Adeus cartas longas | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 27-12-17

Querido Reini,

Recebemos a tua carta, escrita em 5 de dezembro, no dia 23 de dezembro. Obrigado. Foi uma longa espera e nem sabíamos onde você estava. Tu escreves que mandou uma carta ainda do Rio, mas esta ainda não chegou. Os desenhos recebemos junto com dois rolos de jornais. Os pacotes de desenhos tinham sido abertos pela censura, mas os rolos de jornais não, portanto você pode escrever nos espaços vagos dos jornais que eles não abrem. Dia 22 de dezembro te mandei um cartão escrito em leto, vamos ver se chega. A mulher do correio falou que as cartas escritas em leto não serão mais abertas, mas esta tinha sinais que tinha sido aberta. A censura pelos correios não é uma coisa boa, mas muito mais difícil se as cartas tiverem que ser escritas em brasileiro — se for assim, adeus cartas longas, porque nesta língua a gente não tem facilidade.

Agora tenho tanta coisa para escrever que não sei se vou conseguir fazer pela ordem… Nós estamos passando bem, estamos todos com saúde, e nenhuma calamidade aconteceu depois daquela tempestade de fogo que varreu toda região. Pela minha carta anterior você deve ter percebido que condições precárias nós passamos.

Oh. Foi a situação mais crítica de toda nossa história. Neste ano o 15 de novembro, maior Feriado Nacional, deverá ser gravado com letras de ouro. Quantas famílias perderam tudo! Só abaixo da serra mais de vinte casas de brasileiros ficaram um monte de cinzas. Propriedades inteiras ficaram irreconhecíveis: cercas, árvores, pastagens e plantações viraram uma mancha negra. Até para os Klavin, faltou muito pouco para perderem a casa e as demais dependências. Foi quase sorte: juntaram muita gente e durante o dia inteiro usaram escadas para molhar os telhados, paredes e cercas, isso no meio de uma nuvem de fogo e fumaça.

Este ano foi um ano cheio de tragédias. No começo de ano as enchentes, depois as grandes geadas, a neve, os gafanhotos, um mês e meio de seca imensa e depois, para completar, o fogo.

Você pode imaginar como tudo ficou ressequido depois de tanto tempo que não chovia: os pastos estavam tão secos que o gado nada tinha para comer. Começamos a trazer folhas do mato [grandiuva] até dezembro, mas já estava faltando e tínhamos de ir longe nos matos e capoeiras em busca do pouco verde que restava para os animais. Também dávamos espigas de milho (as pequenas), mas já estavam acabando. Ainda bem que dia 1° de dezembro começou a chover, e choveu sem parar por dois dias e meio: agora está tudo verde.

Este ano as plantas não cresceram o que seria esperado. O milho plantado no cedo, se não continuar a chover, não vai dar nada. Em muitos lugares o milho não tem um metro de altura e já está soltando o pendão. O milho terminamos de plantar no dia 15 de dezembro, e no total plantamos 16 ½ quartas. Nunca tínhamos plantado tanto quanto este ano. A batata inglesa [kartupeles] cresceu um pouco, mas depois secou tudo. Só aqueles plantados no tarde estão verdes.

Perto de Orleans apareceram novamente gafanhotos, também em Rio Laranjeiras, Rio Belo e Braço do Norte. Perto de Orleans tive oportunidade de ver uma nuvem deles, as beiras das estradas tão cheias que chegavam a chiar; ainda bem que não estão em toda a parte. Onde eles estão eles comem tudo e começam pôr ovos. O governo determinou que as pessoas não atingidas fossem trabalhar dois dias, pelos menos, matando os filhotes [NOTA: Abriam-se valetas e espantavam-se os filhotes para dentro, cobrindo-os em seguida com terra]; nas roças tudo fácil, mas nos matos e nas capoeiras nada havia o que fazer. Se os que sobrarem subirem o Rio Novo, vão comer tudo. Esperamos que sigam para o leste, para onde foram os adultos. Para baixo de Orleans falam que tem muito mais, que na estrada de ferro não se consegue enxergar os trilhos. Os filhotes são pouco maiores que moscas, com um risco cinza nas costas; ainda não tem asas
mas são muito espertos para pular.

Semana passada comecei escrever esta carta, mas como durante as festas ninguém foi a Orleans, perdi a pressa de terminar esta. Hoje, dia 30 de dezembro, o Roberto [Klavin] trouxe a sua carta escrita em 10 de dezembro. Muito obrigado. Estou muito feliz porque você está passando bem. Você pergunta se aquelas cartas enviadas do Rio chegaram: não, a última escrita do Rio foi aquela datada 16-11-17.

Como foi o seu exame? Você não recebeu o último boletim da tua escola? Se você mandou, deve ter-se extraviado. Quanto aos desenhos, são os últimos? Eles são lindos e servirão de moldes para as minhas costuras. Você levou a sua caixa de coisas junto? Desta vez vou fazer muitas perguntas e aguardar longas cartas. Você está em férias e tem tempo bastante para escrever.

Bem, preciso escrever sobre as festas de Natal. Este é o primeiro Natal que passamos sem você…… Bem, mas tudo correu muito bem, passamos alegres e fazia muitos dias que o tempo não estava tão lindo. Não está quente demais e havia um luar muito lindo. Naquele domingo antes das festas estava chovendo e estávamos temerosos, pois poderia atrapalhar as programações, mas a chuva logo parou.

No Rio Laranjeiras estava programada a festa com pinheirinho e tudo para o dia 24, mas este dia amanheceu brusco e parecia que logo iria chover; felizmente, lá pela hora do almoço começou soprar um vento seco que dispersou todas nuvens, então alegres pudemos nos aprontar para a viagem.

Saímos às 4 da tarde e chegamos lá antes de escurecer. A estrada estava inteiramente seca mesmo dentro da mata virgem, lá onde na vez passada, na Páscoa, havia aquele lamaçal horrível. Por coincidência, éramos novamente treze pessoas: Arthurs, Arnolds, Juris, Augusts, Ernest Slengman, Ema, Lonija, Isolina, Milda, Schenia, Lusija e eu. O Roberto estava lá desde domingo. O pinheirinho era igual do ano passado e no mesmo lugar. Não tinha tanta gente como no ano passado e o programa não foi tão longo.

A festa foi dirigida pelo Roberto, que é da Escola Dominical daquela Congregação. A escola tem 24 alunos matriculados e as entradas do ano, com o saldo do ano passado, perfazem mais ou menos 30$000; as despesas, 18$000, ficando um saldo de 20$000 para o próximo ano.

Este ano não foram feitos bolos [kukas] porque está tudo muito caro. Foram comprados em Orleans, nas padarias, onde saiu mais barato, bem como os bombons [bombongas] para as crianças. Os presentes foram muitos.

Agora vou contar quais os hinos foram cantados e daí você pode cantar e fazer de conta que participou da festa. Pela E.D. de Rio Laranjeiras, foram cantados dois hinos, os de número 210 e 438 do Cantor Cristão. Todos juntos cantamos 4 hinos: os de números 18, 217, 225 e 242. Dois hinos foram cantados pelos vicitantes que vieram para cima, os de números 248 e 446. Então ainda cantou um trio masculino — Roberts, Arnolds e Arthurs, — o hino 444: “Sejais Corajosos Povo de Deus”. As poesias eu não teria como transcrever. Todo o povo participou com grande reverência.

Depois do término tomamos café e saímos de volta para casa. O cansaço apareceu na subida daquele grande morro, mas de modo geral saiu tudo bem, pois não estava nem quente nem frio. Chegamos em casa a uma e meia da madrugada. Só música não houve; não porque não tivessem sido levados os instrumentos, mas porque não foram levadas cordas de reserva e deu azar de terem arrebentado algumas — e deu no que deu…

Nos Leiman [sede da Igreja de Rodeio do Assucar] o pinheirinho foi aceso dia 26 Dez. Lá houve um programa mais longo do que no ano passado.

A festa foi dirigida pelo Arthurs [Leimans]. Poesias houve vinte e uma: dez em leto e onze em brasileiro. As em brasileiro foram declamadas por Arnolds 1, Juris 1, Augusts 1, Vilis Slengmann 1, Isolina 1, Emma 2, Milda 1, Luzija 1 e eu 1. Não posso te transcrever pois não sei onde foram encontradas. Os professores entregaram, mandaram decorar e pronto. As poesias em leto foram apresentadas pelos mesmos.

Hinos foram cantados doze: sete em leto e cinco em brasileiro. A Escola Dominical cantou os hinos do Hinário Bernu Kokle números 125, 127, 137, 109, e 134. E ainda cantaram em trio Emma, Lonija e Milda o de número 78, enquanto o Arthurs acompanhava com a guitarra. O Ernesto, Emma e Lonija Slengman cantaram o hino 7 do Musu Dsiesma Gramata, seção Ceribas Auseklis. Pela Escola Dominical os alunos cantaram em brasileiro os números 76, 161 e 247. O Arthurs fez solo do hino 220 do Cantor Cristão acompanhando da guitarra e também do violino do Roberts. Ainda a Milda e Isolina cantaram o número 73 do Cantor Cristão. Agora você sabe quais hinos foram cantados. Foram apresentadas duas músicas instrumentais do hinário inglês. O programa ficou um tanto longo.

Nunca tinha havido tanta gente: brasileiros, italianos mas muito mais rionovenses [NOTA: Membros da igreja batista rival, de Rio Novo], a juventude quase toda. Até os velhos Karklim também estavam. Para abrir mais espaço, o Matiss ajeitou lugares atrás das janelas. Assim pudemos bem recepcionar os “inesquecíveis” visitantes rionovenses. Barulho ou qualquer movimento não foi permitido pelo encarregado da ordem, o Juris Klavin, que ficou no lado de fora. Ficaram tão comportadinhos que lembraramvque não estavam em sua Igreja do Rio Novo.

Neste dia tive a oportunidade de ver as beldades do Rio Novo, antigamente não apareciam como agora vão… Pelas estradas sempre estão aos pares, e junto de cada rapaz vai uma mocinha. Ninguém sabe como vai terminar essa grande loucura…

No dia 25 de Dez. os rionovenses comemoraram o seu Natal. No pinheirinho havia somente treze velinhas, e estas eram curtas e acabaram logo. A Escola Dominical é tão grande que quase não se pode enxergar… Mas para o próximo ano o professor Butler vai tomar as rédeas e fazer todos os pequenos e grandes participar da E.D. — se não os novos ficam mal acostumados e ficam por aí.

Nas cartas passadas escrevi que o Oscar ia se casar, mas até hoje não saiu nada. As promessas eram muitas mas até agora nada, e porque também não sei. No domingo passado na casa de “T” houve o noivado de Laura e João. Agora “T” e ”S” são tão parentes que é de se admirar. Antes “T” e “S” não podiam nem se ver, agora se beijam.

Logo parece que vamos ter o casamento do Vilis Paegle com a Erna Auras. Agora saiu uma lei na Justiça que no ano que vem só poderão casar os que tiverem se inscrito este ano, e o motivo é a convocação para servir o Exercito. Por isso os meninos estão correndo para casar. E ainda há um papo de que se por acaso for casado e convocado, passará a receber um soldo muito maior que o solteiro. Não sei se estas novas da justiça tem alguma lógica ou se são só para se ganhar dinheiro com mais casamentos.

Sobre os feitos heróicos dos rionovenses eu teria muito o que escrever, mas deixa prá lá. Não vale a pena escrever.

Agora, o ano no fim, vou descrever o nosso balanço com as entradas e saídas. Neste ano vendemos 70 arrobas de toucinho que renderam 709$590. Banha, 69 quilos por 69$00. Das abelhas mel e cera, 98$000. Manteiga, 21 quilos e 37$500. Ovos, 189 dúzias e 66$300. Feijão, 11 sacos, deram 110$000. Total de entradas, 1:101$890; saídas, 374$320. Saldo: 726$970.

Este ano as entradas foram maiores e as saídas menores do que no ano passado. Agora está tudo mais caro, o feijão já está a 17$000 a saca, o toucinho 13-14$000 a arroba, e o que a gente compra é três vezes mais caro do que antes.

Dias atrás em Orleans saiu uma conversa de que teria chegado um telegrama informando que a guerra tinha terminado e que a Alemanha derrotada havia pedido a paz, pelo que houvera grandes festas em Orleans.

Bem, chega. Vou esperar uma longa carta sua. Tu podes escrever em leto e colocar no rolo com jornais, e assim vão chegar sem ninguém abrir. Aquelas fotografias dos seminaristas você chegou a nos mandar?

Com sinceras lembranças para vocês todos,

Olga

Velhos tempos | Olga Purim a Reynaldo Purim

[Cartão Postal endereçado ao Collegio Americano Baptista – Cachoeiro Itapemirim]

Rio Novo, 21-12-1917

Querido Reini,

Na semana passada recebemos 2 jornais e também os desenhos, e as anotações de que você está viajando para o Espirito Santo. Por que não veio para São Paulo?

Cartas, faz tempo que não temos recebido. Esperamos todos os dias. A última foi aquela que você escreveu no dia 16 de novembro. Não sabemos se são retidas pelos correios aqui ou se se perdem em algum outro lugar. Outros recebem cartas em leto com claras evidências de terem sido abertas pela Censura, mas chegam. Escreva em brasileiro, e daí talvez cheguem.

O que estás fazendo? Como estás passando? Nós estamos passando
bem e todos com saúde. No demais está tudo como nos velhos tempos. Foi só no dia 1 de dezembro, depois de um mês e meio sem chuva, que voltou a chover regularmente.

Agora chega. Quando receber carta sua escrevo mais. Tens recebido o dinheiro?

Desejamos um Feliz Natal — Olga

Fortalezas de puro aço | Reynaldo Purim a Lisete e Jahnis

Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1917

Queridos pais em Rio Novo,

Neste momento recebi as suas cartas e junto o dinheiro. De coração agradeço. Eu pensava que fosse difícil e quem sabe se este dinheiro chegaria antes do fim do mês, mas chegou.

Alegro-me que vocês estejam passando relativamente bem; como ainda não sei se aquela praga de gafanhotos destruiu todas lavouras, espero que Deus os proteja desses perigos e males.

Agora vou escrever algo sobre mim. Nos exames passei suficientemente bem; a nota mais baixa foi 85 e a mais alta 100. Este mês não terei o Boletim Mensal, mas amanhã irei receber o Diploma da Conclusão do Primeiro Ano. No Diploma estarão todas matérias e a média total de todo ano. Muitos não conseguiram passar.

Agora o assunto sobre as minhas férias. Sobre isso já escrevi alguma coisa.

Vocês sabem que do Ludi [Ludvig Rose] antes a gente nada recebia; não recebíamos nenhuma notícia. Isso certamente acontecia porque ele escrevia em leto; como todas cartas são censuradas pelo governo, eles não conseguindo ler não permitiam que seguissem. Mas tempos depois recebi dele um cartão postal escrito em brasileiro onde ele escrevia que posso ir a São Paulo [nas férias]. Respondi também em brasileiro, e também com cartão postal, e é assim que nós nos comunicamos nestes dias.

Então, vou mesmo para São Paulo. Vocês podem pensar que possa me dar mal, mas isso certamente não vai acontecer, pois está tudo muito quieto. Por favor não se preocupem comigo: confiem em Deus e assim estaremos protegidos. Espero sair de viagem na segunda-feira de manhã.

Fui à Polícia Central pedir um passe para viajar e mostrei o atestado da justiça que trouxe de lá; ali me informaram que eu não preciso de passe nenhum, porque não sou alemão e sou nascido no Brasil. Os alemães sim, se quiserem viajar para qualquer lugar precisam ir à “justiça” tirar um “salvo conduto”. Esse pode ser conseguido com a pessoa apresentando uma série de provas de quem é, onde mora, de onde veio e para onde quer ir. Eles tendo este documento ninguém perturba mais.

Antes de ser convidado pelo Ludi passei um tempo procurando trabalho para o período de férias, mas nessa época é muito difícil. Se não tivesse outro lugar para ir, iria trabalhar como colportor. Salomão [NOTA: Salomão Ginsburg era um judeu convertido, pastor e grande líder, naquela época diretor da “Casa Publicadora Batista”, hoje JUERP.] me ofereceu esse trabalho. Não seria um trabalho fácil e agradável, principalmente nestes tempos de guerra, sendo ainda que não havia um salário definido e compensador. Tudo dependeria das vendas.

Mas este plano eu pus de lado, pois as pessoas poderiam pensar que eu fosse um espião alemão, etc. Sobre este assunto não vou escrever mais pois acho que ficou bem claro.

Aquela minha caixa não vou levar junto, pois isso poderia me custar muito caro. Vou levar comigo algumas roupas, alguns livros e o violino — o resto vou ajuntar tudo, fechar dentro da caixa e deixar aqui mesmo. Todo mundo faz assim e viaja só com uma maleta.

Agora o tempo apresenta-se muito quente, principalmente na cidade nos “poços de pedra” e “valetas de pedra” onde circulam pessoas, automóveis etc.

Sobre a situação geral não sei o que escrever. Só sei que na Europa a situação está dia a dia pior. O exército russo não mais guerreia contra os alemães, mas entre si pelo controle do governo. A situação final na Rússia ainda não está delineada. A Polônia russa agora é um país livre. A Finlândia (Somija) está sacudindo e empurrando embora o governo russo. O que mais vai acontecer só Deus sabe.

Os franceses e ingleses inventaram umas fortalezas de puro aço que avançam (rodam) contra o inimigo equipadas com canhões e metralhadoras que as balas de outros canhões nenhum dano conseguem fazer, e assim causam imensa destruição na frente inimiga.

Bem, por hoje chega. Sobre as coisas menores não vou escrever agora, nas férias penso escrever longas cartas para vocês. Quando chegar a S.P. vou escrever outra vez dando o meu endereço de lá.

O Inkis com sua esposa foram para nova Odessa. Não posso imaginar porque todos me esperam no Rio Novo.

Como vocês estão passando, agora? – E os gafanhotos ainda estão por lá? – Como vão todos de um modo geral? – E a igreja? – E as pessoas da igreja de Orleans vivem em paz?

Na outra vez vou contar sobre as igrejas daqui. Aqui eles não são tão rixentos quanto os letos.

Envio muitas e sinceras saudações. Vivam felizes e que Deus vos proteja.

Reinholds

Festa de gente da cidade | Reynaldo Purim a Olga e Lúcia Purim

Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1917

Queridas Olga e Lúcia, – Saúde

Recebi as suas cartas — Thank you very much. Alegro-me que vocês estejam passando suficientemente bem. Quanto a mim, graças a Deus estou passando bem. Agora estou me aprontando para na próxima segunda-feira embarcar para a casa do tio [Ludvig Rose em São Paulo]. Tenho que deixar tudo em ordem. Tenho que lavar e passar toda roupa e lustrar tudo. Agora vocês sabem o que eu estou fazendo nestes dias.

Anteontem foi a festa de encerramento do ano letivo do jardim da infância e dos anos primários. Ontem à noite foi a festa de encerramento das meninas na rua do Bispo. Hoje será a festa no Seminário e amanhã no Colégio Batista. Estas festas são festas de gente de cidade, e cada formando recebe o seu diploma.

Na semana que vem vai ser organizada a Igreja em Pilares. Esta era até agora um ponto de pregação da Igreja de Engenho de Dentro, igreja esta em que ultimamente eu tomava parte. Eu colaborava nesta congregação lecionando numa classe da Escola Dominical e agora no ano que vem vou trabalhar como membro fundador e colaborador. Em outra oportunidade vou contar como aqui são tratadas as crianças. É um lugar de gente muito simples e pobre, muito mais pobre que o pessoal de Rio Laranjeiras.

Bem, por hoje chega. Peço que comecem logo escrevê-la e, quando eu mandar o endereço, quero receber uma longa carta. — Ou não?

Muitas lembranças para vocês e também para o Artur.

Seu irmão,

Reynholds

Destruição e pavor | Roberto Klavin a Reynaldo Purim

Antunes Braga, 18-XI-917

Querido amigo,

A tua carta escrita em 29/10 recebi na quarta-feira e já respondi com um cartão postal, prometendo que ia escrever mais logo que possível.

Já no cartão mencionei as terríveis queimadas, e agora soube de mais notícias destas. No Rodeio das Antas queimaram quatro casas, fora o resto: matas, capoeiras, pastos, cercas, etc.

Aquele fogo que queimou toda a nossa propriedade começou numa queimada de um vizinho e depois de ter atravessado a nossa colônia continuou Antunes Braga afora. Foi muita sorte que não queimou nenhuma casa, mas como já disse antes, nem matas nem roças, nada escapou. Na quarta-feira eu queria ter escrito uma carta para você, mas os olhos ardiam tanto que quase não conseguia aguentar.

Na quinta-feira, quando ia para Orleans, outra vez pude observar os estragos causados pelas queimadas. Nas terras dos Karklin, do Stekert, do Wilis Balod e da Anlise, há lugares em que queimou até a estrada. No Alto Rio Novo, onde você morava, não queimou tanto, mas lá embaixo, perto dos Paegle, os italianos deixaram queimar quase tudo. Lá do outro lado do rio de Orleans [Nota: Rio Tubarão] também queimou a colônia do Hermman Balod. Também o Rio Belo e o Barracão sofreram violentas queimadas.

Hoje fui a Laranjeiras. A mata dos fundos do terreno do Willis Slegmman tinha queimado tudo. Parece que o fogo veio do lado dos italianos. Lá no Caciano não tinha nada anormal, mas eles contaram que lá no Rio da Vaca o fogo desceu as serras empurrado pelo vento, causando destruição e pavor. Lá também queimaram quatro casas. Mas fogo mesmo foi no Rio Importe, onde queimaram 17 casas e tudo mais.

Agora chegou uma notícia de que no Rodeio das Antas não queimaram quatro casas, mas sim em outro lugar. A antiga casa que era do Janis Grikis, que agora era de um italiano, queimou tudo, ficando de pé somente a chaminé.

O João Thomas da Silva [de Rio Laranjeiras] também passou maus bocados e sofreu muito com esse pesadelo. Queimou tudo, do pasto ficou somente a terça parte. Queimaram todas as roças plantadas e cercas, e chegou mesmo a pegar fogo no paiol; se queimasse o paiol certamente a casa ia também. Para apagar o fogo no paiol, dispenderam esforços desesperados. Quando acabou a água, terminaram usando lama mesmo: a casa escapou mesmo por um milagre. O calor do fogo era insuportável, a fumaça não permitia que vissem nada e deixava todo mundo sufocado. Tudo ao redor queimou sem sobrar nada. Ainda agora ainda estão perplexos, não entendendo como suportaram aquele inferno. Até as roupas que usavam ficaram inutilizadas pelas fagulhas que vinham do fogo e da fumaça. O calor era tanto que sentiram que tinham chegado ao limite da resistência e da exaustão. Era realmente uma luta de vida ou morte.

Tem muita gente contando que os gafanhotos estão atacando a região de Minadouro. Dizem que são tantos que formam grossas camadas. Aqui eles também passam, mas voando alto e não pousam; isso acontece quase todos os dias.

Muitas lembranças minhas, que Deus de auxilie e guarde.

Roberto [Klavin]

PS. Na quarta-feira que vem vou para a casa de Onofre Regis, onde me aguarda bastante serviço, tanto na área material como na espiritual.

O Brasil está em guerra | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 15-11-1917

Querido Reini,

A tua carta escrita em 29 de outubro recebi ontem à noite. Obrigado! Você pergunta se recebemos todas as cartas, as últimas, sim. Uma no sábado passado, outra no domingo, e logo providenciamos as respostas: longas cartas e ainda 200$000 em dinheiro que despachamos logo na segunda-feira.

Apressamos as respostas para que chegassem ainda antes do fim do mês; esta estou escrevendo esta hoje de noite para mandar para ver se mando ainda amanhã.

Você escreve que o Brasil está em guerra. Nós só ficamos sabendo no dia 12 de outubro. Em Orleans o povo não fala outra coisa; contam coisas medonhas sobre a guerra, como em São Paulo todos estabelecimentos pertencentes aos alemães estão sendo sistematicamente destruídos. Se isso é verdade, como é que nas férias tu queres ir para lá? Junto com o Ludis [Ludvig Rose] acho não ser nada seguro. Nós nos preocupamos por você. Aqui acho que estamos relativamente seguros, pois achamos que na colônia não vai chegar nenhuma dessas desgraças.

Os donos das vendas sobem os preços das mercadorias todos os dias. Na outra vez, quando houve aqueles rumores de guerra, eles não queriam comprar toucinho, mas agora pedem encarecidamente que tragam toucinho; estão pagando 11$000 a arroba ainda com ossos, e enquanto o milho eles estão pagando 5$000 a saca, mas como será daqui para frente eu não sei.

Nos estamos bem, todos com saúde. Mas hoje foi um dia horrível, pois deu uma tempestade como não lembro ter visto um igual. Não tem chovido há mais de mês; tudo que foi plantado está secando, e hoje esta tempestade. Os dias anteriores eram realmente de tempo bom e também não tinha vento nenhum, mas hoje de manhã começou a soprar um forte vento do lado da serra; não aquele quente, mas bastante frio.

De manhã não era muito forte, mas quando chegou perto do meio-dia empurrava com tanta força que a gente não podia ficar de pé. Como a terra estava muito seca, formaram-se nuvens de poeira tão forte que nada na frente podia-se ver.

Hoje de manhã fomos à “Bukovina” e a serra estava limpa, mas os serranos que ontem e anteontem tinham queimado os campos deixaram aqui e ali porções de áreas queimando; com o vento, grande parte dos costões da serra estavam ardendo. Com mais vento, formou-se um verdadeiro mar de fogo descendo para o nosso lado. Aqui na roça também tínhamos um toco de madeira queimando e faltou pouco para que as faíscas levadas pelo vento chegassem nas samambaias secas da vizinha (Maninha?); com muito custo apagamos completamente esse foco.

Não sei como se saiu o Bekeris, pois ao redor de sua casa queimava mato, capoeiras e até o capim rasteiro; é verdadeiramente um milagre que a casa dele tenha escapado. Também do outro lado, perto da casa da Sesinanda, também vinha um grande fogo; à tarde, quando saímos para vir para casa, aquela área estava envolta em roldões de fumaça e fogo.

Também no Rio Novo há queimadas em diversos lugares. Por onde quer que a gente olhe são paisagens aterrorizantes; ainda a essa hora da noite clarões do fogo descontrolado estão por toda parte, espalhados pelo forte vento, e a gente não sabe como terminará esta tragédia.

Quando atravessamos a mata virgem na volta da Bukovina admiramos a grossa camada de folhas e galhos secos que cobriam o caminho e toda floresta, e calculamos com que facilidade, se chegasse uma faísca de fogo, aquilo tudo se transformaria numa verdadeira fogueira. Quando chegamos perto de casa, quase não a reconhecemos: laranjeiras derrubadas, e quando não a árvore, grande parte das frutas debulhadas. Pessegueiros caídos, galhos quebrados por toda parte, telhados das colméias arrancados.

Bem, agora chega. Esta vai ser a última carta que escrevo para o Rio. Até agora ainda não sabemos para onde tu vais nas férias, nem o teu endereço, por isso não espere cartas nossas. O Leiman falou que você talvez fosse para casa de Karlis. Agora faça o que achar melhor; nenhum conselho podemos te dar.

E ano que vem, vais continuar na escola? Não se preocupe muito conosco, o importante que te vá bem.

Com muitas sinceras lembranças de nós todos,

Olga