Depoimento de J. A. Zanerip | Na Rússia também tem Araranguá

(Neste mais uma versão da ” Guerra da Palmatória” em Orleans.)

Quarta Parte

Agora com quatorze aninhos de vida, achei que não teria futuro na vida grudado no cabo da enxada de sol a sol, portanto resolvi procurar aprender a profissão de marceneiro. Assim um dia fui a Orleans à procura do excelente marceneiro Guilherme Feldmann, mas ele me disse que não era possível, pois já tinha três meninos enchendo o saco dele todos os dias.

Na volta de Orleans passei na oficina de ferreiro do Sr. Artur Paegle e perguntei se ele poderia me ensinar a malhar o ferro. Respondeu que ia pensar. Passado algum tempo, voltou perguntando se ainda queria aprender a profissão. Respondi que sim. Então ele me propôs dar a pensão, cama e mesa — banho não precisaria pois água tinha bastante no rio. Só que teria trabalhar dois anos sem salário, isto é, de graça — ou melhor, em troca dos ensinos dos segredos da profissão, como era praxe naqueles tempos. Claro que aceitei.

Apesar de não ser tão perto, todo sábado eu ia para casa.

Um dia, nessa viagem para casa, parti um pouco mais tarde do que costumava fazer. O sol já havia descido e começava a escurecer quando cheguei a um lugar onde o Eduardo Karklin tinha plantado milho. Na beira da estrada ele tinha deixado de derrubar uma árvore enorme. Quando eu já ia passando por baixo dela vi uma macacada em seus galhos, e já corria aquela história dos bichos.

Eu sempre levava uma garrucha escondida na cintura; vendo aquela macacada nos galhos, tirei a garrucha e quis atirar, mas lembrei que macaco tem o rosto parecido com o da gente. Guardei a garrucha e só bati palmas.

Ai meu Deus! Meus cabelos ficaram de pé. Aquela bicharada caía como se fossem novelos de algodão, até na estrada dura e quase em cima de mim (por azar dias antes eu tinha lido histórias sobre bichos na África). Fiquei duro, pois nem da garrucha não me lembrei.

Quando me recuperei do susto não vi mais bicho nenhum. Só ai é que voltei a lembrar da arma, e para meu consolo tirei da cintura e dei um tiro em direção do mato.

Na verdade não eram macacos e sim quatis. Dizem que os quatis quando se assustam pulam dos galhos para escapulir. Correm de pé, isto é, nas patas traseiras.

Mal eu tinha começado o meu aprendizado minha mamãe vendeu o sítio e foi para São Paulo. Fiquei só eu para continuar aprendendo a profissão.

Vencido o primeiro ano, um belo dia informei ao meu patrão:

— Quero ir para São Paulo. O senhor vai me deixar ir?

Ele resmungou em alemão mas não disse nada. Uns dias mais tarde ele me chamou junto a sua escrivaninha e disse:

— Você não vai para São Paulo, de hoje em diante vai ganhar dois mil réis por dia — o que naquela época era uma ótima proposta.

Aguentei mais três meses, mas um dia eu disse:

— Quero ir embora para São Paulo sim. Isto é, se o senhor me dispensar.

Ele não respondeu, mas após alguns dias me chamou e disse:

— Já que queres ir, então vá.

Me deu uma camisa de presente e uns cinquenta mil réis e me dispensou. Já no dia seguinte fui a Laguna comprar a passagem para ir de navio para Santos, porque naqueles tempos era o único meio de se ir para São Paulo.

O seguinte acontecimento eu deveria ser contado antes do período de nossa ida à escola, mas por um lapso e esquecimento deixei de contar o que faço agora:

Certo dia correu a notícia de que os gaúchos tinham se revoltado e iam descer a serra. O delegado, sabendo que os gaúchos vinham, mandou uns soldadinhos esperá-los na boca da serra, mas os gaúchos quando souberam se dispersaram.

Não demorou muito veio outra notícia: os gaúchos já tinham descido a serra e vinham trazendo junto todos homens adultos, cavalos, vacas, porcos e mantimentos para alimentar a tropa. Nos tínhamos um cavalo e uma vaca e bastante porquinhos. Os porcos nós soltamos do chiqueiro, o cavalo e a vaca levamos para a mata virgem, onde os amarramos e onde também viemos a pernoitar. Deste pernoite nasceu uma frase no meu “Poema do Centenário”:

Pousar nesta densa mata, a noite era escura e sombria
Só vaga-lumes como estrelas errantes se viam
Grilos, rãs e sapos por todo lado gemiam
Parecia uma novela de terror que exibiam

Como o meu irmão Carlos já era adulto teve que ir junto com a tropa de revolucionários. Ele pegou a sua espingardinha pica-pau e foi.

Pernoitaram numa várzea, e ao amanhecer o dia resolveram marchar sobre Orleans, mas logo foram barrados por meia dúzia de soldadinhos do delegado. Um deles disparou um tiro pro ar e os valentes revolucionários se dispersaram como se fossem ratos.

Foi um salve-se quem puder. Só alguns trouxas, pensando que não tinham nada com a revolução, foram presos e levados para Orleans. Entre eles estavam o Jacob Karklis e o Vitorio Maisin, sendo que cada um levou vinte e quatro palmatórias em cada mão. Voltaram todo machucados, a revolução acabou sem graça e só os inocentes e os covardes apanharam.

Agora, voltando a falar da minha despedida do Rio Novo: ao chegar na agência do porto em Laguna, falei ao chefe do porto:

— Quero uma passagem para Santos — mas como eu ainda falava mal o português, ele me perguntou qual era a minha nacionalidade. Respondi que era leto.

— Leto — disse ele. — Mas como que aqui no documento diz que seus pais são da Rússia?

Respondi que os russos tinham invadido a Latvia/Letônia.

— Certo, mas onde você nasceu?

— Em Araranguá — respondi eu.

Surpreso, perguntou-me:

— Ué, na Rússia também tem Araranguá?

Então respondi que não era na Rússia e sim logo adiante de Criciúma. Pobre de mim. O homem virou uma fera. Berrou ele que esse negócio de russo, alemão e italiano, que isto tinha que acabar.

— Você fica sabendo quem manda no Brasil é brasileiro, viu? Você nunca mais me diga que é isso aí que você falou, entendeu?

— Sim, senhor! Sim, senhor!

Passada a fúria ele preencheu a passagem e me deu com um sorriso amarelo. Como o navio ia demorar cinco dias para chegar, voltei para a casa do meu cunhado e irmã Alvina.

Na véspera da minha partida tive uma agradável surpresa: veio uma turminha da gentil mocidade dizer adeus. Cada um com seu bolinho e seu docinho, e minha irmã deu café com leite. Comeram, beberam, cantaram e por fim desejaram boa viagem e breve regresso.

Entre esta turminha havia uma donzelita com a qual eu tinha brincado desde criança. Parecia um amorsinho infantil, mas agora já tinha mudado muito, eu com dezesseis anos e ela com treze.

Ao se despedir ela perguntou:

— Volta logo?

Aí eu respondi:

— Quem sabe — e convidei: — Vamos juntos?

Ela respondeu com os olhos rasos de lágrimas:

— Agora não, mas se você quiser um dia irei sim!

Sabe, diante desta situação fiquei com uma vontade de não ir mais para São Paulo.

Após todos terem ido embora, já no silêncio da noite, me ajoelhei e pedi ao Senhor que me desse uma boa viagem e que me concedesse a graça de viver todos os dias no temor do seu Santo Nome. Lembrei daquela donzelita que ficou chorando.

Se ela for a minha eleita faça-me voltar para buscá-la. E se minha eleita conforme a sua vontade estiver em São Paulo, então que seja a primeira que eu por lá encontrar. Não importa que seja feinha ou bonitinha, de gente abastada ou pobrezinha. Só peço duas coisas: primeiro que tenha o verdadeiro temor pelo seu Santo Nome. e segundo que realmente goste de mim — sendo assim, terei absoluta certeza de uma vida muito feliz.

Agora, já no dia seguinte bem cedo, fui a Orleans a fim pegar o trem para ir a cidade de Laguna, onde era o porto — lá onde ao comprar a passagem do navio tinha levado aquela tremenda bronca já contada nas páginas anteriores.

À noite, já a bordo do navio, começou a viagem que durou duas noites e dois dias, para chegar as nove horas da noite na cidade de Limeira, em São Paulo.

Pernoitei, e no dia seguinte saí à procura de um posto de gasolina onde o Guilherme Slengmann, que era proprietário de um caminhão, talvez fosse conhecido. Ele era amigo meu.

Tive sucesso logo no primeiro posto onde indaguei, ele era conhecido por ser freguês. Então perguntei se o homem do posto sabia onde ficava a [fazenda] Boa Vista e ele realmente sabia. Orientou-me a apanhar o trem das nove horas e voltar até a primeira estação, de onde ainda distava mais quatro quilômetros. De lá seria mais fácil conseguir as informações que faltavam para conseguir a localização do meu destino final.

Após seguir essas instruções, foi fácil chegar próximo à tal fazenda. Neste instante saìa de um terreiro um comprador de frangos e quando perguntei se ele conhecia muita gente por aqui, ele respondeu que sim. Então perguntei se ele conhecia o tal Guilherme Slengmann. Ele respondeu que não.

— De todas pessoas que eu conheço nenhuma se chama Guilherme.

Aí contei que eu tinha um irmão o Carlos que trabalhava com o Guilherme e esse Carlos era muito conhecido e muito prosa.

Aí o frangueiro perguntou se ele era gordo. Respondi que era só um pouco corpulento. Aí ele perguntou se era russo. Respondi que sim e expliquei que assim os letos eram chamados. Então ele disse:

— Sim, deve ser o seu irmão, monta aqui na carroça, pois eu vou te levar até bem perto.

Em certo momento ele parou e mandou seguir até uma cerca e depois virar à esquerda; era lá que morava um russo que deveria ser a pessoa que eu estava procurando.

Chegando à dita casa bati palmas e os cachorros começaram a latir. Logo alguém abriu uma janela e apareceu uma linda donzelita. Logo surgiu o pai dela, ao qual pedi a informação. Quando ele chamou a mocinha “Melania natz schurp” [Melania, vem cá] logo percebi que eram letos.

Perguntei em leto se sabiam onde morava o Carlos Zanerip. Aí ele perguntou de onde eu tinha vindo. Respondi que tinha vindo do Rio Novo, Santa Catarina. Então ele disse:

— Entra e descansa, e conta como vai a nossa gente por lá. Lá mora um irmão meu que é pai do Artur Purim (cujo nome eu tenho esquecido).

Entrei e a donzelita fez um saboroso lanche. Foi neste momento, quando ela trazia, lembrei do meu pedido ao Senhor. Pois eu não tinha visto ninguém, nem mesmo o pai dela, no momento que ela surgiu na janela.

E quando voltei à fazenda fiquei estupefato. Lá de onde eu havia abordado o frangueiro, a menos de duzentos metros, vivia meu irmão Carlos. Alguns metros adiante morava o Guilherme Slengmann, e logo no outro lado do córrego vivia o Guilherme Och. Mais adiante morava o Guilherme Ivercen, todos bem conhecidos do frangueiro — que tinha esquecido de todos para levar-me a conhecer primeiro a linda senhorita Melania Purim.

Apesar de tanta evidência, nossos caminhos não se cruzaram. Só atrapalhou minha vida por longos anos. Talvez tenha sido porque não cheguei a contar isto a ela, por muito respeito que a ela eu dedicava. Não contei por receio de ser mal interpretado ou incompreendido.

Isto foi em 1931, e só contei a ela num Congresso Leto em Nova Odessa em 1978 apenas — só para arrancar um sorriso de dois velhinhos que esperavam a longa noite chegar.

Porque o Senhor já disse: “Os meus caminhos não são os vossos caminhos, os meus pensamentos não os vossos pensamentos” e também a minha escolha era outra. Deus também diz que bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor, e Deus de um lar também.

* * *

[continua…]

Igual à de um colono qualquer | Fritz Jankowski a Reynaldo Purim

Rio Branco, 27 de julho de 1920

Querido amigo Reinold:

Recebi de você duas cartas, uma já há tempo, logo que cheguei de Rio Novo, e uma uns cinco dias atrás. Muito grato por tudo: notícias, conselhos e inquirições. Nesta carta quero no mais possível transmitir minhas emoções de coração aberto.

Você pergunta qual o motivo da minha tristeza e depressão. Agora quero te asseverar que nenhum mortal exceto você tem ouvido de mim tantas lamentações e tão grande falta de esperança.

O principal motivo que deixou o meu coração tão desesperançado e sombrio que deixou rastros negros na carta que naquele momento dramático te escrevi — você, sendo meu amigo; sendo que nossos pensamentos e opiniões sempre coincidiam como com nenhuma outra pessoa, você em quem eu via os hábitos e sentimentos muito mais completos, maduros e fortalecidos do que os meus, — é que eu tinha a sensação de ter cometido um erro irreparável em ter abandonado a escola [o Seminário].

Por quê? Por causa de insignificantes e infundados motivos. Falando mais claramente, por enganos traiçoeiros [glhenvilibas]! As palavras escritas em Jó 5:2 eram para a minha alma, amarradas como uma pedra que me arrastava para as profundezas insondáveis e aniquilava minha vontade de viver nesta triste condição.

A isso se juntaram desagradáveis situações na vida de minha família, que ameaçavam roubar as minhas últimas oportunidades de seguir o caminho que tinha escolhido, isto é, o de continuar os meus estudos.

O que aconteceu foi que minha irmã se enamorou secretamente de um jovem alemão, Albert Richter, um sabatista. Quando isso veio ao conhecimento público aquela notícia levantou-nos outros grandes descontentamentos e contrariedades.

Depois de uma longa série de argumentações e conselhos ela cedeu e deixou este rapaz — porém não convencida de que estivesse fazendo algo de errado ou de mau, e sim para obedecer a vontade do pai e dos demais parentes.

Mas não muito tempo depois algo ocorreu através de uma jovem luterana muito alegre e comunicativa que passou a frequentar os nossos cultos: uma cantora de primeira classe e colaboradora da União dos Jovens da Igreja, mas pelos meus pensamentos toda essa atividade era como toucinho na ratoeira para pegar os ratos.

Minha irmã ficou enamorada do irmão desta moça, Karlos Ignowski, e contra este novo relacionamento não há contrariedades.

Esses acontecimentos para nós são amargos, mas sem nenhuma saída, pois daqui há poucas semanas minha irmã Emília com o mencionado jovem vão se comprometer através do enlace matrimonial.

No cartão estavam anotadas as alternativas nas quais durante a viagem mais uma vez recapitulei, e que são as seguintes:

Se nós aqui quisermos restabelecer a nossa vida, eu e meu pai, tenho que assumir e não há meio de fugir da direção das atividades, pois o pai não quer mais, impedido também pela doença.

A outra alternativa seria vender. Poderia vender e voltar para a escola, mas de onde veria o sustento? E onde ficaria o meu pai? Tentamos arrendar a nossa propriedade, mas não apareceu nenhum interessado.

Então meu pai disse:

— Agora meu filho, tu tens que se preocupar pela nossa casa e pela nossa vida diária. Faça tudo como melhor te aprouver, pois destas preocupações quero ficar livre e sob sua responsabilidade viver os meus dias até a velhice. Espero que este fardo não seja pesado demais por minha causa.

Considerando como santa a responsabilidade em atender o desejo do meu velho pai, ainda assim procurei alguma alternativa para conseguir resolver este problema. No fundo mesmo, queria ficar livre desta responsabilidade e dessas preocupações.

Também reconheço que Deus providencia nossa vida em todas as circunstâncias e tudo isso quero aceitar com gratidão, como vindas diretamente de Suas Santas Mãos.

Sob o outro aspecto da vida diária, com alegria posso dizer que eu estou indo muito bem. Minha atividade diária é igual à de um colono qualquer: derrubo matas e capoeiras, arranco tocos para facilitar o preparo da terra, planto árvores frutíferas, negocio o meu arroz etc.

Na igreja ocupo o cargo de Superintendente da Escola Dominical e Secretário Geral da igreja. Damos graças a Deus por nos ter maravilhosamente guiado e pelo período de paz que reina em nossa igreja, pois no passado houve um período um tanto difícil.

Também hoje a harmonia não está completa, pois uma parte da igreja tem por lema trabalhar por missões e a outra tem por lema descansar. Mas na maioria com tranqüilidade concordam, esforçando-se para arrastar todos juntos ao cumprimento do desígnio de uma igreja cristã, que é proclamar Cristo através de missões.

A Escola Dominical vai até de certo modo muito bem, mas o que preocupa é a falta de um obreiro qualificado para cuidar dos alunos que receberam os ensinos e correm o risco de se perder. A Convenção das Igrejas Batistas do Paraná e Sta. Catarina estão convidando para o próximo ano o irmão Carlos Leimann, e estão oferecendo para escolher como centro de atividades os seguintes lugares: Laguna, Itajay e Joinville. Nós estamos torcendo que ele escolha Joinville, pois para nossa igreja seria muito bom.

Sobre a Convenção, uma vista geral e completa pode ser acompanhada lendo “O Baptista”.

Gostaria de saber: que mudanças houve no Colégio e no Seminário? Você ainda trabalha na igreja de Pilares? Como vai a nova Escola Dominical que começaste no ano passado?

Peço que me desculpe pela curiosidade e pela tão longa carta.

Com muitas lembranças, seu amigo

Fritz Jankowski

Enfrentou a noite enluarada | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 30 de junho de 1920

Querido Reini!

Primeiramente receba muitas lembranças de todos de casa. Recebi a tua carta escrita no dia 3 de junho no dia 23 de junho. Obrigada! Já há tempo esperávamos cartas suas, fazia mais de um mês que não tínhamos recebido noticias.

Você ainda não recebeu a carta que mandei no dia 30 de abril? No mesmo envelope seguiram as cartas dos estudantes [Lúcia e Artur], e isso realmente é um grande prejuízo. Mandei no dia 25 de maio a resposta à tua escrita em 6 de maio, e ainda em 18 de junho uma longa carta com muitas notícias dos últimos acontecimentos daqui.

Agora as cartas tem ido e vindo muito devagar, talvez seja porque está chovendo pouco e deve ter pouca água no mar, talvez esteja vazio. Hoje está chovendo um pouco; se vai aumentar o nível eu não sei, porque chuva de verdade faz tempo que não tem havido. Às vezes chuvisca um pouquinho só para fazer lama, mas aumentar o nível dos rios, isso não acontece faz tempo. Quem também reclama da falta de água é o tafoneiro, que não tem água para moer o milho por falta de água.

Geadas tem havido algumas fortes, lá para baixo perto de Orleans, que atingiram bananeiras, canas de açúcar e mesmo as capoeiras. Mas aqui em casa a geada não matou nada: só duas manhãs amanheceram com alguma geada nas baixadas. A semana passada e esta também está bastante quente, como se fosse verão. Vamos ver quanto tempo isto vai continuar.

Agora estamos colhendo milho e despejando no paiol.

Hoje é o último dia de aula para os estudantes. No mês que vem parece que não vai haver aula, pois ainda não se sabe quem vai ser o novo professor. O Butler no mês que vem vai para Curityba e agora está tomando todas as providências para a sua saída e a viagem. Está mandando arrumar todas as cercas porque quando chegar a Kate, que vai morar na casa dele, naturalmente não vai cuidar disso.

Este cuidado é para que o gado dele não fuja e vá estragar as plantações dos vizinhos. Os animais ele não pretende vender ainda, porque depois de um ano ele pretende voltar.

Agora a igreja de Rio Novo vai ficar novamente sem pastor. Quem virá para o lugar dele? Domingo atrasado o Onofre esteve em Rio Novo e apresentou uma proposta ao comitê de sucessão pastoral: que escrevessem para o missionário Deter dizendo que, uma vez que o Butler está indo para Curitiba, ele mandasse o pastor Manoel Verginio para morar em Laguna e dar atendimento a todas igrejas da região. O Comitê inicialmente aprovou de pronto essa ideia, mas para infelicidade de alguns. Aqueles da corrente contrária já começaram reclamar, pois a igreja naturalmente terá que colaborar com o seu sustento e outras despesas. Essa corrente começou a fazer barulho, mesmo sem ter chovido nada.

Durante a convenção alguns já tinham ouvido reclamações pelos cantos e beiras de estrada, mas agora esses começaram a gritar e reclamar, dizendo que quem concordou com os acordos e as novas normas que os cumpram. Dizem que o Butler quando traduzia [as conferências e deliberações] para a língua leta teria omitido partes, mas a realidade é que aqui tem gente que só entende o que interessa e aquilo com que concordam.

Quem maior barulho faz e mais reclama é o velho Karklin, que disse que se tudo não for traduzido para o leto ele e outras pessoas de idade não entenderam nada. Esse sabichão, que lê todos jornais do país e conhece de cor e salteado todas as leis, para nós foi longe demais.

Na sessão regular do domingo passado houve uma tentativa de homologação das resoluções havidas durante a convenção. Tinha chegado “O Baptista” de Curitiba com as atas e novos estatutos decididos nesta última convenção, e o comitê queria aproveitar ainda a estada do Butler para normatizar todos estes assuntos.

O primeiro assunto foi a “Grande Campanha”, cujo alvo é 22$500 por ano, que acharam demais. O Karklin concordou com o dízimo, pois quem ganha mais, mais terá que dar. Ele disse que os outros dão o dízimo, mas a igreja manda para qualquer Sociedade Missionária que ninguém conhece e nem dá satisfação. Ele estava bastante descontrolado. Disse que ele alguns anos dá mais que o dízimo, que é 10%; ele teria dado 14% e até 15%, e insistiu que sabia calcular muito bem.

O Butler reconduziu a ordem e explicou que o dinheiro não vai faltar desde que não se gaste com supérfluos e assemelhados. Se os rionovenses fizerem tudo o que é preciso, não haverá problema nem de falta de dinheiro. O [jornal] Baptista deverá vir de graça, mas é solicitada uma coleta para ajudar na sua divulgação, e se a coleta for muito pequena será enviada uma oferta do caixa da igreja.

Será também feita uma coleta para a Sociedade Missionária da Letônia e depois enviada para o Deter, que providenciará seu envio para o seu destino. Isto irritou ainda mais o Karklin, pois assim ele não foi reconhecido como grande defensor da pátria de nascimento. Ele não tem razão, porque daquelas coletas anteriores ninguém viu comprovante de que o dinheiro tenha chegado lá. Também aquela campanha para os refugiados de guerra, ninguém sabe onde o dinheiro ficou. O Karklin, em vez de mandar direto para a Letônia, mandou para França e eles de lá mandariam para a Letônia. Mas o caso é que, se realmente mandaram, foi para o governo da Letônia, assim os refugiados não viram a cor do dinheiro.

O Lamberts do “Drauga Balsis” [“A voz do amigo”, jornal da denominação batista na Letônia] recomendava que todas doações para os necessitados fossem mandadas para as igrejas de lá, ou endereços pessoais de gente conhecida, senão o governo de lá fica com tudo.

Mas não foi desta vez que chegaram a acertar tudo, e parte ficou para outra vez.

Algumas damas que cantam no coro faz quase um mês que não puderam se apresentar no “palco”, pois estão com os tímpanos partidos; o Watsons tinha falado tão alto que parecia que estivesse falando para uma platéia de surdos, e também na orquestra os rapazes tinham tocado muito alto. Parece que elas não sabem dos inúmeros elogios que os componentes da orquestra receberam dos pastores por terem apresentado músicas maravilhosas de hinos usados na América do Norte e na Inglaterra.

Bem, quem ainda não estava com os tímpanos partidos deve ter ficado na noite do domingo passado quando, por ocasião daquele trabalho especial dos jovens, a orquestra tocou o hino 400 do Cantor: “Igreja, alerta”. Eles ouviram este hino pela primeira vez apresentado pelos mensageiros da Convenção e em seguida o Butler ensinou a cantar, e agora os rapazes da orquestra já tocaram com a maior vibração. Se o Deter estivesse aqui e tivesse ouvido, teria ficado muito satisfeito que o pessoal gostou da música que eles cantaram.

Há uma pequena parte da igreja que nada contra a corrente e diz que não vai quebrar a língua aos pedaços para cantar em brasileiro. Algumas dessas pessoas em outros tempos já tinham cantado em brasileiro, mas agora a roda girou para trás.

O Roberto [Klavin] conseguiu por sorte terminar o trabalho e voltar para casa para as conferências, e colaborou intensamente para o sucesso dos trabalhos. Agora ele está construindo uma fábrica de farinha de mandioca no Rio Larangeiras e o Arnoldo Karklim estava trabalhando para ele como ajudante, mas logo no início trabalhou com tanto entusiasmo que fez um corte no pé e com isso parece que bastou.

Por que o [Fritz] Jankowiski não voltou para o seminário este ano? Aqui, apesar de inquirido, ele não deu uma resposta clara. Já na primeira noite o Leimans quis saber por que e qual a razão pela qual ele não voltou a estudar este ano. Ele respondeu que este ano as circunstâncias não tinham sido favoráveis, mas que no próximo se as coisas mudarem ele irá de novo.

O que ele tem escrito para você sobre o Rio Novo, dizendo que encontrou tudo bem diferente do que imaginava, e que as pessoas que ele conhecia por nome e informações também não eram bem assim. O Karlis Ignausku, que tinha estado em Rio Novo, tinha contado que os Karklis eram pessoas muito enérgicas, mas ele não pôde observar essa
energia, embora o velho seja realmente um tipo enérgico.

Você poderia transcrever as impressões de viagem dele sobre o Rio Novo e o que ele viu de bom ou diferente. Esta semana o Arthur recebeu uma longa carta dele escrita no dia 5 de junho. Ele tinha conseguido chegar em casa no dia 4 de junho. Tinha saído daqui de Orleans no dia 26 e no dia 30 pegaram o “Max” de Laguna até Desterro [Florianópolis] e na segunda-feira a noite pegaram o “Anna” até Itajay. De lá o Looks foi a pé, beirando o mar até em casa.

Mas ele [Fritz Jankowiski] ainda queria conhecer Blumenau e então pegou um naviozinho até lá. De lá ele iria pegar uma carroça para ir até em casa, mas não deu certo encontrar as ditas carroças, então enfrentou a noite enluarada com a mala e bagagem nas costas, como se fosse um mascate, e depois de doze horas de marcha chegou a Rio Branco.

Parou primeiro na casa dos pais e da irmã, que encontrou quieta e vazia. Já na casa dele encontrou cheia de gente. Tinha chegado o Waltauris de seu Castelo da Felicidade que é Porto União. Aqui ele já tinha falado da possibilidade de quando ele voltasse este estivesse lá pela casa dele. O pai dele não estava em casa porque ficou doente no dia 31 de maio e viajou de trem para Rio Negro para se tratar com médico.

Os outros que saíram da Convenção ficaram retidos cinco dias em Imbituba esperando navio.

Bem, hoje chega. Vou esperar uma longa carta sua. Como se passaram os seus dias livres? Foi algum outro leto para a “Chautauqua”? Os, jornais, vais continuar nos mandar? Nós só recebemos um pacote e faz muito tempo. Este ano eles voltarão de mandar de cortesia o “Drauga Balss”?

Muitas lembranças de todos nós aqui.

Olga

A luz da lamparina tão fraca | Roberto Klavin a Reynaldo Purim

12 de junho de 1920, Invernada

Querido amigo!

A tua carta escrita no Rio de Janeiro recebi quando voltei para casa de Mãe Luzia no fim de abril. Fiquei só dois dias em casa, pois fui trabalhar em outro serviço no Rio Larangeiras. Lá pensei que tivesse oportunidade de responder para você, mas com tanto serviço e tantas complicações e a luz da lamparina tão fraca não é nada de prático — não é possível fazer, e o que pode resultar disso é prejudicar a visão.

Ah! Como gostaria de estar em casa para estudar com boa luz as lições da Escola Dominical, ler os jornais e aprontar-me para a Convenção e as Conferências que estavam chegando bem perto.

O período que passei em Mãe Luzia foi mais de três meses, e aproveitei para conhecer o povo leto de lá e seus costumes. Porém nada importante existe por lá. Os “homens espirituais” [pentecostais] continuam a sua atividade por lá e sempre indo em frente.. Eu não fui ver nenhuma vez.

Descobri também que os rapazes letos, malandros, têm feito muita molecagem [com os pentecostais], por exemplo: aberto furos no forro da casa onde eles se reúnem, trancado as portas por fora e aberto as portas quase arrancando das dobradiças. Numa oportunidade em que os “fiéis” estavam em grande êxtase e pulando descontroladamente, esses meninos entraram jogando pimenta moída no pilão, acertando em diversas pessoas e na esposa do Karlos Amdermann. Jogaram direto na boca, e aí pode imaginar o que aconteceu…

Em outra ocasião os brasileiros e italianos começaram a apedrejar a casa do Anderman, quebrando muitas telhas. Se os letos não tivessem dado o mau exemplo esses outros provavelmente não teriam tido também este mau comportamento.

O Emilio Andermann, no começo de maio, viajou para Nova Odessa para morar com o André Leeknin, e logo depois da Convenção o João Klava foi para lá também.

Os participantes da Convenção do Paraná ficaram aqui muito pouco tempo, pois chegaram na segunda-feira e no sábado foram embora. Os de Rio Branco ficaram mais uma semana e também foram embora.

As Conferências se desenrolaram muito bem. Para nós no Rio Novo está começando um tempo muito triste, pois o nosso pastor vai deixar daqui um mês o Rio Novo e vai embora para Curityba. Como vai ser depois que ele for embora somente o futuro poderá mostrar.

Desta vez só tenho notícias tristes e nenhuma alegre. Terminando, receba muitas lembranças de seu amigo

Roberto Klavin

A cidade do pão | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 7 de junho de 1920

Querido Reinold!

Já são passadas várias semanas que não temos recebido cartas suas. A última foi aquela escrita no dia 6 de maio, que chegou aqui dia 22 de maio, e logo mandei a resposta àquela no dia 25 de maio. Agora ao todo você está devendo respostas a três cartas.

Bem, hoje devo imaginar uma maneira e tentar descrever com mais detalhes os grandes acontecimentos do Rio Novo. Nas minhas últimas duas cartas tenho contado alguma coisa, mas isso deve ser uma insignificância para a sua imensa curiosidade.

Bem, agora que todos os mensageiros que vieram a Convenção já devem estar tranquilamente em suas casas, pois já fazem três semanas desde este grande movimento — que até mais parecia um esforço de guerra, considerando-se as múltiplas providências que tiveram que ser tomadas, — «Está tudo nítido na minha memória.»mas não se preocupe: está tudo nítido na minha memória como se fosse hoje que tivesse tudo acontecido.

Preciso começar bem do princípio, para ver até onde consigo chegar agora. Que os mensageiros da convenção não chegaram na data prevista, isso você já sabe; chegaram só no dia 17 de maio. Havia um esquema organizado, que quando chegava algum dos convidados esperados na estação da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina era imediatamente levado à casa dos Stekert para um lauto lanche; em seguida era determinado um guia para acompanhar o recém-cavaleiro para a viagem ao Rio Novo.

O S. L. Watson estava pesaroso porque não iria se sair bem lá em Rio Novo: ele achava que não haveria ninguém tão alto quanto ele e que teria de ir montado numa “girafa” — mas quando viu o Conrado e o João Frischembruder, disse que não era ele só que estava nas alturas, quase alcançando as nuvens. O Butlers afirmou que no Rio Novo ele iria ver pessoas ainda mais altas. Na realidade nenhum dos nossos era tão alto quanto ele, pois ele podia olhar todos por cima.

[NOTA: Stephen Lawton Watson (1880-1966) era missionário norte-americano da Junta de Richmond. Foi diretor Geral da Casa Publicadora Batista e Secretário-Tesoureiro da Junta Patrimonial do Sul do Brasil]

Lá na saída [de Orleans para Rio Novo], quando o Butlers já tinha designado e dividido os grupos, e ao começar a viagem, o Butler disse que quem quisesse uma viagem de verdade, mais longa, poderia optar por se hospedar nos Leiman ou nos Klavin, que moravam bem mais longe, e neste momento os jovens senhores alemães de Curitiba a uma só voz se candidataram para essas vagas, pois queriam ter este prazer. Porém eles logo perceberam que não era tão agradável andar a cavalo para pessoas como eles, que não estavam habituados. E levantou-se ainda o problema de ter de ir e depois voltar em tempo para a igreja, onde iriam começar as conferências.

O Roberto [Klavin], diante deste contratempo, e vendo que já eram três horas da tarde, deixou os hóspedes dos Leiman na casa dos Osch e os dele na nossa casa. Os demais tinham ficado longe para trás desses heroicos cavaleiros. O Roberto sim, foi a cavalo até em casa na Invernada para trocar de roupa, pois não tinha vindo com traje apropriado. Pela manhã, quando ele saiu de casa, estava nublado e parecia que iria chover de novo o dia inteiro, como tinha acontecido na véspera, em que deu um grande temporal. Mas nesse dia não demorou para que as nuvens se dispersassem, e lá pelo meio-dia já estava um sol muito bonito.

Assim continuou com tempo bom todo o período dos trabalhos, apesar de alguns dias ameaçar a ficar nublado — mas em seguida limpava tudo outra vez.

O Watson foi o hóspede de honra do Oscar Karp, pois [o Oscar] tinha sido aluno dele. Os Karp estavam propensos a não hospedar ninguém, mas quando souberam que o Watson viria candidataram-se imediatamente, pois se o Watson chegasse em alguma outra casa e perguntasse por que o Oscar não havia voltado para a escola, poderia ouvir algumas explicações que talvez não ficassem bem. Pelo sim ou pelo não, «Alguns letos pensam que são os mais inteligentes do mundo.»acharam melhor que o Watson ficasse na casa deles, assim poderiam dourar a versão sob o prisma que mais convinha, e ainda acompanhá-la de todas as explicações necessárias.

Andar a cavalo não era o forte do Watson, pois na volta dos trabalhos da noite ele veio a pé; quando passou por frente de nossa casa ele teria perguntado “como se chamava esse lugar”, pois “não eram nem prassas nem avenidas” [NOTA: em português no original].

Na primeira noite o templo estava repleto de gente. O primeiro hino a ser entoado foi o 96 do Cantor Cristão. O Onofre nesta primeira noite não estava presente, portanto a parte devocional foi dirigida pelo pastor Manuel Verginio de Souza, que é um eloquente orador e nem por isso orgulhoso; pelo contrário, é muito humilde.

Nesta primeira noite foi eleita a diretoria: o Presidente foi o Butler e o Secretário o Manoel. Na mensagem de boas vindas o Butlers falou que o Rio Novo era como Belém da Judéia, “a cidade do pão”, e que aqui o pão também é muito abundante. No final o Deter recomendou que nem por isso deveriam tentar comer tudo. Ele já tinha estado outras vezes aqui e sempre fora muito bem tratado, e assim gostaria que acontecesse quando viesse em outra ocasião.

Os trabalhos da noite não foram longos, pois todos visitantes estavam exaustos da viagem e sonolentos, e para muita gente chegar em casa à meia-noite não estaria perto.

Foi quando o Leiman levou os seus hóspedes até o Rodeio do Assucar e o Roberto os dele até a Invernada. Foi uma longa viagem a cavalo, mas só tiveram de fazê-la uma vez, pois para lá não mais voltaram. Na segunda noite eles dormiram na casa dos Osch e passaram a tarde na casa do Butler, e nas noites seguintes nas casas dos Frischembruder e dos Slengman.

Sobrava muito tempo para passear pelas casas, pois os trabalhos na parte da manhã começavam as dez horas e terminavam à uma da tarde, e a noite novamente na igreja. Aqui não deram certo as três reuniões por dia, como estava previsto no programa, devido às consideráveis distâncias.

No segundo dia, dia 18, quem abriu o programa foi o Edmundo Assenheimer de Curitiba, contando que os pais dele eram de Criciúma e tinham mais tarde morado em Tubarão. Tinham conhecido o Fritz Leiman, que pregava e dirigia cultos em Laguna. Logo em seguida falou o Watson, sobre a Grande Campanha e sobre o texto que aparece sempre no Jornal [Batista] (aliás ultimamente o Jornal quase só fala nessa Campanha).

Bem, os rionovenses ouviram em alto e bom som que a nenhum crente será permitido ficar cochilando enquanto tudo mundo trabalha. [O Watson] de fato tem uma voz tão forte que partia os ouvidos das pessoas; ninguém conseguia falar tão alto que nem ele.

Sobre a Grande Campanha também falou o Fritz Jankowski, e disse que a Convenção das igrejas de Santa Catarina e Paraná estava desafiada a, com esforço vitorioso, conseguir os 45 mil, sendo nove mil por ano. Disse ainda que seria desejável que fosse na média 11 mil por ano, o que daria para cada membro 22$ por ano (e o que são 2$000 por mês?) — assim haveria dinheiro para os obreiros em Laguna, Desterro e ainda em outros lugares mais.

O pastor Manuel disse que deve ser adotado o “dízimo”, que foi aceito como regra nesta convenção, mas vamos ver se aqui no Rio Novo isso vai funcionar. Como disse o Butler, uma pequena corrente, como que de água, não queria que houvesse a convenção aqui, dizendo “o que querem essas pessoas importantes de fora, só querem é dinheiro para viver e se vestir bem” — mas agora esses têm a oportunidade de saber que essas pessoas que diziam ser orgulhosas e prepotentes são obreiros honestos e ativos que não medem sacrifícios em prol da Causa. Por isso ninguém deve falar sobre o que não tem certeza; ele sabe como cada um aqui vive e se veste, e quando se fala em Missões são muito poucos que contribuem.

Nesta corrente não são muitos: os Seeberg, os Karklim, os Bruver, o Guilherme Balod e os Match foram os abertamente contra a realização da convenção aqui. Chegaram a dizer que quisesse as conferências aqui no Rio Novo que se preocupasse com hospedagem e alimentação. Ainda bem que muitos dos que não tinham hóspedes fixos com muita boa vontade procuravam convidar os visitantes para as suas respectivas casas para servir refeições. Mesmo se tivesse vindo outro tanto mais gente não teria faltado alimento para ninguém. Isto apesar do bloqueio dos acima mencionados.

Alguns letos pensam que são os mais inteligentes do mundo, e por isso não querem ouvir nada, demonstrando por este comportamento que são na verdade uns grandes bobos.

A reunião da noite foi iniciada pelo Fritz Jankowski; em seguida o Watson discorreu sobre a importância da Escola Dominical, dizendo que os professores devem se preparar bem para poder ensinar os outros.

Não passou uma reunião onde ele deixasse de falar. Mesmo onde no programa estava determinado para o Butler falar era o Watson que falava. Naquela noite o Abraão de Oliveira apresentou o sermão que preparara durante o ano inteiro.

No dia 19 pela manhã foi dada a abertura dos trabalhos com um culto devocional dirigido pelo Klava e em seguida o Frischembruder e o Leimanis conseguiram convencer o plenário da necessidade da participação também das igrejas brasileiras na campanha em prol dos Refugiados da Guerra da Região do Báltico; será determinada uma data para uma oferta especial neste sentido.

Em seguida falou o Onofre sobre a premente necessidade de obreiros brasileiros em Sta. Catarina. Disse que pelas características do povo é muito mais eficiente o trabalho de um pastor ou pregador brasileiro do que um de origem estrangeira. Falou também que a igreja de Rio Novo estava deixando o pastor Butler ir embora devido ao baixo salário que ele vinha percebendo. Que queria, quando viesse um obreiro para Laguna ou Tubarão, que a igreja de Rio Novo desse apoio com a música e cantos.

Naquela noite quem deu início aos trabalhos foi o Roberto [Klavin]. A esposa do Deter tocava harmônio e os visitantes de Curitiba cantaram. Ela é uma excelente musicista e grande cantora.

Na quarta-feira quem deu início aos trabalhos foi o pastor João Henke de Curitiba. Também nesse dia o Watson falou que as igrejas devem se preocupar com os seus templos, e que agora no Rio de Janeiro existe um banco que paga juros para as igrejas que tem algum dinheiro sobrando e depois empresta às igrejas que precisam de dinheiro para construir, para que possam o mais breve possível sair do aluguel — pois esse, por mais que se pague, [a propriedade] nunca passa a ser da igreja, e é melhor um pequeno cantinho que é seu do que um grande palácio que pertence a outrem. É claro que essas pessoas têm uma visão mais ampla do que certos “sábios” daqui do Rio Novo.

Nesta noite também teve a ceia do Senhor. A esposa do Dr. Deter falou sobre o trabalho da Sociedade de Senhoras das igrejas, e o que elas podem fazer para arranjar dinheiro para as missões. E novamente falou o Watson, agora sobre o Seminário.

Na sexta-feira só houve trabalho pela manhã, pois foi a última da convenção. A esposa do Deter tocou novamente o harmônio e o Abraão cantou um solo o N. 41 do Cantor. Ele é um excepcional cantor com uma potente voz e também é um grande músico; ele disse que não imaginava que os letos soubessem cantar em brasileiro. Ainda bem que o Butler ensinou uma grande quantidade de hinos novos em brasileiro, então por aí você vê que agora neste ponto está muito melhor que antigamente. A esposa do Dr. Deter também cantou um solo. O coro da Igreja de Rio Novo também cantou os seus longos hinos. e os músicos com suas cordas e sopro tocavam todo dia.

Os outros detalhes pela ordem eu não conseguiria escrever e nem valeria a pena, pois você vai ficar sabendo de um jeito ou outro. O último hino que todos cantaram juntos foi o 75 do Cantor.

Você imagina uma festa desse tamanho no Rio Novo? Não. No Rio Novo com tanta gente nunca houve. E com tantos pastores de uma só vez e ainda um negro que fez um dos mais importantes sermões!

Ano que vem a Convenção será em Curitiba a começar do dia 8 de maio, e o orador oficial será o Butler, que agora tem quase um ano para se aprontar. O Butler fica somente este mês como professor e pastor, porque ele em breve embarca para Curitiba para ficar no lugar do Deter, que vai embarcar em setembro para América. Vamos ver quem será que vai ser o novo professor, porque agora a escola é do governo. Sem ninguém ela não vai ficar. A terra o Butler não vai vender porque a Kate vem morar aqui e vai cuidar do velho; tudo vai ficar como está até o ano que vem, quando ele vai embora mesmo.

Bem, devo terminar porque você não vai ter tempo para ler esta carta, e a tua curiosidade estará sobrecarregada de tanta novidade. Se quiser mais escreva mencionando o que queres saber que eu tento responder, pois não sei mais o que possa te interessar.

Quero que você escreva bastante. Que sempre esteja passando bem. Com uma sincera saudação,

Olga

Essa carta subiu o Rio Novo de mão em mão | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 24 de maio de 1920

Querido Reinold!

Recebi tua carta escrita em 5 de maio no dia 22 de maio. Muito obrigada!

Eu teria muito o que escrever, mas esta noite não vale à pena começar, pois esta noite não poderei pela ordem e minuciosamente escrever tudo por falta de tempo, pois amanhã cedo vamos cavalgar até Orleans para o enterro do velho Felipe, que morreu esta manhã — e também porque amanhã são as terceiras Oitavas da Festa do Verão [Treschu Wasaras Svehtki]. Então não leve por mal, que só vou descrever como foi a Festa do Verão e como os mensageiros da Convenção foram embora.

A verdade é que a temporada desta grande batalha não terminou totalmente, pois dois ainda continuam aqui: os dois mensageiros de Rio Branco, o Fritzis e o Loks. Eles tudo querem conhecer. Todos os letos por nome eles têm que visitar. Esta noite o Fritz foi para a casa dos Leimann, onde já esteve várias vezes. E amanhã de manhã cedo, montados no Prinzi e no Lapu, irão para Mãe Luzia.

Eles querem se demorar em todos lugares. Todos morros altos querem escalar e até a Serra eles falaram em conhecer. O plano deles seria sair bem cedo pela manhã, chegar ao meio-dia lá em cima só para ver aquelas maravilhosas montanhas, então sem muita preocupação estar à noite em casa. Isto naturalmente seria possível para pessoas acostumadas a subir montanhas como o Roberto Klavin, cujo passo quase ninguém consegue acompanhar, mas esses heróis que não estão acostumados acho que não conseguiriam.

Os demais convencionais desceram para Orleans na sexta-feira, então na igreja do velho Karlos fizeram um grande culto, mas lá eu não estive. O Watson dormiu na casa do Diretor [Staviarski, da Companhia de Colonização], e os demais espalhados pelas casas dos letos. No sábado de manhã embarcaram no trem para Imbituba e não sei se conseguiram o navio como era esperado ou não.

Neste mesmo dia o Jahnis Klava viajou para Nova Odessa, onde pretende acumular dinheiro para depois viajar para a América do Norte para estudar; ao Rio [de Janeiro] ele não pôde ir pois o próprio Satanás lhe pôs obstáculos. Já quanto eu sei [o motivo] é que ninguém e nenhuma igreja daria uma carta de recomendação, pois todo mundo conhece que pássaro ele é. Segundo escreveram de Mãe Luzia ele estaria envolvido com aqueles “homens de espírito” [pentecostais], pois uma carta veio aberta ou teria sido aberta para o Wileams Slegmann, e nela descreviam certas barbaridades praticadas por eles; um outro Slengmann tirou do correio e essa carta subiu o Rio Novo de mão em mão até chegar ao Butler, que apesar de não achar correto abrir ou ler correspondências dos outros também leu e ficou sabendo de tudo. Como esperar carta de recomendação?

Ontem à noite a União da Mocidade da igreja teve uma das noites de treinamento com apresentações. Foram boas apresentações e parecem que de agora em diante serão mais frequentes. A bronca do Kirils [Carlos Karkle] deu resultado.

[NOTA: Apresentações. Em leto “preeschnessumu” — literalmente algo que foi levado à frente, apresentado: opinião, fato, peça, poesia ou música. Era basicamente e intencionalmente usado para que a mocidade aprendesse a enfrentar o público e perdesse a inibição, e com bons resultados.]

O João de Riga Frischembruder apresentou trechos do Jaunibas Drauga/O amigo da juventude que realmente foram muito proveitosos. Outros apresentaram contéudos às vezes maiores ou outras apresentações menores, mas desta vez todas foram consistentes, cada uma com mensagens muito claras e definidas.

Os dirigentes desta vez foram o Fritz Jankowski e o Looks de Rio Branco. Aqui na semana passada correu a notícia de que o Fritz recebeu do seminário o “passe do lobo” e não mais pôde voltar este ano para lá. Também há aqui alguns que se admiram que ao Reine foi permitido voltar para a escola. Eles parece que esqueceram ou não ouviram o Watson dizer que de ouvir falar do Rio Novo ele já conhecia bem e agora teve a satisfação de conhecer pessoalmente. Ele transmitiu à igreja as tuas saudações e lembranças e contou que tinha insistido para que você viesse junto, mas que você tinha declinado do convite alegando a necessidade de dar continuidade aos estudos. Se tivesse sido possível teria sido uma grande satisfação, mas havia sido numa data conflitante. Ele também disse que você é um dos melhores alunos e que dirige uma Escola Dominical em Pilares, onde ele espera muito no futuro. E ainda disse que o Rio Novo tinha roubado um professor dele ou da escola e ele agora o recapturou. Ele em cada conversa ele sai com alguma brincadeira. Ele provavelmente já terá contado tudo isso para você quando esta carta chegar. Ele levou o S.S.S. [dinheiro?] e uma carta minha.

Não receba dinheiro por aquele livro do Leiman. Mande para ele logo que for possível o cantor [hinário] de qualquer modelo que conseguir. Ou então escreva perguntando em que acabamento ele quer e se não tiver que espere.

O que de bom ele te escreve? Ele menciona o Rio Novo nessas cartas? O velho Leiman tem perguntado por que esperam o Artur em casa, pois já estariam desanimados de esperar o que não seria verdade.

Hoje chega. Nunca consigo escrever suficiente para satisfazer a sua curiosidade de todas as notícias daqui. Faça o favor de fazer uma lista de perguntas por prioridade e eu tentarei te responder. Sobre a Convenção ainda vou descrever do começo ao fim.

Viva feliz e saudável. Com sinceras e amáveis lembranças,

Olga

Chegar perto do tinteiro | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 29 de abril de 1920

Querido Reinold!

Primeiramente mando muitas lembranças. Tenho que escrever um pouco: se eu não escrever você vai receber o envelope e nada terá o que ler…

Já se faz bastante tarde da noite pois hoje os “estudantes” [Lúcia e Artur] se animaram e começaram a escrever, e eu não consegui chegar perto do tinteiro: só pude começar depois deles terem terminado.

Recebi a tua carta escrita no dia 7 de abril e por ela Pasörn Vanp! As cartas anteriores foram todas recebidas. Só falta a resposta daquela que escrevi, mas ainda não posso esperar a resposta pois só mandei no dia 17 de abril.

Não tenho nada de importante ou significativo sobre o que escrever, pois sobre as coisas que acontecem no Rio Novo você pode mesmo imaginar. No domingo passado à noite teve uma reunião da União de Mocidade, cuja finalidade era a apresentações de trabalhos como números de músicas, poesias, pensamentos, partes das Escrituras com breves comentários — e só o Karlos Karkle tinha escrito um bom trabalho de sua própria lavra. Ele foi duro com os jovens na sua apresentação, dizendo que se eles não têm capacidade para escrever que copiem de algum jornal ou revista, onde há tanta coisa útil, e talvez ampliem ou adaptem o pensamento com a finalidade de uma aplicação prática na nossa vida diária. Disse que nenhum escritor foi escritor sem escrever a primeira página, e que ninguém chegará lá se não assimilar e comparar as ideias dos outros e fizer comparações com a natureza, os animais; que alguém que não aspirar pela cultura e por mais conhecimentos terá pouca ou nenhuma probabilidade de chegar lá. Mencionou como exemplo o R. Purim, que usou a figura conhecida do macaco — sendo que a gradação era alta e ele Karlos, gostou muito, e se considerava um que valeria 55$000, mas que muitos nem 5$000 valeriam, e que fizessem esforço tal que passassem muito da meta a que você teria desafiado.

A apresentação do Karlos Karkle foi tão boa que foi elogiada pelo Butlers, que complementou dizendo que as pessoas não podem ser simplesmente avaliadas pela boa aparência exterior; quando se tem oportunidade de conversar, percebe-se que são completamente vazias.

Por que o Fritz Jankovitz não foi para o seminário? Ou a “irmã” [namorada] ficou enciumada como no caso do Oskar? Este ano não apareceu nenhum outro leto lá no Seminário? Quantos são, no total, os seminaristas? Qual é a profissão que o Júlio está ensinando, costurar ou consertar calças? Onde você mandou fazer o terno com aquele tecido caseiro que você levou daqui?

[NOTA: O “tecido caseiro” chamava-se “Wadmal” e era tecido grosseiro, feito em tear caseiro com urdume de fios de algodão e o tapume de lã. Corre uma lenda familiar que Reynaldo Purim teria levado o tecido só para agradar a família, mas durante a viagem, de vergonha daquele tecido tão rústico, teria jogado no mar.]

Quem agora está cortando lenha em teu lugar? E como o Fritz não está, quem são os heróis que sobem nas mangabeiras? Agora de tanto você contar eu conheço a sua escola muito mais do que antes.

Bem, por hoje chega. Breve deverão chegar outras cartas suas e aí eu escrevo mais. Aqui contam que para a Convenção [Batista] virão duas personalidades do Rio: O S. L. Watson e mais outro. O programa do evento já chegou, vai começar dia 15 de maio no sábado, e seguir no domingo, segunda e terça-feira, mas ninguém pode realmente afirmar que vai ser assim mesmo — com a falta de estadas de ferro e a dependência da irregularidade do navio, ninguém em sã consciência pode planejar nada, pois os navios podem atrasar semanas.

Quando o Edis Karp foi a São Paulo esperou navios não sei quanto tempo. Foi aquele papo “vem esta semana”, depois “vem semana que vem” e depois chega a notícia que chegou à noitinha e saiu de madrugada e toca a esperar de novo.

Quando escreveres, escreva bastante. Eu também espero ter mais que escrever na próxima vez. Desta vez tem mais coisas para decifrar [as cartas do Arthurs e da Luzija].

Com muitas e muitas lembranças,

Olga

[Na lateral:]
Se você puder envie mais cantore [hinários]. Estes já estariam todos vendidos, mas o Puisse não vende fiado. Vá você mesmo no Salomão e compre também outros modelos com música e sem. Assim você será o nosso grande comprador.

[NOTA: “Puisse” em leto é menino ou rapaz. No caso, refere-se ao Artur, apelido de Otto Roberto Purim.]