Viagem de Porto Alegre até Rio Novo -Orleans em 1906

VIAGEM MISSIONÁRIA AO SUL DO BRASIL

POR FREDERICO LEIMAN
Avots (A Fonte) 1906/17, pág. 202

Neste ano (de 1906) em 16 de outubro a escola de Missões de Porto Alegre terminou seu longo curso. Após o término do ano letivo, estávamos destinados a campos já pré determinados, decidimos tirar alguns meses junto aos nossos pais para repouso e preparo para as próximas atividades. Em 17 de outubro o irmão J. Netenberg e eu encetamos uma viagem cujo percurso por terra é de 60 milhas (132 km) a pé, pesadas malas nas costas. Logo no primeiro dia o trovão, que chorava todos os dias lágrimas geladas, todas as estradas encontravam-se alagadas e que umedecia nossas roupas, pele e também o coração.
De vez em quando tínhamos que prosseguir com lama acima dos joelhos e até mais fundo em planícies alagadas, passamos 3 noites na chuva e vento, até que enfim nos alimentamos, 2 ½ dias andamos pela beira mar sem qualquer alimentação; pés inchados e carga pesada aumentou e por duas vezes caí em condições de desmaio.
Com os últimos esforços, após 9 dias de viagem chegamos a “Araranguá”, onde ficamos por alguns dias. Dirigimos alguns cultos. Que alegria – uma alma aceitou a salvação!
No ano de 1898 o irmão Kronberg e sua família veio morar aqui. No ano de 1901 chegaram mais algumas famílias de letos, com 7 crentes, os quais todos os domingos se reuniam para o culto.
Em 7 de maio de 1905 os crentes se reuniram para um trabalho conjunto e fundaram uma igreja que agora se compõe de 10 membros.
No que concerne à vida material o povo daqui é bem servido, mas na vida religiosa sofrem grandes dificuldades. Faltam pastores ou dirigentes de igreja e faltam escolas para os jovens.
Irmãos e irmãs devemos interceder por esse pequeno grupo, que no seu primórdio é suscetível de perseguições, devemos lembrar as palavras de Nosso Senhor Jesus “não temais ó pequeno rebanho, porque vosso pai agradou dar-vos o reino” Lucas 12.32
Dia 31 de outubro deixamos os letos de Araranguá e a noite alcançamos Mãe Luzia. Aqui ficamos a semana inteira, cada dia 2 celebramos 2 cultos e o Senhor no recompensou com ricas bênçãos.
A igreja foi fortalecida, alguns caídos levantaram e 3 almas herdaram a salvação. A pequena igreja leta se compõe de 20 membros e com alegria podem dizer: aqui reina o amor fraternal, e um vivo e verdadeiro cristianismo.
Com quem pesar este pequeno grupo sente a falta da liderança de um pastor e professor, mas lembremos a eles “Não temais, crê somente!”
Mais 2 ½ dias de andança estaremos em casa, mas o nosso coração ouviu algum chamado da Macedônia, e adentramos algumas milhas em um desvio de nosso caminho, a uma grande colônia composta de alemães, ( deve ser Crisciuma) onde o puro evangelho nunca havia sido pregado.
Conseguimos licença para utilizar um grande salão para realizar as reuniões, o povo compareceu em grande numero de perto e de longe, o espaço foi pequeno para a multidão. Quando tivemos trabalhado durante uma semana, junto a algum ouvinte começou a uma séria atividade do Espírito Santo.
Os recursos não permitiram permanecer por mais tempo: ao separarmos caíram muitas lágrimas dos ouvintes; eles imploraram para que os visitem novamente.
Agora diretamente de Mãe Luzia a Rio Novo – para casa. No último dia nos encontrou o trovão, ou por alegria ou inveja, porque estávamos próximos ao fim da viagem, chorava com suas grossas lágrimas. Os rios alagaram e ficaram intransponíveis e nos ficamos embebidos tão profundamente que só os letos sabem suportar. Passando a cavalo pela escola do Rio Novo encontramos o irmão Anderman, que havia dispensado os alunos para o recreio no jardim para exercícios físicos, com a ferramenta agrícola brasileira, ou seja, a “enxada.”
Quando finalmente após longa permanência distante, tantas dificuldades no caminho, cansado a morrer, sem ser notado, estava eu parado diante da casa paterna, o coração em pranto, os olhos marejados com lágrimas de alegria e gratidão ao Pai do Céu, que tão misericordiosamente nos conduziu.
No domingo teve um sincero reencontro com a nossa “mamãe” – a igreja. O irmão Anderman em nome da igreja discorreu sincero pronunciamento com base em II Timóteo 2.
À noite a mocidade programou um ágape, onde contamos uns aos outros nossas vivencias que o Senhor nos proporcionou de bom.
No que se refere à vida material em Rio Novo tem andado a passos gigantescos para frente, cada um possui sua propriedade, ninguém se queixa por necessidades.
Na parte religiosa com a vinda do irmão Anderman que exerce a função de professor e serve a igreja com dedicação as responsabilidades da igreja estão em dia; se os Rionovenses entendessem, que quanto a sua paz e verdadeira felicidade servem e permitissem que o Espírito Santo introduza seu amor e boa convivência, então Rio Novo seria para si e a redondeza como Betania ou Tabor, onde qualquer um visitaria com satisfação.
23 de março de 1906
Frederico Leiman
Missionário

…Nos profetas de plantão que falavam… | de Lucija Purim para Reynaldo Purim – 1928

Rio Novo 21 de agosto de 1928

Querido irmão Reinaldo!!

Há pouco tempo atrás recebi a tua carta escrita em 19 de junho e por ela muito obrigado. E também já foi recebida aquela carta para o Arthur com as fotografias. Muito obrigado também.

O que eu não pensava que nesta boa América ficasse tão velho e tão magro realmente parece um “padre” e se tivesse óculos poderia ser um “doctor”, mas deixa pra lá.

Nós graças a Deus estamos todo bem de saúde e trabalhamos tanto quanto podemos. Teríamos mais o que fazer, mas o tempo está chuvoso demais. Este ano foi um ano de temporais fora da conta. Diversas vezes houve grandes enchentes e agora semanas atrás começou a chover no dia 10 de manha e parou somente no dia 15. Isso mesmo que foi chuva. Foi um temporal qual eu nunca havia visto na minha vida chover os 6 dias sem parar. O sol não conseguia aparecer e a chuva era bastante fria e este tempo foi muito prejudicial para os animais que não tinham onde de abrigar. Muitos cavalos de propriedade dos italianos morreram congelados e os nossos animais todos tinham abrigo eram alimentados ficaram um tanto enrijecidos imagine aqueles que não tinham nenhum telhado para se abrigar.

Quando o tempo começou a melhorar tudo ficou mais alegre, pois quase nós estávamos começando a acreditar nos profetas de plantão que falavam que este ano a América do Sul iria afundar no mar e também havia profetas que diziam que uma guerra iria começar no dia 28 de maio. E o mês de maio passou e guerra nenhuma começou e assim todas estas previsões são de pessoas que falam e é só Deus que faz.
Este inverno não foi forte, várias vez deu geadas maiores, mas estas não prejudicaram tanto quanto em outros anos. Agora que a primavera está chegando temos que começar a plantar. Agora nos estamos derrubando o capoeirão perto do “Kanels” [a encruzilhada no alto Rio Novo era assim chamada devido a um colossal tronco desta madeira] onde está bastante crescido, pois desde que você foi embora nós não plantamos mais nada ai e por isso ele está infestado de cipoal e espinheiros que torna a derrubada muito difícil, eu estou com as mãos doendo. Fazia tempo que eu não trabalhava em derrubadas e agora tive que voltar. Nós também estamos contratando camaradas para trabalhar, mas está muito difícil conseguir boas pessoas, pois todo mundo está ocupado. A melhor opção seria contratar uma mocinha para ajudar em casa para todo mês, pois uma garota tanto em casa com na roça faz tanto quanto um empregado homem. Alguns anos atrás tínhamos a Maria do Maneco, mas no ano passado ele voltou a morar com a sua família e agora eu falei para ela voltar e ela disse que iria pensar. Ela era muito operosa e sabia fazer todos os serviços. Não bebia nem fumava como outras manecas (manekenes) costumam fazer.

O milho já faz tempo que terminamos de colher. Deu 37 carradas inda porque tínhamos plantado menos que noutros anos, mas este ano as espigas foram realmente maiores e bem regulares. Está até difícil achar as espigas pequenas (restolhos) destinados à alimentação dos animais que até agora no inverno era necessário. [não é possível dar espigas grandes para as vacas por que elas têm o hábito de engolir sem mastigar e ai ficam engasgadas ou afogadas]
Agora nós não estamos plantando tanto com antigamente, pois agora plantamos somente 5 quartas [4 Quartas dá um alqueire e 2 Alqueires dão 1 saco de 60 quilos] e nós antigamente plantávamos 15 quartas e hoje plantamos menos e colhemos a mesma quantidade e é claro que a capinação e os cuidados são sempre maiores, mas agora realmente as colheitas são bem melhores.

Agora está morando conosco a Lídia Klavim Que está indo à aula aqui na Igreja de Rio Novo, porque eles moram muito longe quase na Invernada e para ela vir para a aula fica difícil e por isso eles estão pagando pensão pra ela aqui. Ela gosta muito de conversar e fica falando o dia inteiro. Ela pediu para escrever que o irmão dela não escreve pra você porque é muito preguiçoso. Ele só pensa em sair e construir atafonas e engenhos. Ai ele ganha 10 mil réis por dia e mais a comida e lugar para dormir. Mas quando não tem serviço ele fica em casa. Aquela fotografia do Coro que eu mandei ele não aparece porque ele estava fora. A Senhora Klavim esteve muito doente e saia sangue pela boca e muita gente achou que ela iria morrer, agora sarou de tudo e está bem mais gorda [Ser gordo naquela época era sinal de saúde]. Agora ela vai à Igreja e faz visitas pelas vizinhanças. Ela manda muitas lembranças para você.

No próximo primeiro domingo de mês que vem haverá batismos Aqui na Igreja incluindo os filhos da Maria Thomaz do Rio Larangeiras e as noras dela. Também haverá batismos em Laguna onde 8 candidatos estão à espera. O trabalho lá é pequeno, mas está indo pra frente graças também ao trabalho do Pastor Stroberg que periodicamente viaja pra lá e também para Mãe Luzia. Aqui na Igreja apareceram algumas desavenças e existem pessoas que não podem passar sem elas. Não entendem que a proclamação do Evangelho e a salvação de almas deve ser a missão principal da Igreja. Acham que o Pastor viaja muito.

O Rio Novo está ficando cada dia mais vazio. O povo não quer mais morar aqui. Agora são os Match que estão indo embora para a Argentina, A Milda casou com um senhor argentino muito rico e que tem uma casa muito grande e outras casas e terrenos sem fim. Aqui os velhos sozinhos e cada vez mais velhos seria muito difícil sobreviver. Vão pra Argentina cuidar do Elias o filhinho da Milda e exercer a função de Vovô e de Vovó. Quem garante que quando crescer também não vire um profeta…

Os Matchis venderam a sua propriedade com casa [Na sala desta casa em 1940 eu tive o primeiro encontro com letras e números, pois ali foi a minha primeira sala de aula com a professora a Dª Matilde Tezza, mas isto já é outra história], moveis tudo de porteira fechada para o Eduardo Karp por 10 contos de réis. Agora ele tem onde ir morar. E é provável que ainda este ano eu também possa ir morar lá. O lugar é muito bonito . Um dos lugares mais lindos por ai. É provável que Deus tenha providenciado este lugar para mim.

Bem por hoje chega, já escrevi esta longa carta. E agora está batendo meia noite. Hoje à noite eu fui ao trabalho da Igreja e ai comecei a escrever. Quem começa tem que terminar. Os demais estão há muito dormindo. Eu também estou com sono. Como faz tempo que não recebemos noticias suas espero receber amanha quando for à cidade. Lembranças do Onofre Regis e família.

Muitas lembranças de Mamãe, Papae e minhas.
Lucija

…pois ele era corajoso, diligente e dava bom testemunho…| De Lucija Purim para Reynaldo Purim 1928

Rio Novo 9 de dezembro de 1928

Querido irmão. Saudações

Já longo tempo é passado que de você não temos recebido nada. Esperamos cada semana, mas nada tem chegado. Pensamos que talvez você esteja doente ou que outro motivo teria forçado a não escrever.

A última carta que recebi de você foi àquela escrita em 13 de junho e respondi a mesma no mês de outubro, mas, resposta que é bom até agora não chegou. Chegamos a pensar que alguém daqui tenha apanhado a sua carta no correio e sumido com ela. Tenho bom relacionamento com a agente do correio e ela categoricamente nega esta possibilidade, pois ela saberia que ao entregar uma carta errada ela pediria de volta e a pessoa devolveria.

Nós agora graças ao bom Deus estamos indo bem, todos com saúde e trabalhando o que cada um consegue fazer porque serviço é que não falta mesmo.
Todas as lavouras estão plantadas, quem sabe ainda plantaremos mais alguns litros de sementes de milho e então chega. Ai teremos mais do que 4 quartas plantados [Quatro quartas são iguais a um alqueire ] e em todas as partes as plantas vicejam bem. Em alguns lugares o milho já começa a pendoar (florescer) e por isso tem muita coisa para capinar porque a ervas daninha também crescem rápido. Trabalhamos todos os dias e quase conseguimos vencer. Logo teremos batatas para colher que estão bem crescidas e também batata inglesa, pepinos, cebolas então venha ajudar a comer. Também há laranjas começando a madurar, pêssegos prontos para saborear. As uvas em janeiro também estarão maduras, eu fui ao parreiral e eu nunca tinha visto tantos cachos grandes e tão bonitos. Também na horta tem muito o que colher como morangos, repolhos, nabos, beterrabas e tomates. Bem que você poderia vir ajudar a comer.

O tempo hoje está limpo e quente, mas parece que vai chover mais tarde depois do almoço, meses atrás estava muito seco e até as plantas começaram a sentir, mas agora voltou a chover normal.

O Paps contratou a derrubada dos capoeirões da Bokuvina com uns brasileiros quando na colheita pagarão a terça parte. Isto nós fizemos sem a sua autorização tendo certeza que você não vai levar por mal, pois nós mesmos não iremos lá trabalhar lá, pois temos muitos terrenos aqui bem mais perto que seria muito bom seria se que pudéssemos dar conta de tudo.

A Maria ainda está trabalhando conosco porque outros camaradas [empregados] agora é impossível conseguir então a Maria é muito útil para ajudar em tudo.

Agora nos temos 3 vacas dando leite e duas vão dar logo. Ai sim teremos leite para tomar até não poder mais. O Arturs gosta de tomar leite, mas eu não aprecio.
O Arturs te escreve? Pra mim ele escreve sempre e aqui as cartas vão e vem rápido porque é perto, ele está bem, ele engordou e quem sabe ele vem pra casa fazer uma visita.

Na semana passada tiveram ocasião os festejos do enceramento do ano letivo na Escola da Igreja. Também não haverá mais escola porque já aprenderam tudo e estão sábios e não precisam mais estudar[:A Professora da Escola era a esposa do Pastor]
.
No Domingo passado houve Festa de Batismos sendo 4 de famílias letas e dois brasileiros de Laguna: Francisco da Cruz e sua esposa. Ele é um senhor negro muito distinto e corajoso e é pena que não saiba ler, mas sabe muitas partes da Bíblia de cor … [partes ilegíveis porque a pessoa escreveu em ambos os lados do papel] .

No domingo a noite foi a despedida do Pastor Stroberg. Mas como choveu, assim mesmo havia muitas pessoas na Igreja. Agora os rio-novenses estão sem pastor de novo porque aqui ninguém consegue ficar muito tempo porque aqui todo mundo quer mandar. Em outros lugares o pastor manda na Igreja e aqui surgiram dificuldades…. [Ilegível]
.
Antigamente o Klavim era de boa paz, mas agora que o Augusto viajou e a Lida S. teve estes casos então ele passou ser insuportável nas sessões de negócios da Igreja. Sempre soube que os velhos da Igreja trocavam farpas e davam um mau testemunho nestas reuniões. Quando os problemas são muitos e não se consegue a solução teria muito que escrever, mas não convém. Sempre penso que onde fica a honra e o louvor a Deus destes rio-novenses. Parece que com este comportamento de alguns da Igreja cumprem-se as palavras de Jesus que almas virão do Oriente e do Ocidente e sentarão no meu reino, mas aqueles filhos da luz serão excluídos da sua presença.

A nós e também a alguns outros a vinda do pastor Stroberg não agradou muito, mas agora no final era tão bom que duvidamos os Rio-novenses consigam outro pastor igual, pois ele era corajoso, diligente e dava um bom testemunho e conseguia os resultados e que poderiam ser ainda melhores se houvessem mais pessoas com o ardor em testemunhar do Stroberg.

O Stroberg agora viajou para Kuritiba onde vai ficar com os parentes. Depois não está decidido para onde ele virá se para Mãe Luzia ou para Laguna ou mesmo outro lugar. As visões de trabalho pra ele são imensas com muitas pessoas interessadas na mensagem.

Recentemente trabalhou em Laguna um colportor [Vendedor de Bíblias] que ele ficou muito surpreso pela acolhida receptividade do povo desta cidade que não conhecia o Evangelho para a aceitação das Bíblias que ele vendia. Ele foi embora com as malas vazias e o coração cheio de alegria. Tomara que o Pastor Stroberg volte pra Laguna e assim em pouco tempo poderia formar-se uma boa Igreja.
Agora as lembranças do Skolmeister, da Maria da Silva, do Onofre Regis e esposa. Ainda no domingo passado esteve aqui em casa o velho Onofre e perguntou por você e eu falei que faz tempo que não temos notícias de você. Ai ele falou que uma vez você escreveu que depois de 2 anos voltaria prô Brasil. Então este seria o motivo de você não escrever.

Também lembranças do Stroberg e quanto aos demais quase não perguntam por você porque os assuntos gerais que se conversam são aqueles relacionados com a comunidade local.

Desta vez chega. Já escrevi bastante, quem sabe você nem queira que escreva tanto Então daqui em diante somente vou escrever respondendo as cartas que receber.
Lembranças do Paps, da Mamma e também de sua irmã Lucija.

…um temporal que igual eu não tinha visto, chover 6 dias sem parar…| De Lucija Purim para Reynaldo Purim

Rio Novo 21 de agosto de 1928

Querido irmão Reinaldo!!

Há pouco tempo atrás recebi a tua carta escrita em 19 de junho e por ela muito obrigado. E também já foi recebida aquela carta para o Arthur com as fotografias. Muito obrigado também.

O que eu não pensava que nesta boa América ficasse tão velho e tão magro realmente parece um “padre” e se tivesse óculos poderia ser um “doctor”, mas deixa pra lá.

Nós graças a Deus estamos todo bem de saúde e trabalhamos tanto quanto podemos. Teríamos mais o que fazer, mas o tempo está chuvoso demais. Este ano foi um ano de temporais fora da conta. Diversas vezes houve grandes enchentes e agora semanas atrás começou a chover no dia 10 de manha e parou somente no 15. Isso mesmo que foi chuva. Foi um temporal qual eu nunca havia visto na minha vida chover os 6 dias sem parar. O sol não conseguia aparecer e a chuva era bastante fria e este tempo foi muito prejudicial para os animais que não tinham onde de abrigar. Muitos cavalos de propriedade dos italianos morreram congelados e os nossos animais todos tinham abrigo eram alimentados ficaram um tanto enrijecidos imagine aqueles que não tinham nenhum telhado para se abrigar.

Quando o tempo começou a melhorar tudo ficou mais alegre, pois quase nós estávamos começando a acreditar nos profetas de plantão que falavam que este ano a América do Sul iria afundar no mar e também havia profetas que diziam que uma guerra iria começar no dia 28 de maio. E o mês de maio passou e guerra nenhuma começou e assim todas estas previsões são de pessoas que falam e é só Deus que faz.

Este inverno não foi forte, várias vez deu geadas maiores, mas estas não prejudicaram tanto quanto em outros anos. Agora que a primavera está chegando temos que começar a plantar. Agora nos estamos derrubando o capoeirão perto do “Kanels” onde está bastante crescido, pois desde que você foi embora nós não plantamos mais nada ai e por isso ele está infestado de cipoal e espinheiros maricá que torna a derrubada muito difícil, eu estou com as mãos doendo. Fazia tempo que eu não trabalhava em derrubadas e agora tive que voltar. Nós também estamos contratando camaradas para trabalhar, mas está muito difícil conseguir boas pessoas, pois todo mundo está ocupado. A melhor opção seria contratar uma mocinha para ajudar em casa para todo mês, pois uma garota tanto em casa com na roça faz tanto quanto um empregado homem. Alguns anos atrás tínhamos a Maria do Maneco, mas no ano passado ele voltou a morar com a sua família e agora eu falei para ela voltar e ela disse que iria pensar. Ela era muito operosa e sabia fazer todos os serviços. Não bebia nem fumava como outras manecas (manekenes) costumam fazer.

O milho já faz tempo que terminamos de colher. Deu 37 carradas inda porque tínhamos plantado menos que noutros anos, mas este ano as espigas foram realmente maiores e bem regulares. Está até difícil achar as espigas pequenas (restolhos) destinados à alimentação dos animais que até agora no inverno era necessário.

Agora nós não estamos plantando tanto com antigamente, pois agora plantamos somente 5 quartas [4 Quartas dão um alqueire e 2 Alqueires dão 1 saco de 60 quilos] e nós antigamente plantávamos 15 quartas e hoje plantamos menos e colhemos a mesma quantidade e é claro que a capinação e os cuidados são sempre maiores, mas agora realmente as colheitas são bem melhores.
Agora está morando conosco a Lídia Klavim Que está indo à aula aqui na Igreja de Rio Novo, porque eles moram muito longe para ela vir para a aula e por isso eles estão pagando pensão pra ela aqui. Ela gosta muito de conversar e fica falando o dia inteiro. Ela pediu para escrever que o irmão dela o Roberto não escreve pra você porque é muito preguiçoso. Ele só pensa em sair e construir atafonas e engenhos. Ai ele ganha 10 mil réis por dia e mais a comida e lugar para dormir. Mas quando não tem serviço ele fica em casa. Aquela fotografia do Coro que eu mandei ele não aparece porque ele estava fora. A Senhora Klavim esteve muito doente e saia sangue pela boca e muita gente achou que ela iria morrer, agora sarou de tudo e está bem mais gorda [Ser gordo sempre foi sinal de saúde por lá.] Agora ela vai à Igreja e faz visitas pelas vizinhanças. Ela manda muitas lembranças para você.

No próximo primeiro domingo de mês que vem haverá batismos Aqui na Igreja incluindo os filhos da Maria Thomaz do Rio Larangeiras e as noras dela. Também haverá batismos em Laguna onde 8 candidatos estão à espera. O trabalho lá é pequeno, mas está indo pra frente graças também ao trabalho do Pastor Stroberg que periodicamente viaja pra lá e também para Mãe Luzia.

Aqui na Igreja apareceram algumas desavenças e existem pessoas que não podem passar sem elas. Não entendem que a proclamação do Evangelho e a salvação de almas deve ser a missão principal da Igreja. Acham que o Pastor viaja muito.
O Rio Novo está ficando cada dia mais vazio. O povo não quer mais morar aqui. Agora são os Match que estão indo embora para a Argentina, A Milda casou com um senhor argentino muito rico e que tem uma casa muito grande e outras casas e terrenos sem fim. Aqui os velhos sozinhos e cada vez mais velhos seria muito difícil sobreviver. Vão pra Argentina cuidar do Elias o filhinho da Milda e exercer a função de Vovô e de Vovó. Quem garante que quando crescer também não vire um profeta…

Os Matchis venderam a sua propriedade com casa [Na sala desta casa em 1940 eu tive o primeiro encontro com letras e números, pois ali foi a minha primeira sala de aula com a professora a Dª Matilde Tezza, mas isto já é outra história,], moveis tudo de porteira fechada para o Eduardo Karp por 10 contos de réis. Agora ele tem onde ir morar. E é provável que ainda este ano eu também possa ir morar lá. O lugar é muito bonito . Um dos lugares mais lindos por ai. É provável que Deus tenha providenciado este lugar para mim.

Bem por hoje chega, já escrevi esta longa carta. E agora está batendo meia noite. Hoje à noite eu fui ao trabalho da Igreja e ai comecei a escrever. Quem começa tem que terminar. Os demais estão a muito dormindo. Eu também estou com sono. Como faz tempo que não recebemos noticias suas espero receber amanha quando for à cidade. Lembranças do Onofre Regis e família.

Muitas lembranças de Mamãe, Papae e minhas.
Lucija

…mas hoje a noite está relampejando e roncando trovoada que faz tremer a casa e as vidraças… | De Lucija Purim para Reynaldo Purim – 1928 –

9 de maio de 1928

Querido irmãozinho. Saudações!
Mesmo que eu nada de você tenha recebido, assim mesmo alguma coisa tenho que te escrever para contar como nós estamos passando agora. No mês passado mandei pra você uma longa carta com fotografias anexas e espero que já tenham chegado lá.
O tempo aqui está sempre chuvoso e bastante quente e quando por alguns dias brilha o sol então volta à chuva. Na terça feira da semana passada soprou um vento frio muito forte quando trouxe uma chuva muito forte que perdurou ao outro dia inteiro e fez que os rios e riachos subissem tanto o nível que pareciam aquelas enchentes que aconteceram quando você viajou a primeira vez para ir pra a Escola no Rio. Depois daquela vez não tinha acontecido nenhuma vez que os rios estavam tão cheios como foi na semana passada causando tantos prejuízos. Agora houve uns dias claros, mas hoje a noite está relampejando e roncando trovoada que faz tremer toda casa e as vidraças e agora está começando a chover.

Agora a nossa casa parece que está mais escura e mais triste porque o Arthur foi embora no dia 27 de abril para servir o Exército porque ele tinha que ir. Ele faz bastante tempo que tinha sido sorteado para ir, mas nós falamos com o José Superintendente e ele prometeu que iria dar um jeito para ele não ir e tínhamos esperança que ele desse um jeito, mas nada. No dia 23 de agosto o Superintendente viu o Arthur na rua e disse que deveria se apresentar na sexta feira. Ele esperava ganhar um bom dinheiro, mas nós não demos nada antes, se ele tivesse conseguido ai sim nós daríamos dinheiro pra ele, mas agora não damos nada pra ele.

Sentimos muito a separação, mas fazer o que se é preciso ir tem que ir, se bem que em casa a falta dele é muito grande. Não tem quem dirija os bois, não têm quem ajude colher as roças, agora eu tenho muito mais serviço e mais pesado porque o Papai não pode fazer muito, pois ele não é mais tão forte como era antes. Mas o que fazer, teremos que aguentar mesmo que seja mais difícil.

Para onde o Arthur viajou eu ainda não sei. Daqui de Orleans ele foi para Florianópolis, mas para frente eu não sei. Aqui eles falaram que ele iria para Curitiba ou para Ponta Grossa, mas não temos mais notícias dele.
Agora está na hora de você voltar para casa para nos ajudar porque você ficou muito tempo fora.
Desta vez chega, noutra vez escrevo mais.
Lembranças do Papai, da Mamma e minhas.
Lucija

…mas não obtive autorização para viajar. | de Lucia Purim para Reynaldo Purim – 1928 –

Rio Novo 18 de abril de 1928
Querido irmão! Saudações!

As tuas cartas escritas em 12 de fevereiro e 7 de março uma na semana passada e a outra na semana anterior. Elas vieram rápidas. Muito obrigado por elas. Agora eu vou ter que matar 2 coelhos com um tiro só. É muita sorte receber duas no mesmo tempo.

Nós agora graças a Deus estamos bastante bem, estamos todos bem de saúde, somente o tempo está por demais chuvosos. Chove quase todo dia e quase não dá para trabalhar nas roças e muita coisa apodrece nas roças. Todo este verão não foi só chuvoso, mas teve tempestades e enchentes que impediam a gente ir à cidade. Os pequenos riachos se transformaram em grandes rios. Neste ano em todo Brasil chove muito e a chuva tem causado muitos prejuízos e desastres com muita infelicidade. Soubemos que em São Francisco a chuva foi tanta que o cemitério da cidade foi destroçado pelas águas das chuvas arrastando corpos sepultados e esqueletos pelas ruas da cidade. E que os morros adjacentes da cidade de Santos estão desmoronando e cobrindo grande parte da cidade causando imensos prejuízos a toda população.

Falando em chuva talvez você queira saber como estão as nossas roças. Na realidade penso que você tem pouco ou nenhum interesse neste assunto. As nossas lavouras estão muito bem. Não temos aquelas grandes roças que tínhamos antigamente, mas estão muito limpos porque nós capinamos 2 ou 3 vezes cada roça e assim as espigas crescem realmente maiores.

Na beira da estrada temos uma lavoura e também um pedaço plantado com cebolas. Na encosta do morro temos feijão plantado e está muito bonito. Pena que chove demais. Depois da mata na divisa com o terreno do Ernesto Grüintall no morro junto à mata está todo plantado com milho. Neste lugar quando você estava aqui não tínhamos culturas e sim pasto.
Na grota funda também derrubamos a mata e plantamos milho e abóboras e as plantas estão muito lindas. Pena que é tão difícil de trazer as abóboras lá de baixo. Depois vamos plantar grama e em outras partes semear o Capim catingueiro.
A semente deste capim chegou um saco de 18 quilos que o Artur conseguiu com um amigo do Ministério da Agricultura em Florianópolis. Agora ele tem recebido mudas de plantas frutíferas, sementes de lá. Nem tudo que ele pede consegue, mas quando ele tem, eles mandam.

Agora vamos conversar sobre os nossos parentes na Letônia. Estes estão realmente pobres e isso é realmente penoso assim o Tio André [André Purens irmão do Jahnis Purim meu avô] escreveu um Cartão Postal. Ele mesmo está sempre doente e o Jahnites tem que ir servir o Exercito. A notícia boa é que a Igreja de Jaunjelgava conseguiu um espaço para ele morar de graça. Recentemente enviamos um cheque de 100$000 (cem mil réis) para o Pastor Frejis em Riga a fim que ele troque e mande adiante sabendo que em Jaunjelgava não tem nenhum banco com correspondente estrangeiro. É o que podemos fazer com parentes que precisam de ajuda em caso de tão grande necessidade e a fome bate a porta. O tio André também pediu o teu endereço e diz que vai escrever.

Dos parentes de São Paulo no momento não tenho notícias deles. A última carta do Tio Jehkabs e da Lilija recebemos antes do Natal as quais nós respondemos, mas depois disso não temos notícias deles. Nestas cartas eles insistiam em convidar para passar as Festas e poder visitá-los e como nós não demos bola para este convite é provável que tenham ficado tristes. Esta semana eu queria escrever para a Lilija e perguntar por que ela não escreve. Eu naquela oportunidade queria viajar, mas não obtive autorização para viajar. Tanto eu como o Artur somos tolhidos e não temos liberdade para sair, como você tinha e têm ainda.

As tuas lembranças para o Pastor Stroberg foram entregues e ele manda muitas amáveis lembranças pra você e também disse que vai escrever.
Lucia

O Pastor Stroberg trabalha diligentemente, mas não dá conta de ir a toda parte… De Lucia Purim para Reynaldo Purim – 1928 –

Rio Novo 26 de Janeiro de 1928

Querido irmãozinho – Saudações
Recebi a tua carta escrita no dia 30 de Novembro passado e bem como os cartões e por isso muito obrigado
Não sei o que teria acontecido com as minhas cartas ou não recebestes ou não queres responder. Nós também não recebemos cartas suas, pois a anterior a esta recebemos no mês de Outubro qual eu prontamente respondi. Depois escrevi mais uma carta e como nada acontecia parei de escrever. Fiquei esperando respostas suas e como até agora não tinha resposta às minhas cartas foi motivo suficiente para parar de escrever.
Também pode alguém ter ido ao Correio e apanhado as cartas e devido ao grande interesse e não ter entregado prá nós.
Agora graças a Deus estamos mais ou menos saudáveis, Somente a minha mão direita está inchada e dói, então fica difícil para escrever. Semana passada o Arthur teve febre que o atormentou até que comprei medicamentos e pudemos mandá-la embora.

Agora o tempo está muito quente e chuvoso, pois chove toda à tarde se bem que logo após o Ano Novo esta muito quente e seco e a gente temia que todas as lavouras secassem. Felizmente semana passada começou a chover roncando trovoadas e dando temporais com ventanias derrubando milho nas roças. Nas nossas felizmente o prejuízo foi muito pouco, mas ai pela vizinhança tem muito milho no chão. Este ano parece que o milho vai dar espigas muito grandes e bem formadas. Este ano tudo se desenvolveu muito bem e se você estivesse em casa poderia com bastante frutas. Os pêssegos estavam super carregados mesmo aquelas arvores nas capoeiras tomadas de frutos e este ano sem bichos nenhum. Agora as uvas estão maduras e assim visitas é que não faltam. Também temos muitos pepinos e muitas outras coisas para comer. É uma pena que a gente não dá conta de comer. Eu tenho comido até mais não poder e assim mesmo não consegui engordar. Na próxima carta eu mesmo vou levar até a América e ai você vai poder avaliar se eu engordei ou se estou na mesma.

Na Igreja vão mais ou menos bem, às vezes os velhos ranzinzas gostam de uma polêmica principalmente o Velho Karklin, mas quando não há oponentes a discussão se esvai.
O Pastor Stroberg trabalha diligentemente e com muita boa vontade, mas não dá conta de ir a toda parte aonde o chamam. Em Laguna o trabalho vai muito bem e ainda no mês passado pagamos os 40,00 mil réis do aluguel do Salão. O Deter tinha prometido que deste ano em diante ele mandaria pagar e agora chega à notícia que ele não tem o dinheiro, mas nós aqui decidimos que o trabalho da pregação do Evangelho é muito importante e que tem que continuar principalmente neste local que o povo é muito receptivo e sempre pede que a gente volte. No dia 6 de Janeiro dia da Estrela ou dia dos Magos foi daqui uma caravana de cantores e outras pessoas e somente o Pastor não pode ir, pois nestes dias nasceu o Valfredo o primeiro filho da Dª Griselde e pastor Stroberg. Quem dirigiu os trabalhos lá em Laguna foi o Aléxis e o Siguismundo Anderman de Mãe Luzia. Se o Pastor tivesse ido teriam sido realizados os batismos e daí o Francisco da Cruz e sua esposa teriam sido batizados como os primeiros deste trabalho. Estes já são ativos professores da Escola Dominical onde estão matriculadas mais de 20 crianças. Agora Deus providenciou para que não seja mais necessário pagar os 40 mil réis, pois conseguiram salão mais confortável por apenas 20 mil réis e o povo de lá tem muita boa vontade e tenta fazer o mais barato possível para a continuação do trabalho. Em Grão Pará também o trabalho é bem acolhido e no mês passado eu fui a cavalo junto com 8 cantores e naquele dia tinha uma assistência de mais de 100 pessoas. Em toda parte há bastante trabalho, mas o Pastor não dá conta de atender a todas as necessidades o que o deixa um tanto frustrado.

Acho que devo terminar de escrever, pois estou com muito sono e o braço dói muito. Se você escrevesse uma carta tão longa pra nós traria muita alegria e satisfação. Mas parece que você não gosta mais de escrever para nós aqui, a Mamma já disse que quando você precisava alguma coisa de casa então lembrava facilmente de escrever e como agora não precisa então rapidamente esquece-se da gente.

Ainda amáveis lembranças de todos nós aqui e que te vá muito bem.
Fico aguardando resposta tua
Lúcia
PS
[Ainda os que faleceram no ano passado foi o velho Paeglis e no último dia do ano foi a velha senhora Tesmann. Ainda recebemos a triste notícia da Argentina onde no dia 17 de Dezembro a Senhora Kristina Leimann separou-se desta vida indo para o lar celestial de encontro com os seus que foram antes.,]