Chegar perto do tinteiro | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 29 de abril de 1920

Querido Reinold!

Primeiramente mando muitas lembranças. Tenho que escrever um pouco: se eu não escrever você vai receber o envelope e nada terá o que ler…

Já se faz bastante tarde da noite pois hoje os “estudantes” [Lúcia e Artur] se animaram e começaram a escrever, e eu não consegui chegar perto do tinteiro: só pude começar depois deles terem terminado.

Recebi a tua carta escrita no dia 7 de abril e por ela Pasörn Vanp! As cartas anteriores foram todas recebidas. Só falta a resposta daquela que escrevi, mas ainda não posso esperar a resposta pois só mandei no dia 17 de abril.

Não tenho nada de importante ou significativo sobre o que escrever, pois sobre as coisas que acontecem no Rio Novo você pode mesmo imaginar. No domingo passado à noite teve uma reunião da União de Mocidade, cuja finalidade era a apresentações de trabalhos como números de músicas, poesias, pensamentos, partes das Escrituras com breves comentários — e só o Karlos Karkle tinha escrito um bom trabalho de sua própria lavra. Ele foi duro com os jovens na sua apresentação, dizendo que se eles não têm capacidade para escrever que copiem de algum jornal ou revista, onde há tanta coisa útil, e talvez ampliem ou adaptem o pensamento com a finalidade de uma aplicação prática na nossa vida diária. Disse que nenhum escritor foi escritor sem escrever a primeira página, e que ninguém chegará lá se não assimilar e comparar as ideias dos outros e fizer comparações com a natureza, os animais; que alguém que não aspirar pela cultura e por mais conhecimentos terá pouca ou nenhuma probabilidade de chegar lá. Mencionou como exemplo o R. Purim, que usou a figura conhecida do macaco — sendo que a gradação era alta e ele Karlos, gostou muito, e se considerava um que valeria 55$000, mas que muitos nem 5$000 valeriam, e que fizessem esforço tal que passassem muito da meta a que você teria desafiado.

A apresentação do Karlos Karkle foi tão boa que foi elogiada pelo Butlers, que complementou dizendo que as pessoas não podem ser simplesmente avaliadas pela boa aparência exterior; quando se tem oportunidade de conversar, percebe-se que são completamente vazias.

Por que o Fritz Jankovitz não foi para o seminário? Ou a “irmã” [namorada] ficou enciumada como no caso do Oskar? Este ano não apareceu nenhum outro leto lá no Seminário? Quantos são, no total, os seminaristas? Qual é a profissão que o Júlio está ensinando, costurar ou consertar calças? Onde você mandou fazer o terno com aquele tecido caseiro que você levou daqui?

[NOTA: O “tecido caseiro” chamava-se “Wadmal” e era tecido grosseiro, feito em tear caseiro com urdume de fios de algodão e o tapume de lã. Corre uma lenda familiar que Reynaldo Purim teria levado o tecido só para agradar a família, mas durante a viagem, de vergonha daquele tecido tão rústico, teria jogado no mar.]

Quem agora está cortando lenha em teu lugar? E como o Fritz não está, quem são os heróis que sobem nas mangabeiras? Agora de tanto você contar eu conheço a sua escola muito mais do que antes.

Bem, por hoje chega. Breve deverão chegar outras cartas suas e aí eu escrevo mais. Aqui contam que para a Convenção [Batista] virão duas personalidades do Rio: O S. L. Watson e mais outro. O programa do evento já chegou, vai começar dia 15 de maio no sábado, e seguir no domingo, segunda e terça-feira, mas ninguém pode realmente afirmar que vai ser assim mesmo — com a falta de estadas de ferro e a dependência da irregularidade do navio, ninguém em sã consciência pode planejar nada, pois os navios podem atrasar semanas.

Quando o Edis Karp foi a São Paulo esperou navios não sei quanto tempo. Foi aquele papo “vem esta semana”, depois “vem semana que vem” e depois chega a notícia que chegou à noitinha e saiu de madrugada e toca a esperar de novo.

Quando escreveres, escreva bastante. Eu também espero ter mais que escrever na próxima vez. Desta vez tem mais coisas para decifrar [as cartas do Arthurs e da Luzija].

Com muitas e muitas lembranças,

Olga

[Na lateral:]
Se você puder envie mais cantore [hinários]. Estes já estariam todos vendidos, mas o Puisse não vende fiado. Vá você mesmo no Salomão e compre também outros modelos com música e sem. Assim você será o nosso grande comprador.

[NOTA: “Puisse” em leto é menino ou rapaz. No caso, refere-se ao Artur, apelido de Otto Roberto Purim.]

As pessoas de lá são como nós | Lucia Purim a Reynaldo Purim

[Sem data, mas deve ser 29 de abril de 1920]

Querido irmão!

Primeiramente envio muitas lembranças. Agora estamos passando bem. Esta noite está chovendo uma chuva miúda e está um pouco frio.

Estou com um problema no ouvido; não escuto bem, por isso não vou escrever uma carta muito longa. Tenho que estudar, se não na escola não vou passar bem. Estou começando a fazer divisões e a traduzir do alemão. Agora nos feriados nacionais, que serão no dia 1° e 3 de maio, não haverá aula [comemorava-se o descobrimento do Brasil].

No dia da Ascensão do Senhor haverá piquenique e já foram distribuídas as partes para decorar.

Você quer saber se o pessoal está preocupado e preparando-se para a Convenção [Batista do Paraná e Santa Catarina]. Na casa dos outros não sei, mas nós estamos engordando um peru, um galo e três galinhas; também foi feito um forno novo para os assados, limpamos o jardim, cuidamos das flores e as salas deverão ficar brilhando. Estamos nos aprontando como se fosse para uma guerra.

Foi designado que se vier alguém de Rio Branco esses virão para a nossa casa, pois as pessoas de lá são como nós. Ninguém quer hospedar as figuras importantes das cidades, e os mais espertos já escolheram os seus hóspedes. A maioria prefere ficar com os macacos de 5$000 aqui de Orleans e adjacências do que pegar uns de 50$000; a gente tem medo que tantas pessoas inteligentes juntas fiquem querendo arrancar uma o olho do outra.

Os Klavin e os Leiman também estão prontos para receber hóspedes, mas lá é muito longe e ninguém vai querer ir. A senhora Leiman disse que se a senhora Regis vier ficará lá na casa dela. O Deter e a esposa ficarão na casa do Sr. Frischembruder, e quantos na realidade virão eu não sei.

Bem desta vez chega. Amanhã vai haver matança de porcos, por isso temos que levantar cedo.

Com muita saudade,

Lusija

Se gostar da carta eu respondo | Artur Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 29 de abril de 1920

Querido irmãozinho,

Esta noite vou escrever uma para você. Estou passando bem e com saúde.

Hoje está chovendo, mas não muito forte. O tempo esteve mais para seco do que para chuvoso. Hoje transplantamos as primeiras mudas de repolho e agora a chuva está regando.

Eu estou na escola. Tenho que estudar Gramática, Geografia, tenho que ler e traduzir a “Nossa Pátria” [Livro de História do Brasil de Rocha Pombo], e Aritmética daquele velho livro que era seu. Aquela parte dos cálculos decimais eu já terminei.

Na escola somos vinte e três alunos. Agora as carteiras estão no templo, porque naquelas salas não cabe mais. Toda manhã é cantado o Hino à Bandeira e no final das aulas o Hino Nacional. Agora a D. Marta está ensinando o Hino do Estado, e quem não canta ela passa uma reprimenda.

Os Grikis são uns sem-vergonhas; eles dizem que o Butlers olha para eles como se eles fossem lobos.

Breve a escola passará a ser do governo, e aí só se falará em brasileiro.

Os cantores [hinários] que chegaram logo os terei vendido todos: restam só três. O Natalis e o Kondes [Conrado Auras] cada um comprou um, e o outro o Augusto Klavim pois o que ele tinha usado também já tinha vendido. Você poderia mandar uma dúzia de uma vez. O meu preço é 2$200, pois neste acabamento o Augusto também vendia [por este preço]. Aquele outro com acabamento superior de 2$700 ele nunca teve, nem tinha um preço fixo para este tipo.

Você não teria um bom cachorro para mandar-me? Não temos mais nenhum. O Latzis [“Urso”] ficou doente e morreu, e aqui filhotes são muito difíceis de conseguir.

Bem, agora chega. Vou aguardar agora uma longa carta sua, e se gostar da carta eu respondo. Logo o Butlers vai ensinar a escrever cartas.

Com muito amáveis lembranças do

Arthur

A cama do capitão | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 15 de abril de 1920

Querido Reinold!

Primeiramente envio muitas amáveis lembranças e um grande obrigado pelas cartas que chegaram esta semana. Uma escrita em 19-3-20 recebemos na segunda-feira dia 12 de abril, e a outra escrita na Grande Sexta-feira [Sexta-feira Santa] recebemos ontem à noite, pois o Edis [Eduardo] Karp as trouxe de Orleans. Aquela primeira demorou bastante para chegar e é provável que tenha ficado muito tempo em Orleans, pois fazia bastante tempo que ninguém ia para a cidade e a Aninha é muito caprichosa: não entrega a correspondência para qualquer um. A outra já veio bem depressa.

Cartas até agora não faltaram nenhuma, mas os cantores [hinários] ainda não chegaram, pode ser que logo venham. Os livros e a carta do Butler já chegaram e ele vai escrever uma carta para você esta semana. A carta do Rubim [Robert Klavin] também já chegou. O Wileans conta que conhece a sua letra pelo subscrito mas não vai abrir porque o Roberto não voltou de Mãe Luzia. Das nossas, falta a resposta de uma que mandei no dia 26 de março e no envelope da qual também coloquei uma carta que veio do Artur Leimann onde ele autoriza S.S.S. a fazer o que desejar e quer que mande um cantor [hinário] que é muito bom, pois parece que ele quer cantar em brasileiro. Se precisar do S.S.S. você pode mandar; se não, ninguém vai conseguir pegar.

Você sempre pede que escreva bastante e desta vez tentarei escrever mais e pode ser que vai dar.

Então a tua viagem de volta [do Rio Novo para o Rio de Janeiro] foi maravilhosa. Bem, se tu soubesses que “maravilhas” aquela “dama” tem escrito para o pessoal daqui! [NOTA: Trata-se de Selma Klavin, que estava fazendo sua primeira viagem ao Rio de Janeiro] Todo o pessoal do Rio Novo está zombando dela, e o Blukis e o Emils se alegrando.

Nós tínhamos recebido o cartão postal teu de Itajay; na quarta-feira à noite, em cima da mesa de correspondências [na igreja], estava o cartão da Selma para o Paulinho, mandado de Florianópolis. Conta ela que fez boa viagem e também que visitou em Florianópolis os parentes do Diretor [Staviarski]. Conta que vocês passaram a noite também lá em Florianópolis e que, estando o navio super lotado, ela iria dormir na cabine do comandante.

Nessa quarta-feira o Paulinho não tinha ido à igreja, então esse cartão passou nas mãos do Emils e do Peter, e de mais pessoas que iam procurar correspondências. O Peters contou que tinha lido cartas para a Inze, em que a ousada e maluca da Selma teria escrito que, devido ao navio estar lotado, o comandante teria cedido o camarote dele por falta de espaço, e que ela iria dormir na cama do capitão. Ela ainda se gabava que depois o Victor [Staviarski?] iria, veja, levá-la para passear. Seria bom que ela deixasse todo esse papo no navio! A Inze ainda contou que ela não ficou enjoada e que foi pelo capitão autorizada a ficar no deck superior; que quando foi visitar vocês, vocês nem das cabines não tinham saído de tão enjoados que estavam. Conta que ela vai muito bem nos estudos e que já está no sexto ano e tem aulas com duas professoras!

Agora a Inze e o Blukis estão brigando na justiça, e tem gente que conta que eles não podem vender o gado e outras coisas porque parece que estão empenhados; como vai terminar eu não sei.

Sobre a festa da Páscoa, nada importante tenho que escrever. Antes da Páscoa passaram-se duas semanas de tempo bom e seco. Na Grande Sexta-feira [Sexta-feria Santa] estava quente demais, com um sol abrasador, mas na manhã do Domingo de Páscoa começou a chover — assim toda a festa foi molhada e lamacenta. O Butler e a Marta, mais o Gustavo Grikis e outros foram passar as festas em Mãe Luzia.

No dia 6 de abril o Paps [papai] foi fazer o caixão da senhora Wilmanis que tinha morrido naquela manhã. Ela há muito tempo estava bem doente e ficou de cama mais de 4 meses; nas últimas 3 semanas dormia como que estivesse morta e era um sacrifício fazê-la tomar uma colherada d’água. No dia seguinte foi o enterro.

Na escola não é maior número de alunos. Depois da conferência que você fez, quando disse que quem não conseguir instrução suficiente terá que usar de outras pessoas como bengalas e seria facilmente passado para trás em cálculos e negócios, então todo mundo está arranjando uma bengala. Inclusive o Seeberg estava incomodado, porque achava que ninguém poderia proibi-lo de fazer o que quisesse com o dinheiro dele, e que ninguém tinha nada com isso; inclusive se ele quisesse vender o seu Jankus [Jahnis] por 50$000, sua mercadoria seria barata como foi a L…[ Laura], que ele negociou e ainda agregou mais dinheiro. Assim sai o pessoal da escola e o Butler alerta que nada pode fazer pois os alunos tem que passar.

Na última sessão de negócios da igreja o Seeberg e seus aliados excluíram o Grünfeldt e assim mesmo ele tentou mostrar a sua justiça, mas foi inútil. Agora ele vai se queixar ao Deter da administração do [pastor] Butler. Por que o Deter pagou a tua escola? Se alguém aqui soubesse desta intenção dele, teria tentado inventar alguma coisa contra você.

Mês que vem haverá aqui a Convenção, e aí deverão vir para cá muitas personalidades importantes. Agora o Butler está ensinando cantar em brasileiro toda quarta-feira à noite.

Bem desta vez chega. Breve deverão chegar mais cartas suas, então escrevo outra vez. Aqui em casa esses estudantes são preguiçosos demais para escrever cartas. O Puisse [Otto/Artur Purim] irá amanhã para a tafona e a Lusija até a cidade, então temos que ir dormir porque temos que levantar cedo. Então, pelos manuscritos deles desta vez não espere.

Tudo está como de velho, esta semana estamos cortando e batendo arroz. Se não tivesse havido algumas semanas de seca o arroz estaria mais bem granado. Tempestades não mais houve, mas o milho da coivara nova está muito derrubado. Na coivara junto da mata não houve muito prejuízo, também porque é uma parte em que plantamos mais raízes [mandioca, batata-doce, etc]. Na Bukovina não houve vento nenhum.

Lembranças de todos de casa. Fico aguardando longa carta sua.

Olga

[Escrito nas laterais a lápis:]
Os cantores [hinários] chegaram hoje e em ordem.