãe:

Jekabs Rose o pai:

Nasceu em Wirtzawa próximo à fronteira da Lituânia, mas a data não sabemos e também não sabemos o nome de seus pais.
Casou-se em primeiras núpcias com Magriet Kleber Rose também não temos a data.
Em segundas núpcias casou-se com a cunhada Lavise Kleber Rose e também não temos a data já em Rio Novo.
Nas terceiras núpcias casou com uma viúva com muitos filhos chamada Wilhemine (Minna) Kujmanne (e era conhecida como Kujmanieta) de Rio Novo.
Os filhos foram Lizete e Ludwig (ambos da 1ª esposa)
Morreu em 03 de março de 1925 na região de Rio Branco ou Jacu Assu
A religião era Batista e depois passou a ser sabatista
A instrução a gente só sabe que era alfabetizado
A profissão definida não pode ser conferida e aqui no Brasil ele trabalhou como agricultor
Dados históricos:
• Morou em Daugava Griva (foz do Daugawa); Dünamünde em alemão, antes de emigrar para o Brasil
• Pertenceu a Igreja Batista deste bairro da cidade de Riga.
• A primeira esposa morreu ainda na Letônia
• O Sr Jekabs aqui no Brasil casou com uma cunhada (irmã da Margriet) chamada Lawise, que tinha vindo já cuidando das crianças, isto é, os sobrinhos Lizete e Ludovico (Ludvig).
• Ela parece que não era para vir junto para o Brasil, mas devido à insistência dos sobrinhos ela terminou vindo. Esta era costureira e mais tarde também veio a falecer.
• Mais tarde o Sr. Jehkabs casou pela terceira vez, e desta feita foi com uma viúva chamada Wilhemnne (Minna) Kusjmane (Kusjmamnieta) qual tinha muitos filhos. A vovó Lisete não se relacionava bem com esta madrasta por ter um gênio muito belicoso e tiveram uma desavença devido à posse de um famoso Lenço de seda.
• Uma característica do mesmo (Jehkabs) era não gostar dos netos, o Reinaldo, Artur, Lúcia e Olga não eram muito benquistas.
• O Sr. Jehkabs morava no Rio Carlota no mesmo lugar em que depois morou o Felipe Karkle
• Mas a primeira colônia (gleba) de terra dele adquirida nos primeiros tempos era no vale do Rio Laranjeiras, que ficava em direção oeste em relação ao vale do Rio Novo, numa região conhecida por nos como Bukovina. Uma vez, após passar o dia nos Purins, na caminhada pela mata o Sr. Jehkabs em direção ao seu terreno, que era muito acidentado, aproveitou para levar um rebolo de pedra [Rebolo é uma ferramenta feita de um pedaço chato de arenito deixando rendondo com um furo no centro onde era encaixado um eixo e numa das extremidades uma manivela para ser instalada em forquilhas ou cavaletes para uso] para ser usado na afiação de ferramentas. Mas começou a ficar tarde, o que levou a se perder na mata Atlântica extremamente fechada. Então ele teve a idéia de aliviar o peso deixando guardado o dito rebolo entre as lages de uma cascata de um riacho. Quando voltou para procurar, não encontrou mais. Talvez tenha sido encoberto pelo musgo ou outra vegetação. Bem mais tarde, aquele terreno onde ele tinha passado continuava mata virgem, pois pertencia ao Tio Reynaldo e nós íamos colher jabuticabas nas árvores nativas e, às vezes, passávamos perto destas cascatas em busca do rebolo desaparecido. Junto desta cascata havia muitos xaxins sem espinhos entre eles alguns imensos que devia ter mais de 1½ metro de diâmetro.

• Bem depois ele já morando em Timbó, próximo a Blumenau, voltou para junto da filha Lisete quando trouxe algumas lembranças como o famoso Lenço de Seda histórico, pois durante a guerra dos Prussianos, [Prusch karsch?] este lenço ficou enterrado para não ser levado, uma Balança em £ e as alianças dos pais dele e ainda se mostrou arrependido de ter casado com a referida senhora
• .
• O Sr. Jekabs quando chegou ao Brasil era Batista, mas depois passou para a denominação Sabatista.

Agora a Mãe
Magriet Kleber Rose

Não temos a data de nascimento nem o nome de seus pais
Casou-se com Jekabs Rose, mas não sabemos a data.
Os filhos foram Lizete e Ludwig
A irmã Lavise Kleber
Morreu ainda na Letônia antes da família emigrar para o Brasil
A religião dela era Luterana.

Dados históricos:
• Morreu quando a filha Lizete tinha 12 anos.
• Quando morreu na Letônia era hábito de fazer o funeral que durava uma semana, depois para dar tempo de todos parentes se reunirem para um encontro quase social. A Senhora Magriet era Luterana e o marido era Batista e, no dia que foi o último dela antes de morrer, ela reclamou por que todos estavam tristes e pareciam estar em um velório na presença de uma pessoa falecida. Que não era para eles estarem assim e sim que cantassem hinos e, enquanto cantavam, ela faleceu. Foi o Ludwig que foi o primeiro a perceber.

Lizete Rose Purim

. Nasceu em 16/02/1878 em Daugava Griva ou em alemão Dünnaminnde
. Pais: Jekabs Rose e Magriet Rose
. Casou-se em 10/03/1895 – Na Igreja Batista Leta de Rio Novo com Jahnis Purim
. Filhos: Reynaldo, Olga, Lúcia, Otto e Alvina.
Irmãos: Ludwig.
Morreu em 08/ 04 /1953 em Rio Novo Orleans Santa Catarina
Religião: Batista.
Instrução: Primária.
Histórico:
• Daugava Griva (foz do Rio Daugava) é Dünnamünde em alemão. Fica perto de Riga.
• Ela tinha sido Babá dos filhos do casal Freijs que foi editor e proprietário de uma gráfica onde eram produzidos muitos livros e literatura cristã.
• Lisete era alta e muito bonita. Era muito culta e atualizada porque lia muito. Falava russo, alemão, leto e português. Tinha uma memória prodigiosa, lembrando de aniversários de uma infinidade de pessoas.
• Na Letônia ela ia prá escola com o seu irmão Ludwig, mas o mesmo não era de estudar então saindo de casa iam recapitulando as matérias e antes de passar a ponte prá chegar à escola o esperto sabia tudo e tirava ótimas notas na escola.
• Ainda sobre o Ludwig aqui em São Paulo as pessoas contam que quando iam visitá-lo na redação do Jornal alemão ele estava escrevendo em alemão e continuava mesmo conversando sobre um monte de assuntos como isso fosse normal.
• O vapor em que vieram os Rose era o “ Santos” da “Hamburg-Südamerikanishe Dampfschifffahrt” e saiu de Hamburg no dia 12 de novembro de 1891.
• Ela chegou ao Brasil com 13 anos de idade.
• O navio que trouxe os Rose também trouxe até Recife locomotivas para uma estrada de ferro. Como não havia cais, estas foram descarregadas em barcaças, no largo, fazendo com que o vapor adernasse muito, quase virando e causando muito temor entre os imigrantes.

• Veio via Hamburg Alemanha e chegou em xx/11/1891 em companhia do irmão, da tia e do pai e muitos outros letos. Ficou de quarentena 2 semanas em Ilha das Flores no Rio de Janeiro. Ela viu os primeiros negros em Salvador. E também bananas. [deve haver erro no tempo da quarentena, pois no dia 25 de Dezembro eles já estavam em Rio Novo.]
• Tinha o espírito aventureiro e não reclamou de ter que entrar na bruta selva da Mata Atlântica, só nos contava que no Natal anterior 1890 na Letônia eles fizeram uma ceia onde comeram bolos, doces e tomaram café com leite e esperando no outro ano estar no Brasil fazendo o mesmo. Mas nesta data estavam morando no Rancho comunitário e comendo pirão de farinha de mandioca com carne seca cozida.
• Ela sempre mostrava onde era o Rancho Comunitário que ficava onde era a nossa horta, isto é bem perto da casa onde eu nasci.
• Os inícios não são fáceis era a teoria dela.
• Ela tratava muito bem dos netos e nunca se esquecia dos aniversários. Em cada aniversário de cada neto, ela dava uma moeda de prata de 2 mil réis que nós guardávamos numa lata. Sempre conferíamos os dizeres escrito na moeda e sempre pesava “XX Gramas”, quando era 2$000,00 e somente X Gramas quando era 1 mil réis.
• Ficava de tocaia na gente éramos pequenos quando íamos para a roça ela ia avisando que não saísse prá dentro da mata ou capoeira onde poderia ter algum bicho [kads bichs]. Quando entravamos no chuchual para colher chuchu ou colher frutas na beira da estrada da roça como amoras pretas e brancas, araçás, goiabas, laranjas, maracujás roxos, cocos de palmeira tucum, cortiças (agora chamadas de frutas de conde) nativas ela ficava monitorando o tempo todo.
• Quando saia pra Igreja ou algum lugar para algum evento social se vestia apropriadamente. Nós notávamos que não usava soutiem e sim enleava umas longas faixas nos seios para deixá-los mais firmes.
• Ela tinha uma farmácia onde tinha uma infinidade de vidrinhos de medicamentos homeopáticos e também algumas infusões como para mal estar estomacal era uma garrafa com losna e outras com um monte de plantas dentro cobertas de aguardente. Se estivesse nervosa a garrafa era de Valeriana também na cachaça.
• Ela na roca fazia o fio de lã, mas antes de torcer era necessário lavar muito bem a lã, depois desfiar deixando totalmente solta e volumosa, depois ir prá carda que são conjuntos pentes de dentes de arame móveis quando era penteada até deixar em forma de bisnagas. Para nós que éramos crianças ficava a tarefa de desfiar que era feito em horas de chuva ou de noite a luz de uma lamparina.
• Depois de feito o fio ficava pronto era hora de inverter isto é torcer dois fios em um só tendo o cuidado para que a torção dos mesmos se encontrasse e os dois fios agora num só, ficassem se apertando e não se soltando serviço este feito na própria roca com cruzamento dos fios que fazem girar a roda maior para o carretel..
• Depois era passado na doubadeira e feito conjuntos de fios que iam para a lavagem final em água quente e daí já podiam ir prô tingimento.
• Muitos destes fios eram enrolados e novelos daqueles que os gatos gostam de rolar.
• Acima já falei sobre o tear uma verdadeira obra de arte e engenhosidade que foi construído inteiramente pelo meu avô Jahnis Purim e minha avó que manobrava este aparelho.
• Mas o forte era fazer coisas de lã era o tricô como blusas, gorros, luvas e meias. As meias ela fazia até na cama de noite no escuro quando acordava e perdia o sono, Quando chegava ao momento de aumentar o diâmetro ou coisa assim ela parava e contava as casas com os dedos em plena escuridão. Quando errava desmanchava a fila e isto era feito reclamando baixinho, Às vezes ela falava sozinha, Depois decidia a modificação e continuava.
• Gostava de trabalhar na roça com todo mundo, mas a horta era o lugar que ela plantava pepinos, repolhos, couves, alface, beterrabas, cenouras, rabanetes, nabos, batata salsa, ervilhas, carás, taiovas e outras especiarias como o endro, erva doce etc.
• Na administração dela na horta a função dos netos onde eu era incluído era carregar água para regar as plantas recém transplantadas e seguir os caminhos da formigas carregadeiras que sempre atacavam a horta. Uma vez encontrado o formigueiro o mesmo era eliminado com latas e latas de água fervente.
• Também os tatus vinham de noite mexer na terra molhada para catar coisas para comer, mas para estes não tinha nada para ser feito senão xingar.
• Para nós ajudar a cuidar da horta tudo bem, o que eu não gostava mesmo era de panelas e panelas de repolho, couves, batata salsa que ela fazia e insistia que a gente comesse.
• Além da fiação de lã (desde a tosa do carneiro até a roupa pronta), costurava, bordava e fazia crochê. Fazia muitas meias de lã para vender. Sabia muitos pontos para confecção de artigos de lã e se preocupava com o fato que quando ela morresse ninguém mais no mundo saberia.
• Tinha um tear onde ela era confeccionava cobertores de lã e também tecidos rústicos para confecção de roupas para inverno.
• Lembro dos preparativos quando muitas porções de fios de lã prontas eram colocadas para tingir em vazilhas de água quente com anilinas importadas da Alemanha, pois os cobertores eram feitos com faixas coloridas. E uma cor que eu lembro bem era a cor rubi e na embalagem em caracteres góticos estava escrito “Rubin Root”.
• Eu ficava muito admirado de como ela jogava rápido as lançadeiras alternando as cores, puxando os pentes e pedalando o cruzamento do tapume com o ordume.
• Também em bordados e tricô ela tinha caixas cheias de jornais e revistas com moldes e “receitas” de trabalhos roupas e moda para todas as ocasiões.
• As comidas que mais usava eram baseadas em produtos da lavoura, frutas e hortaliças cultivadas por eles próprios. De frutas fazia o tchissel (uma espécie de gelatina de frutas onde se usava polvilho ou farinha de trigo para dar a consistência de gelatina) e o tchilltchann (massa que era jogada em colheradas dentro de uma sopa de frutas, doce quente e que tomava as mais variadas formas e depois servida fria. Também o mesmo tchiltchan feito com leite e tomado frio ou quente). Do leite, além do requeijão, nata, queijo e outros, fazia a biezzu putru que é uma sopa grossa de leite azedo com canjica de milho [quirera]. Da carne de porco era feito o salame tipo Blumenau, os salames feitos com a fressura, a morsilha, a carne cozida e guardada em latas na banha, o toucinho pendurado no fumeiro. Também era feita uma geléia de carne [galet] onde os ossos e a cartilagem eram cozidos até derreter e depois de coada numa peneira grossa ao esfriar virava uma gelatina que era por demais apreciadas pelos letos que simplesmente adicionavam pimenta. Também era feita uma super sopa com a cabeça do porco inteira que elês chamavam de “Bullion”. Dos italianos aprenderam fazer a polenta que era um prato muito apreciado. A carne de galinha depois de ficar uma noite no tempero em vinha d´alhos era cozida numa panela de ferro com um pouco de banha e quando começava estalar era adicionado um pouco de água quente e dada uma mexida com uma colher de pau [os alemães chamavam para este processo de “schmoret”] que praticamente assava a carne na panela e o molho super escuro que sobrava era uma delicia.
• A carne predominante era a de porco do qual era derretida a banha para as frituras e saladas e ainda usada para a conservação de carnes já cozidas, pois não havia outros meios para conservá-la. Também eram feitas lingüiças que também ficavam no fumeiro junto com os ossos salgados e as mantas de toucinho. Quando era feita a “schlackfest” ou o porco era carneado que era feito praticamente todos os meses a Dª Lisete junto com a Dª Verginia minha mãe comandavam o bom andamento das tarefas.
• A Dª Lisete foi premiada com uma nora brasileira e era esperado que houvesse muito conflito entre as representantes de etnias diferentes, mas que na realidade raramente ocorria. Qualquer contratempo não chegava a durar quase nada, mas isto não quer dizer que não havia nenhum ressentimento diante da superioridade e certa arrogância em relação aos brasileiros por parte dos letos.
• O pão de cada dia era feito de farinha de milho e merece uma página especial.
• Casou no dia 10 de março do ano de 1895 com Jahnis Purim
• A Dª Lisete quando era nova e recém-casada, o marido foi trabalhar na região de Lages, deixando-a sozinha com um nenê pequeno. Neste período um temporal muito violento numa noite de verão pôs a rancho deles abaixo ao lado da mata virgem que uivava com a tempestade, relâmpagos e chuva e neste completo caos ela teve que passar a noite com o nenê (Reinaldo) no galinheiro, com as galinhas.
• Ludwig Rose, seu irmão, foi importante jornalista e redator do jornal Deustch Zeitung, publicado em idioma alemão, editado na época da 1ª Guerra Mundial em São Paulo, vindo a falecer em 1925 tanto que merece um capítulo especial à parte.
• Outra grande qualidade de Dª Lisete era atender a enfermos, muitas pessoas da comunidade foram atendidas por ela.
• Em minha opinião a minha vovó Lisete foi uma lutadora com qualidades e defeitos que todas as pessoas eventualmente têm, mas sempre foi muito honesta em seus propósitos e eu senti muito não estar presente no dia que ela faleceu principalmente que dizem que ela pedia prá chamar-me, pois ela queria falar alguma coisa, mas nesta ocasião eu já estava morando e trabalhando em Urubici e nada pode ser feito.
• O tio Reynaldo Purim devia muito a ela e bem como a família toda pelos imensos esforços em sustentar este filho estudando no Colégio, no Seminário inclusive nos Estados Unidos.

…o nosso tio Ludis faleceu vitimado por um derrame cerebral. De Luzija Purim para Reynaldo Purim – 1925 –

(Sem Indicação do ano, mas é 1925)
Rio Novo 11 de novembro
Querido irmãozinho! Saudações!!
Recebi a tua carta escrita no dia 27 eu recebi no dia 6 de novembro e por ela muito obrigada. Estou muito alegre porque estás respondendo todas as minhas cartas e não ficas esperando a segunda para responderes as duas numa vez só. O Arthur também recebeu aqueles jornais e agradece por eles. Você já recebeu a carta que eu mandei no dia 27 de outubro e o Arthur mandou a sua carta na semana passada no dia 6 de novembro. Se você recebeu estas cartas, você já estará sabendo como nós estamos passando por aqui pelo menos pelo que eu sei. Também não tenho nenhuma notícia alegre e o que eu tenho que te escrever não é nada agradável e como a gente vive neste mundo está sujeito a muitas tristezas.

Na quinta feira passada o Arthur foi a Orleans e trouxe a dolorosa notícia que o nosso tio Ludis faleceu no dia 23 de outubro vitimado por um derrame cerebral [Segundo a informação do Gerd Vitor, filho do Sr. Ludis a causa da morte foi meningite.] Dizem que esteve doente poucos dias. Esta notícia saiu no “Der Compass” que a Matilde Balod recebeu da irmã dela Amalija com outras anotações. Pode ser que até tenha algum telegrama em Orleans, mas como ninguém foi lá procurar e para aqui no Rio Novo ninguém manda e pode ter acontecido como no ano passado quando o Fater [Pai do Ludis] morreu o telegrama ficou retido em Orleans por 3 meses.

O Ludis agora em 23 de outubro tinha 45 anos e 4 meses e como rapidamente a vida dele terminou. O Fater viveu mais de 80 anos e ele somente 45 anos. Esta doença ele adquiriu devido aos longos períodos escrevendo e forçando demais a cabeça e a imaginação, não sei como a titia está passando agora, mas a tristeza deve ser muito grande para ela. Ela ficou com dois meninos o Gert Vitor tem oito anos e o Rudolf com 4. Você poderia escrever uma carta para a tia, pois ela te conhece. O endereço dela eu não tenho, mas você pode escrever neste: “Diário Allemão ou “Deutsches Zeitung” Rua Libero Badaró No. 99. A última carta que o tio escreveu ele prometia alguma vez voltar a passear aqui e nos visitar e também convidava para que eu fosse passear lá e conhecer cidades grandes e outras novidades como conhecer os parentes. Eu realmente tinha vontade alguma vez ir até lá, mas até agora ninguém me deixou sair e agora é tarde demais. —-
O tempo já há dias está claro e bom. Está bastante quente. As pessoas estão queimando as roçadas. Hoje estava tão enfumaçado que quase a gente não conseguia respirar, mas ao anoitecer deu um forte vento e choveu um pouco e é provável que chova mais.
Bem tenho que terminar de escrever, pois não vou escrever mais por que não há o que escrever que seja importante e nada relevante aconteceu e sobre pequenos detalhes não valeria a pena escrever e para você não interessa mesmo.
Você promete estenografar as cartas porque se torna mais rápido. Você devia vir e ensinar a ler estenografia e ai poderemos usar esta escrita quanto quiser.
Eu entreguei todas as tuas lembranças e através do August Klavim mandei para o pessoal de Rio Larangeiras e eles carinhosamente retribuíram.
Muitas lembranças de todos de casa. Lúcia.

…quando estiver passando pelas antigas paragens por favor não passe de largo.| De F. Janowoski para Reynaldo Purim

Rio Branco 19 de novembro 1925
[Rio Branco ficava perto de Jacuassu, entre Massaranduba e Bananal]

Caro irmão Purin:
Que a Paz do Senhor seja contigo!
Já passou longo tempo que nada tenho escrito para você. Também nada mais de perto sei sobre a tua vida. Se continuas a estudar, se você ainda continuas ai no Rio para estabelecer ai a tua vida, ou vais escolher outras paragens para o seu campo de trabalho. “Se ainda nada tiver definido, então na qualidade de uma pessoa que o considera como inesquecível amigo gostaria de pedir: “Venha para Santa Catharina e ajude-nos” porque nós aqui em Santa Catarina não temos nenhum obreiro residente, mas” Os Campos estão Brancos para a ceifa”. Esta afirmação posso assegurar com experiências pessoais.
Agora eu sou membro da Igreja Batista Brasileira de Joinville. Ela é uma pequena e nova Igreja com os membros espalhados por todos os quatro ventos da terra. Mas ela é fogo e onde um membro é espalhado, lá surge um novo foco incendiando toda a sua área de influência. Nós já temos 6 Pontos de Pregação e onde na medida de nossas possibilidades nós nos esforçamos em visitar e apoiar. As pessoas estão abertas a freqüentar e ouvir com toda atenção e reverência a Boa Nova e em muitos corações tem sido abertos e a Palavra tem operado maravilhosamente. De todos os lados e cantos somos convidados com a maior insistência e esperados como os mensageiros de Boas Novas. Mas não há ninguém para ir. Não há ninguém para ser mandado. Esta situação oprime por demais o meu coração.
O Irmão Leimann na medida de suas possibilidades nos visita, mas ele esta por demais sobrecarregado de trabalho e com toda certeza podemos afirmar que ele é um lutador que trabalha por três. Diante destas circunstâncias nem sempre ele consegue nos visitar. Eu também de um modo ou de outro tento fazer alguma coisa, bem , mas você sabe , sou um machado não afiado. O que alguma coisa grande com isso poderá ser cortada?
Finalmente ao terminar quero pedir encarecidamente que quando o teu caminho estiver passando pelas antigas pegadas dirijam-se a estas paragens então, por favor, não passe de largo.
Por favor, mande o seu endereço atualizado.
Com fraternas saudações. Teu amigo
F Janowoski

O Pastor Karlos Anderman .Depoimento de Júlio Anderman um de seus filhos.

O PASTOR KARLOS ANDERMAN. | POR JULIO ANDERMAN, UM DE SEUS FILHOS. 5ª PARTE (última)

O PASTOR KARLOS ANDERMAN
5ª PARTE
DEPOIMENTO APRESENTADO POR JULIO ANDERMAN, UM DOS SEUS FILHOS

[Revisado por Viganth Arvido Purim
Material cedido pelo Autor: Sr. Julio Anderman
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
]

Passei a trabalhar para a Família Kreplin, constituída dos pais e vários filhos. Eu dormia no mesmo aposento de um deles, o Ernesto.
Tive o privilégio de conviver dois anos no seio daquela família, um modelo de comportamento da Denominação Batista daquele lugar. Eram firmes nas suas convicções, honestos, tinham aptidão para gerir os seus negócios materiais com muito êxito e o seu lema era “ganhar o pão de cada dia com o suor do seu rosto”, incluindo o meu.
Todo o dia de trabalho se iniciava às 4 horas da madrugada. Os pais acordavam primeiro para fazer o café da manhã. Isto feito os dois abriam o Cantor Cristão num hino e entoavam a melodia em duas vozes. Então vinha o Ernesto; em seguida o Roberto e as duas moças, engrossando este coro polifônico neste “toque de alvorada” que me acordava também, o mais jovem e lá vinha eu esfregando os olhos dos últimos vestígios do sono. A última estrofe nunca era cantada sem a minha presença; então era uma obrigação moral saltar logo da cama para não deixarem os outros repetirem.
Todos reunidos o Patriarca lia uma passagem da Bíblia para a meditação e designava alguém do grupo para fazer uma oração a Deus pedindo a benção para os afazeres daquele dia que ora se iniciava.
Tomava-se o café. Chamava os muares de tração para a sua refeição matinal e depois, junto com a filha Vitória íamos para o estábulo tirar o leite das vacas, bem uma dezena delas formando duas filas. Enquanto elas saboreavam a ração, nós espremíamos as tetas antes lavadas com água, com a mão, esguichando jatos de leite dos úberes intumescidos, para o balde.
Com detalhe me lembro de duas vacas temperamentais; uma delas somente consentia soltar o leite se estivesse comendo a batata doce; a outra, somente deixava ser ordenada por mulher, ela olhava primeiro e se fosse homem soltava um coice atirava longe o intruso.
Às vezes a Vitória de brincadeira colocava esta vaca na fila da minha ordenha. A luz bruxuleante pendurada no meio do estábulo não permitia distinguir qual era delas, pois todas eram castanhas e quando ela virava a cara já era tarde. Ela soltava o coice, enquanto a Vitória ria gostosamente.
Na ordem do dia então constava o segundo café que era reforçado por frutas e proteínas. Em seguida atrelava os muares que atendiam pelos nomes de Dourado e Galego que eram animais de tração de muita força e rebocavam os implementos agrícolas. Eram tão integrados no trabalho que faziam animados e repetiam as diversas fases como se tivessem uma inteligência imaginativa.
Doze horas, meio dia, era a hora do almoço. Desatrelava os animais e os conduzia para a manjedoura para comerem a sua ração, depois deles também eu ia almoçar junto com a família toda reunida por que os Letões tinham o costume de acolher os seus empregados na mesma mesa e assim como de manhã também agora a refeição era precedida por uma prece. Depois desta refeição na escala do dia constava o trabalho que consistia em cortar capim para triturar a ração, descascar milho, rachar lenha e outras funções consideradas repousantes. Às 15 horas a parelha alimentada e repousada junto com o seu condutor outra vez ia para o trabalho na lavoura.
Eram dirigidos por rédeas, mas os animais estavam tão habituados a rotina que, depois de virados no fim do rego, sabiam o rumo tanto na ida como na volta.
Entre o Dourado e o Faceiro havia uma diferença quando estourávamos acidentalmente uma cachopa de marimbondos, o primeiro ficava pulando no mesmo lugar enquanto o outro queria disparar, mas quem ficava mordido era eu.
Não era cansativo por que era só segurar nos manches do arado e acompanhar arrastado o sulco.
Havia ainda um lanche no interstício desta segunda jornada, que era trazido pelas mãos diligentes de alguém da família, antes do dia terminar com o aparecimento da estrela vespertina, por que as horas do ocaso eram mais frescas e por isto mais produtivas.
Os animais tinham um tratamento quase humano por que solidários com o homem enfrentavam o trabalho, comiam a última ração antes de serem soltos no pasto.
Depois de admitido na União de Mocidade, também comecei cantar no coro da Igreja um conjunto maravilhoso que se apresentava na estação de rádio de Campinas e uma vez veio cantar na primeira Igreja Batista do Rio de janeiro.
Era aprendiz por isto não tinha nenhum destaque. Os ensaios eram acompanhados por violino, voz a voz por que o harmônio, que tinha a afinação temperada, não oferecia a perfeição desejada. O coro cantava a capela todos àqueles hinos que Lakshevics depois traduziu para o português, mas as silabas anazaladas do nosso idioma português tiravam deles aquele brilho por que as consoantes é que dão o ritmo e destacam a pronúncia fazendo o texto compreensível. Os ensaios realizavam-se duas vezes por semana, as quartas-feiras e na véspera dos domingos.
Em algumas ocasiões o grupo da mocidade alugava um caminhão com bancos de tabuas atravessando a carroceria que era lotada para passeios no Carioba, então cantávamos a quatro vozes:
Se nos cega o sol ardente.
Quando visto em seu fulgor.
Quem contemplará aquele.
Que do sol é Criador.
Mas para mim o ponto alto da minha mocidade de efeito inesquecível foi à festa do aniversário que me proporcionaram. Eu estava dormindo, mas às duas horas da madrugada toda a mocidade da Igreja reunida no pátio da casa dos Kreeplin, de surpresa começou a cantar uma serenata acordando-me. Custei a me convencer que a festa era em minha homenagem. Quando desci fui abraçado, cumprimentado e fui distinguido com um lanche constituído de refrescos, guloseimas e ainda mais, o tradicional bolo de aniversário acompanhado de “Parabéns prá você”; tudo aquilo preparado pelas mãos diligentes daquela boa gente.
Como presente de aniversário ofereceram-me uma Bíblia com uma dedicatória autografada por todos os presentes. Esta Bíblia me acompanhou durante muitos anos. Levei ela comigo para a 2ª Grande Guerra na Itália no saco “B”, sim, por que tínhamos duas bagagens, a “A” que continha as coisas de uso diário e acompanhava o soldado na linha de frente e o outro que ficou na retaguarda. Nunca mais consegui reaver o saco “B”. Depois comentaram que o navio bagageiro que transportava este material fora afundado por um submarino alemão.
No entanto estava escrito que eu não ficaria na Fazenda Velha; os meus caminhos se abriram e a convite do meu irmão Emilio viajei para tentar a vida no Rio.
Tempos difíceis àqueles nos quais um jovem habituado a soltar as rédeas do pensamento em devaneios enquanto andava atrás da semeadura, agora era obrigado a concentrar-se em detalhes do trabalho mental.
A experiência adquirida no exercício da lavoura me ajudou muito e deu destaque a minha atuação até hoje, por que o próprio fluxograma de preparar a terra, plantar, cultivar, colher, predispõe para o planejamento com previsão para um resultado em longo prazo que é muito mais produtivo do que a especulação momentânea cujo lucro se esvai com a mesma facilidade com que veio. Em conclusão deste item posso dizer que tudo aquilo que eu fiz foi realizado com êxito, graças a Deus.
No Rio comecei a freqüentar a Primeira Igreja Batista de Catumbi na qual participei do coro e ingressei na União da Mocidade. O Pastor Antonio Neves Mesquita percebeu logo que havia algum problema com a minha vida espiritual. Ele me convidou para ser membro da Igreja, fiquei de pensar sobre o assunto e em conseqüência me abri com ele sobre todos aqueles acontecimentos havidos com o Pentecostalismo e a minha descoberta da mentira.
Fui franco, disse: “e tem mais, para resumir, como poderia ter Cristo subido aos céus com o seu corpo físico ressurreto se hoje sabemos que depois da estratosfera o corpo se desfaz”.
Depois conversamos sobre a imortalidade da alma, sobre a eternidade, a respeito do céu e do inferno e outros assuntos que a seqüência fria das palavras não conseguia explicar a luz dos conhecimentos modernos.
Então o que ficou resumido no meu cérebro, até hoje, foi à explicação que tudo era uma questão do “estado da alma”. De acordo com o meu procedimento eu poderia me sentir no céu ou no inferno. Que esta questão de eternidade perante Deus não tinha nenhuma significação por que cada momento se eterniza.
Conclui assim que havia uma eternidade horizontal que se traduzia em séculos e uma outra vertical que traduzia o momento vivido e por fim, de que a eternidade secular nada mais era do que a soma dos momentos vividos e que de acordo com as Escrituras, perante Deus um dia vale mil anos e mil anos são como se um dia fosse.
Sentir-se salvo por Jesus Cristo neste momento e nos momentos seguintes justapostos constituem a eternidade, incompreensível para a mente humana e sentir-se salvo na hora da morte também se tornava um sentimento infinito, eterno, como também a angustia provocada pelos pecados na hora final se perpetuava.
Batizado tornei-me membro da Igreja Batista e foi para valer, pois até hoje não tive dúvida sobre a salvação da minha alma. Cheguei a conclusão de que a religião era como se fosse um fio de ouro que acompanha o crente durante toda a linha da vida. Conclui que a religião não é para ser cultuada, mas para ser vivida intensamente.
Em Jesus adquiri um amigo que me guiava e acompanhava os meus passos mesmo materialmente e que não podia deixar ele do lado de fora esperando enquanto eu estivesse praticando num cômodo vizinho, um ato indigno.
Não era infalível, mas nas transgressões valia o arrependimento e o pedido de desculpas.
Mas afinal o que é o pecado? São atos repetidos que primeiro aniquilam o corpo orgânico e depois destroem o espírito. Antes da descoberta da cirrose do fígado provocado pela ingestão da bebida alcoólica, do enfisema conseqüência do fumo, da aids provocada pelas drogas injetadas e o heterosexualismo que um sinônimo de prostituição, os Batistas consideravam a conversão do crente como prova do abandono destes vícios e outros como apagados de uma nova vida pelo batismo.
Naquela mesma ocasião li o Discurso do Método de René Descartes que muito me influenciou. Este livro nada mais ensina do que a procura da verdade. Jesus resumiu este assunto quando disse: “vossa palavra seja sim, sim; não, não o que passa disto é do maligno”. Então na minha concepção firmou-se a convicção de que somente havia uma maneira de discernir uma questão; a certa ou errada, não existia meio termo. Aquele filósofo concluiu que a verdade era clara como o sol, ela não poderia ser destruída nem pelos amigos, nem pelos inimigos e tinha de resistir à prova de causa e efeito. Assim uma tese ateísta reforçou a minha fé evangélica.
Por exemplo, ao analisar o Pai Nosso descobri que neste texto havia ensinamentos de ordem prática. A frase “e livrai-nos das tentações” para mim passou a ter uma significação ativa e passiva. Então se eu, um crente, por negligência, descuido ou omissão permitisse que alguém “caísse em tentação”, eu tinha parte da responsabilidade pela falta que o outro praticou. Ela encerrava também um dos princípios da administração que é a vigilância constante para desencorajar a tentação de quem quiser dilapidar o patrimônio.
A outra citação: “pão nosso de cada dia nos dá hoje” não podia ser interpretada de uma maneira tão simplista de que Deus apanhasse uma côdea de pão na sua dispensa celeste e a colocasse sobre a mesa do peticionário num piscar dos olhos. Primeiro Deus fazia plantar a semente, depois cultivar, mandar para o moleiro triturar os grãos em farinha, ser manuseada pelo padeiro, assado no forno aquecido e por fim adquirido na padaria e somente depois a colocação do alimento sobre a mesa e o agradecimento a Deus por esta dádiva que passou por tantas mãos que instintivamente agiam como se a ele representassem.
Isto tudo foi citado resumidamente, por que somente o ato da semeadura ocupou bastante espaço quando analisado por Nosso Senhor naquela parábola do semeador.
É duro dizer isto, mas numa análise Cartesiana, somente poderiam existir dois tipos de espírito; o Santo que vem de Deus, pela primeira vez mencionado em Gênesis: “e o Espírito de Deus repousava sobre as águas” e que depois, materialmente realizou toda a obra da criação do mundo e o Espírito das trevas tantas vezes mencionado na Bíblia.
Quando nos Atos dos Apóstolos houve uma manifestação do Espírito Santo que induziu o uso de línguas estranhas, parece o efeito da causa por que todos entendiam no próprio idioma o que eles estavam dizendo, ficando assim estabelecido o principio de causa e efeito que rege a ciência.
Assim se um seminarista aprende um novo idioma durante o curso de Teologia para como missionário em terra estranha pregar o evangelho, ele cumpre o efeito embora a causa seja outra.
Então podemos propor um desafio para aqueles crentes que se dizem poliglotas por obra do Espírito Santo; é mandá-los pregar da mesma forma sem a memorização e depois verificar se o efeito foi o mesmo; se alguém entendeu alguma coisa do que disseram.
Destes profetas Pentecostalistas Letões que não sabiam a nossa língua, nunca ouvi dizer que algum deles depois de inflamado tivesse o dom de pregar em português para converter os brasileiros. Os pastores que o fizeram, aprenderam o idioma a duras penas; esta sim foi uma inspiração do Espírito Santo e entre eles também incluo o meu pai.
Por outro lado tudo que aconteceu nos primórdios do Cristianismo ficou escrito para análise e meditação, como foi aquele milagre quando o poder de Deus mandou o seu anjo para soltar o Apóstolo Pedro da prisão, mas destas línguas estranhas que se ouvem balbuciar hoje nas reuniões de Pentecostalistas e que pressupostamente deveriam conter mensagens preciosas para a meditação; nenhuma mensagem foi gravada, traduzida ou transcrita, apesar das facilidades dos meios de comunicação modernos. Isto mesmo pode-se dizer das visões, profecias, milagres que deveriam ser registrados para comprovar a sua veracidade pelo principio de causa e efeito.
Comparando, então podemos dizer que o Espírito de Deus que pairava sobre as águas disse: “haja luz”, quando aconteceu aquela explosão indescritível da criação de todo Universo e que atualmente os astrônomos chamam de ‘Big-bang “; assim ele fez todas aquelas coisas mencionadas na Bíblia, que naquela ocasião não poderiam ser narradas de outra forma por que o pensamento humano ainda não havia aprendido bastante para entender – e agora, em contraste aparecem alguns grupos que tem a ousadia de dizer que estão evocando este mesmo Espírito Santo de Deus para animar reuniões de saltimbancos, e que, no mínimo, pode ser considerado chacota e desrespeito”.
Finalmente, se você já passou, ou quando passar por uma desilusão igual a que eu passei e por isto tornou-se incrédulo então pense: “Quem criou o Universo e o sustenta?” Se você não quer chamá-lo de Deus, então lhe invente outro nome ou aproveite dos muitos que já existem – Bog em russo, Gott em alemão, Allah em árabe ou Adonai em hebraico, por que Ele é tudo aquilo que o cérebro deduz e que todos igualmente imaginam que Ele seja e que a cada nova descoberta cientifica é exaltado. Se além de tudo tiver duvidas, na hora de conciliar o sono, à noite, consulte o seu coração e ele lhe dirá muitas coisas que o cérebro não soube deduzir.

F I M