Origens da colônia: Breve história da Igreja Batista Leta do Rio Novo, última parte

continuação da segunda parte

Com preocupação também pelo bem-estar geral da comunidade, em relação à vida diária, foi organizada uma associação de moradores sob a orientação do pastor Inkis. Na realidade foram organizadas duas: o líder eleito para a associação do Rio Novo foi o J. Ochs, e para a do Rio Carlota o K. Seebergs. Como líder e dirigente das reuniões foi nomeado o F. Karps, e para secretário J. Frischembruder. Tudo foi feito com conhecimento e aquiescência do senhor Delegado de Policia de Orleans, Sr. Galdino Guedes.

A administração da associação de moradores tinha poderes para dirimir dúvidas e acertar pequenas desavenças entre os vizinhos — principalmente o que se relacionasse a cercas, porteiras, prejuízos causados pelo gado dos vizinhos em roças de outros, etc., — tendo inclusive autoridade para multar o culpado em Mlrs 5$000 (cinco mil réis), o que em moeda atual seria mais ou menos 20$000 réis. Precisamos anotar que essa multa nunca foi cobrada de ninguém.

A organização da associação de moradores aliviou o trabalho da igreja, pois toda e qualquer dúvida, queixa ou reclamação passou a ser tratada pelos responsáveis pela associação — pessoas vividas e com espírito cristão, que a partir desta postura tratavam todo e qualquer assunto. Nessas reuniões eram também discutidas novas idéias e o planejamento para melhorias na colônia.

A primeira e maior preocupação da comunidade era no sentido de se conseguir uma escola para a nova geração. Dirigiram-se então com uma petição à Empresa Colonizadora Grão-Pará, diretamente ao diretor Sr. Stawiarski, a fim conseguir um pedaço de terras para a comunidade — onde pudesse ser edificados a escola, o templo para a igreja e também o cemitério, — e terminaram conseguindo o terreno.

Em seguida a comunidade elegeu um comitê para a organização da escola, sendo Fritz Karps o dirigente e Juris Frischembruder secretário e tesoureiro. Os demais membros foram o compatriota e agrimensor J. Sarins, J. Ochs, M. Leepkalns, K. Matchs e K. Seebergs. Entusiasmados, os componentes da comunidade juntaram 411$000 réis para a viagem do futuro professor, que deveria vir da Letônia — mas que acabou demorando para vir.

Tendo em vista que a colônia de Rio Novo não tinha como crescer muito mais com a vinda de mais emigrantes da Letônia, já que todas as glebas das vizinhanças estavam tomadas, levando os letos que desejavam imigrar a procurar outras colônias (apesar de que nos vales vizinhos da colônia de Rio Novo ainda houvesse terras não desbravadas cobertas de matas virgens), o pastor Inkis organizou e também participou de expedições para busca e avaliação de novas áreas onde os letos pudessem ser assentados. Atravessaram o Rio Laranjeiras e o Rio Oratório, sobre cujas áreas não houve consenso quanto à viabilidade de aproveitamento. Na outra expedição, realizada nos fundos do Rio Carlota, nas proximidades da colônia italiana, foi encontrado um bom local, onde várias famílias letas se instalaram para morar, mantendo contato com Rio Novo.

Desenvolvendo o trabalho missionário, [o pastor Inkis] nos ensinava ainda hinos em língua alemã. Foram feitos vários cultos evangelísticos nesta língua, tanto em Rio Novo quanto em Orleans, resultando em conversões e filiação à igreja.

Foi também feita uma viagem festiva para a Colônia Leta de Mãe Luzia, que havia sido fundada na maioria por rionovenses. Desta viagem participaram mais ou menos vinte irmãos e irmãs dos coros, todos a cavalo, pois naquela época não havia outros recursos. A viagem durou dois dias e a noite foi passada ao relento, sob a luz das estrelas. Só noutro dia alcançou-se o objetivo da viagem, e também lá o trabalho missionário entre os alemães alcançou sucesso.

Quando a igreja de Rio Novo já se havia revigorado espiritualmente e o pequeno grupo que anteriormente se afastara já havia voltado, tendo sido recebido amorosamente pela igreja, pareceu ter chegado a hora de eleger biblicamente os seus servidores. Aos eleitos para o cargo de diáconos o pastor apresentou uma santa exortação:

— Agora vocês — disse ele — terão de se aproximar mais vezes da porta dos céus, em oração não só por vocês mesmos, mas pela igreja e pelas missões.

E com a imposição das mãos e com oração, num ambiente de reverência marcante, encaminhou-nos para o trabalho da igreja — o que me lembro como fosse agora.

Os sete servidores eleitos e ordenados pela igreja foram os irmãos Fritz Karps, Wilis Slengmanis, Jahnis Klawins, Evalds Feldbergs, Karlis Sebergs, Juris Frischembruders e Karlis Macths.

Os trabalhos da Igreja se desenvolviam muito bem, pois cada domingo que passava a igreja se revigorava e havia sinceros cultos de louvor e adoração. No aniversário de fundação da igreja (20/03) havia festas que duravam vários dias, seguidos com ricos e variados programas. Cantavam diversos coros, de senhoras, de visitantes; chegou-se a ter seis coros participantes.

A igreja, como reconhecimento e gratidão a seus obreiros, presenteou a todos eles com o desejado livro “A terra onde Jesus andara”. O pastos Inkis disse:

— Hoje não comemoramos o Natal, mas mesmo assim vamos distribuir presentes.

Os que receberam as lembranças foram o moderador da Igreja, irmão Fritz Karps; o dirigente do coro do Rio Novo, irmão Juris Frischembruder, que havia recentemente aposentado sua batuta; Karlis Matchs, que também tinha trabalhado como dirigente do coro do Rio Carlota (este era o mais idoso e por isso ganhou um Novo Testamento impresso em letras de tamanho grande); também foram lembrados os novos dirigentes dos coros, Wilis Leeknins e Gustavs Grikis, como estímulo para um diligente trabalho. A organização desta distribuição de lembranças com o intuito de reconhecimento foi organizada sigilosamente e desenrolou-se maravilhosamente, causando uma impressão inesquecível.

Na nossa memória estão guardadas muitas outras maravilhosas recordações, mas quando estamos a escrever devemos guardar limites.

Chegava o mês de abril de 1898; na Europa era início da primavera e aqui outono, época das colheitas. Faz agora quase um ano que o evangelista de Riga trabalha em nosso meio, e os nossos corações curtem os frutos de reconhecimento.

Em segredo absoluto a igreja organizou a festa dos balanços [?] no 14 de abril, que ainda estava em vigor segundo o antigo calendário da velha pátria (quarta-feira da semana santa). Ao redor da residência, junto à casa da família Grauzis onde [o pastor Inkis] se hospedava, foram se chegando na escuridão noturna, em passos silenciosos, grande parte dos habitantes da colônia.

Uma profunda paz noturna cobre toda paisagem. De repente luzes são acesas e um potente coral masculino irrompe com o hino: “Jeová, Jeová”, vibrando frente à porta da casa e ecoando pelo vale afora. Ao mesmo tempo mãos ágeis prendem e penduram arranjos florais e palmas nas portas e ao redor da residência do homenageado. Após este cântico ainda canta um coro misto. Então sai da sala aquele que foi acordado. Cumprimentos. Os cantores e os dirigentes da igreja entram na sala, enquanto os outros participantes silenciosamente se retiram para as suas casa para continuar o repouso. Na sala persiste um silêncio e uma expectativa, como que um estivesse esperando pelo outro ou que viria depois. O pastor Inkis tenta quebrar o silêncio contando um fato que acontecera em um culto “quaker” no qual reinava um silêncio como o daquele momento. Chegados e assentados aguardavam que surgisse uma palavra, mas ninguém parecia inspirado. Longo e interminável silêncio.

Então uma menina levanta-se, e na sua voz infantil teria dito:

— Pois eu acho que nós todos devíamos mais e mais amar o Senhor Jesus.

Foi como se tivessem sido abertas as comportas. Para muitos surgiram motivos para testemunhar do amor de Jesus, e também começou a desenrolar-se o nosso novelo com conversas e hinos. É aniversário, então também há presentes. F. Karps entrega ao obreiro, como presente, uma quantia em dinheiro. Após examinar ele diz:

— Realmente é um presente pesado.

Em seguida recebeu presentes de outras pessoas, depois mais hinos e palavras amáveis. Entre outras coisas, diz o pastor Inkis:

— Pois quando fui dormir ontem (era madrugada), estava sem sono e notei como os cães da colônia latiam mais do que em outras ocasiões. Agora entendo porque. Completei os 26 anos de idade e estou entrando para os 27, e o ano que tenho passado em Rio Novo posso contar entre os mais felizes da minha vida.

Já estava clareando o dia quando nos retiramos, os corações cheios de alegria.

Um belo dia o Sr. Staviarski, diretor da Empresa Colonizadora, enquanto atravessava a colônia de Rio Novo, parou em casa de colonos letos para descansar e tomar um café. Foi ali surpreendido por um grupo de crianças da colônia, orientadas pelo pastor Inkis, que o saudaram com um pequeno hino, “De todo nosso coração, nós saudamos tão caro hóspede, nossos olhos brilham, nossa alegria é real”, e em seguida “Ajuda-nos a cuidar dos pequenos.” Em seguida uma menina lhe entregou um livro de encadernação dourada — “A Terra em que Jesus andara”, em língua alemã, que ele conhecia perfeitamente. Seguiu-se a petição das crianças: que o senhor diretor tomasse as providências para doação de uma gleba de terra no meio da Colônia para que fosse possível ser construída uma escola para elas…

Durante este período houve diversos batismos, que foram festas de muita alegria tanto aqui na terra como no céu. O período de trabalho do pastor Inkis foi um santo tempo, pleno de alegria e crescimento espiritual. Não faltaram momentos de alegria e de descontração, mas também os de firmeza e determinação. Sempre ao lado da verdade e da justiça, ajudava os doentes com conselhos médicos e medicamentos, e sempre compartilhava com os sentimentos tantos os alegres como os de tristeza. Provocava um clima de boa vontade geral; por exemplo, a família Ochs veio ao encontro da necessidade da igreja hospedando o pastor por 6 meses e, em seguida, mais outros 6 meses foram passados na casa dos Grauzis nas mesmas condições.

Depois ter passado um ano em Rio Novo o pastor Inkis tomou o rumo do Rio Grande do Sul, a fim de visitar a colônia leta de Ijuí. No dia da despedida houve uma grande festa na casa dos Ochs, um verdadeiro banquete. O desenvolvimento espiritual, cultural e mesmo financeiro da colônia estava em seus e nossos futuros planos. Em vão ainda tentamos alcançar, mas foi inútil. Não haverá mais…

Depois que o pastor Inkis voltou a Riga nos visitaram em Rio Novo os irmãos missionários americanos do Rio de Janeiro, W.B. Bagby e o Dr. Donan, ambos pioneiros do trabalho batista naquela cidade [Nota de J. Inkis: De minha parte devo informar que as notícias sobre os batistas letos de Rio Novo e sua localização foram cedidos por mim a esses missionários americanos. Quando da minha volta para a Europa fiquei retido uma semana no Rio de Janeiro, capital da República. Ali consegui encontrar uma igreja batista, que em 1899 era ainda a única em toda cidade, e onde também encontrei o missionário que desta pequena igreja era o fundador e pastor. Como vimos, este não planejado atraso proporcionou um encontro que foi fundamental para despertar no missionário o desejo conhecer a igreja do Rio Novo].

O missionário Bagby pregava e cantava sinceramente e poderosamente. Donan falava mais devagar mas, como de profissão era médico, ajudava os doentes e necessitados. Ambos gostaram muito da colônia e adjacências e disseram que o pastor Inkis deveria voltar a este lugar e trabalhar no evangelismo [Nota de J. Inkis: Esta palavra amiga dos missionários se cumpre como profecia 20 anos depois em outra localidade e em outras circunstâncias. Não foi muita vantagem para a igreja de Rio Novo, a não ser o desenvolvimento da literatura evangélica em língua leta, agora mais abundante e de fácil aquisição por ser produzida aqui mesmo no país (Varpa, SP)].

Como inesperado hóspede numa manhã de domingo visitou a igreja de Rio Novo o pastor luterano e nos apresentou em língua alemã um sermão sobre o homem rico e o pobre Lázaro.

F I M

Juris Frischembruders

Texto de Juris Frischembruders com prefácio de Janis Inkis. Publicado na Revista “Kristigs Draugs” (O Amigo Cristão) números 09, 10 e 11 nos meses de setembro, outubro e novembro de 1940.

Leia também:
1. Breve História da Igreja Batista Leta do Rio Novo, primeira parte
2. Breve História da Igreja Batista Leta do Rio Novo, segunda parte