Os olhos dos rapazes estão muito brancos | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 24 de junho [de 1917]

Querido Reini,

Primeiramente te mando muitas lembranças. Na sexta-feira passada, 22 de junho, recebemos a tua carta, escrita para a mamãe no dia 6 de junho, e um jornal, que tinha dentro uma cartinha para mim. Aqueles dois jornais eu recebi na outra semana. Não sei porque você não recebe as nossas cartas, pois faz um mês que mandei um envelope cheio de papéis, inclusive um papelzinho verde.

Nós aqui estamos passando bem, todos com saúde. Nenhum de nós está doente, com exceção de alguma tosse ou de algum resfriado, mas isso é normal porque estamos no inverno.

O tempo está límpido, seco e frio. Não consigo me lembrar de um inverno com tantos dias secos como este ano. Você se lembra do ano passado e do retrasado? O tempo era molhado, as estradas um verdadeiro lamaçal, e quando a noite era limpa de manhã chovia… Este ano está muito diferente. O tempo sempre é limpo e bom e todas manhãs tem geadas um tanto diferentes: lá na Igreja e nos Butler está branco e aqui em nossa casa não tem nada, pois não geou ainda e está tudo verde. Passa mais de uma semana com tempo bom e nas mudanças de lua fica nublado, mas não chove. Ontem foi a noite de São João, apareceram grandes nuvens e pensei que à noite fosse chover, mas hoje de manhã não tem mais nuvem nenhuma. Não sei se foram para o espaço ou entraram para dentro da terra.

As estradas estão secas e a gente pode ir a Orleans sem lama nenhuma. Até a nossa estrada através da mata virgem, até a Bukovina, está seca.

Estamos colhendo milho e jogando no paiol: já colocamos umas 50 cargas, Poderíamos ter trazido mais, mas a Marsa ficou doente e a Zebra manca, e não tinham como trazer. Agora estão todas com saúde. Ao filhote da Marsa demos o nome de “Saturnina” e levamos para desmamar na casa do Grüntal, que agora mora com a Manin. Ele vendeu a colônia para um italiano vizinho do Leeknim por 5.000$00. Estamos mais uma vez de vizinho novo.

O feijão não batemos ainda, mas está todo arrancado. Limpos temos mais ou menos onze sacos, e quanto ainda vai dar [no total] não sei. O crescimento foi muito prejudicado pela falta de chuva, e também plantamos muito no tarde. O feijão agora está cotado a 10$000 por saco; semanas atrás valia até 14$000. Mas nos ainda não vendemos, porque os donos das vendas acham que ainda vai subir.

O toucinho com carne estão pagando a 10$000, e sem carne 11$000 a arroba. Os preços estão bons, mas o que a gente precisa comprar está muito caro. A farinha de trigo fina está a 40$000 a saca, e o açúcar em Orleans não é possível encontrar. Só no Pinho tem, mas é tão escuro que não dá para diferenciar do sabão preto e custa $700 o quilo. Valham-nos os céus!

Se tivéssemos mel para vender compradores é que não iriam faltar. Vendemos duas latas para o Zarin, duas para os Grikis e uma para o Vilis Balod por 9$500 a lata – e ainda temos muito, que comemos às colheradas. Açúcar não vai dar muito este ano,
pois a cana cresceu muito pouco este ano, devido ao tempo frio e seco.

Bem, agora vou dormir, pois já são 11h30 da noite. Amanhã eu continuo.

* * *

Bem, quanto ao [pessoal da igreja do] Rio Novo, a coisa é diferente. Você sabe como eles são intransigentes. Sem uma demanda eles não podem passar: quando terminam um caso, já tem dez esperando. Os cultos normais não levam mais de uma hora, mas quando têm a sessão de negócios, que começam logo depois do culto da manhã, mais ou menos as 11h30, eles vão até as 3 ou 4 da tarde. Em cada sessão os líderes reclamam “Pouco dinheiro em caixa, ninguém quer contribuir”. Você lembra que ano passado eles falavam grosso, dizendo que iam pagar 50$000 por mês para o pastor Butler? Agora tem gente que conta que ele não recebeu mais de 20$000, e este ano estão pagando só 12$000 por mês. Grande salário para o Doutor! Com esse dinheiro não dá para comprar nem a pimenta.

O Butler para o Rio de Janeiro não vai mais, porque o Inkis está na vaga que ele queria, e outra mais baixa ele não quer. O Butler agora está plantando um grande jardim na casa dele, com tudo cercado.

Na festa da Ascensão do Senhor na casa do Frischembruder houve a festa de noivado do Osvaldo e da Mille, que foram confirmados do púlpito. O casamento deverá ser na primavera, porque agora está tudo muito caro e dinheiro não há. Querem fazer festa, porque não querem ficar atrás do “Nepis” [Netemberg?].

Ontem voltando [da reunião da igreja de Rodeio do Assucar na casa] do Leiman tivemos a oportunidade de assistir uma cena inusitada: na estrada, na altura da casa dos Karklin, vinham ao nosso encontro, muito agarradinhos, a Lida e o Oskar [Karp], mas logo que nos viram se separaram. Como são crianças crescidas! O Oskar, depois disso, parecia que tinha levado uma surra. A senhora Karp diz que ele não gosta da Lida, mas ela é muito persistente e ele também não sabe dizer não, assim aceita que tudo venha para o bem.

Na nossa igreja nada de novo tem acontecido. Está tudo velho. Alguns domingos atrás o Arnolds, o Arthurs [Leiman] e os filhos do Match foram visitar o Onofre: saíram de madrugada e voltaram a noite.

No domingo passado consegui as fotografias dos músicos, que foi tirada no Natal passado, e também uma fotografia grande. Você sabe quem é o fotógrafo, que leva meio ano para aprontar as fotografias. São razoavelmente lindas, mas os olhos dos rapazes estão muito brancos.

Eu vou te mandar na próxima carta, provavelmente na próxima semana. Não posso mandar agora porque não tenho envelope grande em casa. Estes envelopes brancos são por demais pequenos. Mas porque o Jornal Batista chega em teu nome também? Estamos recebendo dois exemplares! Deve haver alguma coisa errada por aí.

Agora chega. Quando receber tua carta, volto a te escrever. Ainda muitas lembranças do Papai, da Mamãe, da Luzija e do Arthur.

Viva feliz e saudável!

Olga [Purim]



Papelzinho verde | Artur Purim a Reynaldo Purim

[Sem data, mas deve ser junho ou julho]

Querido Reini,

Recebi a tua carta. Muito obrigado. Vou contar mais alguma coisa.

Eu estou passando bem. O tempo está frio e seco. Nós arrancamos feijão e batemos, mas nem todas porque parte estão verdes. As que estão limpas devem dar uns quatro sacos. Agora em Orleans nem estão comprando feijão.

Semana passada fomos com o carro [de boi] do Bosi1 até a queimada da coivara2 nova e trouxemos madeiras para bancadas novas para as colméias. Quando vinha em terreno plano tudo bem, mas quando tinha subida o manhoso deitava e não queria puxar. Mas terminou acostumando.

Bem, por hoje chega, porque para eu escrever é um tanto difícil e quando aprender mais escrevo mais.

Ainda muitas lembranças,

Artur [Purim, na época com cerca de 12 anos de idade]

Neste envelope coloquei um papelzinho verde.

* * *

1 Bosi. Um dos bois que puxavam o carro. Estava ainda sendo domado.
2. Coivara. Derrubada de mata virgem ou capoeirão para novas culturas.

Cinco bois e cinco vacas | Artur Purim a Reynaldo Purim

[Sem data, mas deve ser junho ou julho]

Querido Reini,

A tua carta eu li sozinho, mas escrever não é tão fácil assim.

Eu vou muito bem. Passo o dia todo guiando os cavalos no transporte das espigas de milho. Na semana passada eu e o pai serramos umas toras para fazer tabuinhas, para [cobrir o] o abrigo das colméias das abelhas.

Fizemos, com ripas de palmito, uma cerca nova para o jardim das flores. Agora as galinhas não conseguem mais entrar. Você poderia mandar sementes de flores que aqui não existem. Aí tem flores? Aí você consegue laranjas para comer? Aqui temos muitas e fazemos “chupetas”1 todos dias.

A nossa vaca Magone [Papoula] tem um bezerro amarelo, e demos a ele o nome de “Trussi”. Agora temos cinco bois e cinco vacas.

Bem, por hoje chega. Com muitas lembranças,

Artur [Purim, na época com cerca de 12 anos de idade]

* * *

1. Chupeta. “Chupeta” é a forma de descascar a laranja deixando somente a parte branca e depois recortar um orifício na extremidade inferior, e por aí chupar todo o suco, esmagando com ambas as mãos.

O Jornal Batista nas cadeias | Lucia Purim a Reynaldo Purim

[Sem data, mas deve ser junho ou julho]

Querido Reini,

Recebi sua carta, pela qual fico muito grata. Estou passando bem.

Você pergunta se às quartas-feiras vou montada na Zebra até [a igreja reunida na casa d]os Leimann. Não vou com a Zebra, vou com a Marsa1 e só quando o tempo está bom e melhor, quando tem luar. Nessas noites lá a gente aprende a cantar em leto e em brasileiro.

Também na Escola Dominical a gente aprende a cantar, principalmente quando o Arthur [Leiman] está em casa – o que é muito difícil, pois ele sempre vai para a casa do Onofre no Rio Laranjeiras. Hoje mesmo ele não estava, pois tinha ido outra vez para o Laranjeiras, isso porquê o Roberto [Klavin] é um kranks. Noutros domingos vão os dois.

Nossa Escola Dominical vai mandar 10$000 para o Jornal Batista a fim de que ele seja enviado para as cadeias e os presos possam ler. No Rio Novo também tem ainda Escola Dominical, mas como eles estão indo não sei porque a Annite [“Aninha”] não vai mais.

Está na época de nos colhermos as espigas (colher milho) e este agora é o nosso principal trabalho. Na nossa nova coivara temos umas abóboras enormes, de seis palmos de comprimento, que eu nem consigo levantar. Logo vamos ter que colher feijão. Na semana passada fizemos um monjolo para fazer canjica e vai muito bem.

Trouxemos o Bosi para cá e vamos começar a domá-lo. Também trouxemos o outro boizinho dos Leiman. Por hoje chega, agora vou aguardar carta tua.

Você toca algum instrumento nos domingos à noite? O que você faz aos domingos e em que Escola Dominical você vai? Bem, lembranças minhas e do Artur, que também “imprimiu” uma carta para você que ele mandou junto com a da Olga.

Lúcia

* * *

1. Zebra e Marsa. Éguas.

Totalmente destruídas | Ludvig Rose a Reynaldo Purim

São Paulo, 1º de junho de 1917

Querido Reinold,

Envio-te um “vale postal” no valor de 50$00. Informe-se com pessoas corretas quanto à orientação para retirar o dinheiro nos correios.

Você me pergunta como estou passando em relação ao meu trabalho na imprensa. Nossas gráficas foram totalmente destruídas no dia 11 de abril e por isso o jornal não pôde mais sair. Faz seis semanas que estou fora de São Paulo, porquê a polícia me orientou ser melhor ficar um período fora do campo de visão – em outras palavras, sumir.

Agora pessoalmente nenhum perigo mais me ameaça, mas é realmente um período difícil, com as máquinas todas destruídas temos que providenciar novas. Esperamos dentro de poucas semanas poder voltar a circular. Até lá eu estou de férias. Passo sentado os longos dias inteiros e leio livros.

Com muitas lembranças de nós todos.

Ludwig Roze

P.S. Estou juntando alguns retratos de nossa redação após o ataque para você ver como ficou.