…quando estiver passando pelas antigas paragens por favor não passe de largo.| De F. Janowoski para Reynaldo Purim

Rio Branco 19 de novembro 1925
[Rio Branco ficava perto de Jacuassu, entre Massaranduba e Bananal]

Caro irmão Purin:
Que a Paz do Senhor seja contigo!
Já passou longo tempo que nada tenho escrito para você. Também nada mais de perto sei sobre a tua vida. Se continuas a estudar, se você ainda continuas ai no Rio para estabelecer ai a tua vida, ou vais escolher outras paragens para o seu campo de trabalho. “Se ainda nada tiver definido, então na qualidade de uma pessoa que o considera como inesquecível amigo gostaria de pedir: “Venha para Santa Catharina e ajude-nos” porque nós aqui em Santa Catarina não temos nenhum obreiro residente, mas” Os Campos estão Brancos para a ceifa”. Esta afirmação posso assegurar com experiências pessoais.
Agora eu sou membro da Igreja Batista Brasileira de Joinville. Ela é uma pequena e nova Igreja com os membros espalhados por todos os quatro ventos da terra. Mas ela é fogo e onde um membro é espalhado, lá surge um novo foco incendiando toda a sua área de influência. Nós já temos 6 Pontos de Pregação e onde na medida de nossas possibilidades nós nos esforçamos em visitar e apoiar. As pessoas estão abertas a freqüentar e ouvir com toda atenção e reverência a Boa Nova e em muitos corações tem sido abertos e a Palavra tem operado maravilhosamente. De todos os lados e cantos somos convidados com a maior insistência e esperados como os mensageiros de Boas Novas. Mas não há ninguém para ir. Não há ninguém para ser mandado. Esta situação oprime por demais o meu coração.
O Irmão Leimann na medida de suas possibilidades nos visita, mas ele esta por demais sobrecarregado de trabalho e com toda certeza podemos afirmar que ele é um lutador que trabalha por três. Diante destas circunstâncias nem sempre ele consegue nos visitar. Eu também de um modo ou de outro tento fazer alguma coisa, bem , mas você sabe , sou um machado não afiado. O que alguma coisa grande com isso poderá ser cortada?
Finalmente ao terminar quero pedir encarecidamente que quando o teu caminho estiver passando pelas antigas pegadas dirijam-se a estas paragens então, por favor, não passe de largo.
Por favor, mande o seu endereço atualizado.
Com fraternas saudações. Teu amigo
F Janowoski

Você não terá tempo para ler tão longa carta. | De Luzija Purim para Reynaldo Purim – 1924 –

Querido irmãozinho! Saudações!
A tua carta escrita no dia 4 de abril eu recebi no dia 20 e por ela muito obrigado. Eu queria e realmente comecei a responder esta carta na semana passada, mas como o Paps esta se aprontando para ir a cidade e ele disse que não queria levá-la a Estação da Estrada de Ferro, então eu parei de escrever, mesmo que novas notícias não havia. Também os jornais e “O Crisol” chegaram junto com a carta escrita no dia 18 de Abril com a carta dentro.

Nós estamos passando bem, se bem que somente o tempo está muito seco e muito frio. Na semana passada vieram grossas nuvens e na Terça feira choveu um pouquinho e nos outros dias ficou nublado, mas no Sábado de manhã começou a limpar e no Domingo pela manhã nas partes baixas já houve geada.

Nesta semana o tempo está tão limpo que nenhuma nuvenzinha pode ser vista no céu. Admiro que você diz que lá chove até demais e aqui para muita gente está faltando água e aqui para nós na calha corre pouquinho quase pingando e se para frente não chover ai na fonte nós realmente não teremos mais água. Todas as lavouras estão estorricadas e as laranjeiras estão perdendo as folhas. Aqui ainda choveu alguma coisinha então você precisa imaginar em Braço do Norte onde não choveu nada.

Na semana passada chegou o Karlis [Leiman] que veio de Mãe Luzia. Na Quinta feira teve culto em Orleans e na Sexta feira ele subiu para o Rio Novo. Foi para a casa do Zebergs [Os Zebergs moravam noutro vale a leste do Rio Novo] e ainda visitar outros e daí para o Rio Larangeiras e daí veio aqui em casa somente no Domingo pela manhã então devido ao pouco tempo não foi possível completar todos os assuntos em pauta.

O Stroberg também ainda não veio. Ele deverá vir junto com o Salit. É provável que amanhã chegue em Imbituba e aqui os Rio-novenses estão aprontando-se para fazer uma noite de festa de Recepção. Tem muita gente que ele chegue o mais breve possível, será que depois eles mesmos não farão todo possível para que ele vá embora?
No dia 29 de maio, dia da Ascensão do Senhor haverá uma festa da Escola Dominical e no dia 8 de junho nas Oitavas da Festa de Verão [Pentecostes] haverá nova festa de Músicas e Cantos da Mocidade então por esta você já está convidado e traga junto as Uniões de Mocidade e Coros de Jovens de lá.
O que eu esqueci de contar já antes que no dia 26 de março recebemos um telegrama do Augusto Adam contanto que no dia 3 de março o nosso “Grossfaters” [deve ser o Jehkabs Rose] faleceu e o telegrama foi expedito neste mesmo dia. Pela rapidez que veio esta mensagem você pode avaliar a eficiência das comunicações por aqui.

O Link está na Escola este ano? Aqui o Karlis contou que o Missionário Dunstan teria mandado uma carta queixa para o Seminário contra ele e para que não mais o aceite lá porque, ele teria feito uma campanha contra a Associação em Ijuí.
Bem desta vez chega de escrever. Você não terá tempo para ler tão longa carta. Também muitas lembranças do genro do farmacêutico, ele prometeu te escrever.

Mui amáveis lembranças de todos de casa. Pode ser que na próxima vez eles também escrevam. Escreva bastante para mim que ai eu escrevo bastante para você.
Luzija

[ATENÇÃO AMIGOS LEITORES DESTE BLOG : DEVIDO A NOSSA VIAGEM PARA O CONGRESSO DA ASSOCIAÇÂO BATISTA LETA NO BRASIL QUE ESTE ANO SERÁ NA CIDADE DE IJUÍ NO RIO GRANDE DO SUL HAVERÁ UMA BREVE PARADA NA APRESENTAÇÃO DE NOVAS MATÉRIAS. ATÉ IJUÍ PESSOAL]

Onde vais passar as férias?? | De Carlos Leiman para Reynaldo Purim – 1921

Castelo ES. 28 de Setembro de 1921

Querido Reynhold Saudações!

Atua carta recebi, obrigado. Obrigado pelas muitas novas notícias. Neste momento, esta nós visitando o Renno [Missionário Batista norte americano] e ele me informou alguma coisa de novo – do modo dele.

Tinha resolvido esperar que o assunto do local de minhas atividades futuras se desenrolasse devagar e naturalmente.

Então o Lupers me mandou uma carta propondo que eu vá para Laguna imediatamente e então respondi, sem hesitar que sim e continuei aguardando novas ordens.

Agora o Reno está me informando que o Lupers não pertence a Missão de Richmond [Missão Batista do Sul dos Estados Unidos caracterizada por ser mais ortodoxa] e sim a uma missão “Independente”. O que fazer agora? Escreva o que você sabe sobre isto.

O Penno vai para Florianópolis? A minha vida vai como de costume
.
Não chove há mais de seis meses. Tudo está seco e queima.

Onde vais passar as férias?
Sinceras lembranças do Carlos Leiman

Batismos no Laranjeiras e o Jornal da Moda | Olga Purim a Reynaldo Purim

Rio Novo, 15-4-17

Querido Reini,

Eu tua carta, que recebi 13 de abril, você reclama que não chega nenhuma carta. Naquele mesmo momento comprei um cartão postal e mandei naquele mesmo dia. Talvez a essa altura você já tenha recebido nossas cartas e esteja a par dos acontecimentos daqui. Mas, como temos coisas novas, vou contando.

Aqui vamos bem e saudáveis. O tempo agora é bom e o céu limpo. Faz mais de uma semana que não chove. Os dias de outono não são quentes e as manhãs são frescas e com neblina. Meu trabalho agora é colher milho, arrancar inhame, trazer para casa e engordar os porcos, porque o toucinho está com bom preço: 12$000 a arroba, e a banha 18$000 a arroba.

A Páscoa passou maravilhosa. A semana que antecedeu chovia muito, mas já na quinta feira limpou. No domingo de Páscoa fomos ao culto na casa dos Leimann. Como já tinha escrito, seria feita uma coleta para Missões Nacionais. A coleta rendeu 37$00, mais 10$00 da Escola Dominical e mais 5$00 da Sociedade Missionária.

Na segunda festa da Páscoa fazemos um grande viagem para Laranjeira (em português no original) para a festa de batismos. Na igreja1 tinham sido aceitos o Augusts Klavin, a Margrida (que não tinha sido batizada da outra vez porque o pai não tinha autorizado) e mais um candidato da igreja de Pedras Grandes.

A igreja decidiu que desta vez os batismos seriam no Rio Laranjeiras. O dia estava magnífico. De manhã cedo cavalgamos perto do Salto do Beker e entramos mata adentro. O caminho na mata estava muito lamacento; na subida do morro e também na descida a chuva abriu profundas valetas. O rio não estava muito cheio, mal chegou a água encostar na barriga da [égua] Zebra. Mas chegamos bem.

O povo tinha chegado de todas as partes, e muitos nunca tinham visto coisa igual. O Roberto já tinha vindo na primeira Festa [Domingo de Páscoa] à tarde e passado a noite. O candidato ao batismo morador em Pedras Grandes não veio, e não ficamos sabendo o motivo. Então o pai da Margrida mudou de idéia: não deixou que ela fosse batizada, porque os parentes vieram e encheram-lhe a cabeça, dizendo que se ela se batizasse nunca mais acharia um casamento, e a moça ficaria perdida para todos os tempos. Então ficou o Augusto sozinho.

Primeiro foi realizado um culto na casa de Cassiano, que estava quase pronta. Daí fomos a pé até o rio logo ali perto. O batismo foi realizado pelo Arthurs [Leimann]. O povo todo se comportou solenemente. Voltamos para a casa, onde houve outro culto, também dirigido pelo Arthurs. Tivemos bastante oportunidade de cantar com todo entusiasmo e alegria.

Agora começamos a nos preparar para o retorno para o lado de casa. Ainda fomos obsequiados com café, doces e bolos; cantamos o hino 36 de Cantor Cristão e então nos separamos. Na volta para casa o Robert [Klavin] nos guiou por outro caminho. Cavalgamos beirando o rio abaixo por um longo trecho, depois atravessamos e seguimos ainda mais um grande trecho rio abaixo; atravessamos a roça de um italiano e terminamos saindo na estrada do Rio Novo na altura, ou melhor, um pouco além da casa da filha do Klaumann.

Essa estrada era bem melhor, porquê não tinha morros para subir nem tanta lama. Para mim foi uma experiência muito interessante, pois havia muito o que ver, morros e grotas diferentes onde corria o rio de águas límpidas e transparentes.

Voltando para casa a cavalo éramos treze, como foi no Natal: Roberts, Arnolds, Juris, Augusts, Arthurs, Leimans, Emma, Lonija, Milda, Schenia [Eugenia], Luzija [Purim] e eu, e ainda Avelino e três dos Paegles. Chegamos em casa de noite todos saudáveis e felizes, pois apesar de tudo nenhum mal nos não aconteceu.

Assim passamos a Páscoa. E você, o que fez na Páscoa?

Nas oitavas da Páscoa o Artur Paegle casou-se com a Frida Hilbert, e quem deve estar com o chapéu cheio de felicidade é a Mille [Emilia Frischembruder, mas tarde casada com Osvaldo Auras]. Deu certo gosto nela, pois há tempos ele vinha dizendo que não gostava de baixinhas e gordas, e sim de moças lindas, e esta é. Mas sobra ainda um desastre, pois ele não fala alemão e ela não fala nem leto nem brasileiro. O que se espera é um novo idioma.

O Willis Paegle está muito doente: machucou-se levando uma forte pancada quando trabalhava na tafona, que o deixou desacordado por longo tempo. Chegaram a falar da necessidade de ser levado ao hospital, mas não sei se foi levado ou não.

Você pergunta se O. [Oskar Karp] vai ou não. É inútil você ficar esperando: ele não vai mais, porque a cauda está muito firmemente presa. Agora L. vai quase todo domingo junto de braço dado. Algumas pessoas dizem que brevemente será anunciado do púlpito. Então se apronte para o casamento, mas quando será ainda não, sei. Agora eu descobri que já há tempo ele não queria ir; só não queria contar a você, por isso vinha dizendo que iria. A senhora Karp lamenta que O. tenha deixado lá muitas roupas, dois cobertores, dois travesseiros, lençóis e fronhas e outras roupas às dúzias, que, com todo esse tempo, já devem ter crescido. Poderia por tudo isto no enxoval, mas agora o pobrezinho tem ficar sem enxoval.

Agora no Rio Novo tem sido feita uma boa estrada. O imposto da fumaça não será mais necessário pagar, mas cada colono deverá dar uns dois ou três dias de trabalho para a manutenção da estrada. Agora a estrada daqui de casa até Orleans está boa, porque todos — italianos, letos e alemães — foram trabalhar enchendo valetas, consertando pontes e explodindo pedras. E por sorte, na época em que foi consertado não choveu e o caminho foi compactado, senão teriam se formado grandes lamaçais. Melhor é ir trabalhar e ter a estrada boa do que pagar 5$00 e a estrada continuar naquele péssimo estado.

No Rio Novo acho que não tem acontecido nada especial. Parece que eles não tiveram nenhuma festa de Páscoa porque grande parte acompanhou a caravana que foi a Mãe Luzia. Até o próprio [?] parece que também foi para arranjar uns genros, mas se conseguiu não sei.

Na semana passada chegou uma carta para você do Salomão [Ginsburg, diretor da Casa Publicadora Batista, editora do Jornal Batista], cobrando o Jornal. Você ainda não pagou? Ele oferece a condição de que quem pagar até fins de junho e mais 1$500 poderá receber o “Jornal da Moda” como cortesia. Eu te peço que aceites esta proposta e que a assinatura deste outro jornal também seja efetivada; para tanto, quando mandarmos dinheiro, mandaremos mais o correspondente a essas despesas. Você consegue ler o Jornal? Gostaríamos de continuar recebendo, porque assim nos consideramos grandes brasileiros.

Você mantém correspondência com Ludi [Ludvig Rose]? Nós lhe escrevemos mas não obtivemos resposta. E Karlis tem escrito para você? Depois que você foi embora não recebemos mais nenhuma notícia dele.

Penso que por hoje chega. Todas as coisas mais importantes daqui eu descrevi. Ouvi falar que o Brasil teria declarado guerra a Alemanha, mas não sei se é verdade, porque aqui o povo basta ouvir falar para ir dizendo que é verdade.

Agora vou aguardar de você uma longa e completa carta. – Ainda, muito sinceras e profundas saudações do papai, da mamãe, da Lúcia [Purim] e do Artur [Otto Purim]. Viva saudável, alegre e feliz.

Sua Olga

* * *

1. Na igreja. Naquela época havia em Orleans duas igrejas batistas: uma, mais antiga, no Rio Novo propriamente dito, junto à escola, e outra na cidade de Orleans, resultado de uma separação da igreja de Rio Novo no tempo que o pastor Carlos Leimann era seu líder. Carlos Leimann seguiu pastoreando a igreja em Orleans, que tinha pelo menos duas congregações filiais: uma em Rio Laranjeiras e outra no Rodeio do Assucar, na casa dos Leimann. Era desta última que participavam os Purins e seus amigos que assinam as cartas. A igreja de Orleans (bem como seu ponto de pregação em Rodeio do Assucar) preocupava-se mais com a evangelização dos brasileiros do que a igreja em Rio Novo; aparentemente esse havia sido o motivo da divisão em primeiro lugar.

Uma falha no Novo Testamento | Robert Klavin a Reynaldo Purim

Antunes Braga1, 9 de abril de 1917

Querido amigo Reynold!

A tua carta escrita no dia 17 de março recebi no dia 4 de abril, pela qual agradeço. Desculpe não ter respondido antes.

No dia 1º de abril, domingo, estivemos em Orleans, e a igreja recebeu o meu irmão Augusto para o batismo. O empregado do Onofre disse que viria quando tivesse uma ocasião, mas como ele não veio a igreja decidiu dar oportunidade no dia do batismo: se ele viesse, seria chamado para a profissão de fé. A Margarida não foi chamada, pois já tinha sido aprovada em 1915. A igreja determinou para 9 de abril a data dos batismos no [Rio] Laranjeiras, junto à casa do Caciano de Medeiros e, como pastor para efetuar os batismos, o Artur Leiman.

Depois chegou um recado do Onofre, dizendo que o empregado dele não estaria nesse dia no Rio Laranjeiras. Na Sexta-Feira Santa fomos eu e o Artur Leiman solicitar autorização do Caciano de Medeiros para usar a propriedade dele para esse fim, se bem que de antemão tínhamos certeza de sua aquiescência. Também precisávamos providenciar um lanche para os visitantes que viessem de outras localidades. Tudo foi acertado, inclusive o abrigo para a troca de roupas.

Também começaram as dificuldades com o pai e a mãe da Margarida, que não queriam que ela se batizasse, mas ele ia decidir até sábado.

Viemos para casa e paramos nos Leiman para o culto, agora com novas reformas que acabaram de ser implantadas: uma é que a leitura bíblica é feita em português. Em seguida é feito um ditado para fixação do texto, e somente depois é estudada a lição.

[Ali] também o Artur contou os problemas com a Margarida e outros de Rio Larangeiras. A Sra. Kolegene achou que isso representava uma reclamação, e entendeu que diante das dificuldades de acesso deveriam abandonar este trabalho — idéia esta que foi refutada por todos, principalmente pelo grupo de voluntários, que não medem esforços para estar sempre lá.Pedro, o alemão, tinha encontrado uma falha no Novo Testamento.

No domingo pela manhã, depois das atividades normais da igreja, fui para o Rio Laranjeiras terminar de cuidar das providências para as atividades do dia seguinte. Ali contaram que o tal Pedro, o alemão, tinha encontrado um erro, uma falha no Novo Testamento: haveria uma passagem sobre dois irmãos que viviam em determinado lugar; um dele teria atravessado três colunas de fogo e ido para o céu, e como nada lá fosse bom, teria voltado e dito ao outro irmão que para o céu nunca fosse.

O Caciano então me perguntou se eu sabia ler em alemão e eu disse que sabia, se bem que não muito bem. O Caciano determinou que o Pedro viesse e trouxesse o seu Novo Testamento em alemão: ele veio todo prosa, e quando foi pedido que mostrasse o trecho mencionado ele levou um tempo imenso e apresentou um trecho que nada tinha daquilo que ele tinha falado. Li em alemão, traduzi e depois li o mesmo trecho em português: ficou comprovado que ele tinha inventado toda a história.

Depois que o Caciano deu um apertão ele disse que achava então que tinha lido no Cantor Christão. Depois ele procurou outra passagem; quando eu li e provei que nada do que ele falou havia nesta passagem, o Caciano entrou diplomaticamente no assunto, solicitando que ele estudasse direito e em outra oportunidade continuariam os esclarecimentos.

À tarde fui aos Paegles visitar o Willis, que teve um acidente mas agora já está andando. Ele estava trabalhando na atafona [engenho de farinha] e chegou perto da roda dentada; nem ele sabe como, mas bateu a cabeça com uma violência tal que ficou desacordado e assim ficou várias horas. Quando voltou a si estava todo ensangüentado, com o carretel dentado caído junto dele. Sangrava pelos ouvidos e tinha alguns dentes quebrados, e junto dele os eixos e as rodas giravam a toda velocidade. Assim mesmo sangrando ele foi fechar a água para parar a roda d’água, e depois foi se arrastando até a casa. Por vários dias continuou sangrando pelos ouvidos; nos primeiros dias ele se alimentou somente de leite e hoje está ainda com um dente quebrado e outro deslocado, e a cabeça toda inchada.

Dos Paegles fui de volta para o Rio Laranjeiras e pousei na casa do Caciano, para no dia seguinte aguardar os convidados e visitantes de Rodeio do Assucar e outros. Lá pelas 10 ½ da manhã começaram a chegar os brasileiros da localidade, e um pouco mais tarde chegaram os mesmos que tinham estado no Natal, com exceção do Wilis Slegmann que desta vez não veio.

Atravessaram os morros, enfiando-se por caminhos quase fechados pelo mato para chegar até o Rio Laranjeiras.

No domingo o pai da Margarida não apareceu, mas disseram que ele estava firme no “não” para que a filha não se batizasse. Logo chegou a hora dos batismos: depois de um culto na casa de Caciano nos dirigimos para o local junto ao rio. Ali, depois de cantados diversos hinos e lidos um trecho da Bíblia e uma dissertação pelo Artur sobre o batismo bíblico, foi batizado o candidato. Ambas as margens estavam cheias de gente, que se comportou dignamente — e, sendo assim, não houve o mínimo incidente durante o evento.

Voltando para casa do Caciano ainda cantamos diversos hinos, antes de tomarmos o caminho de casa.

Quanto à igreja, vai um tanto difícil, pois o Artur Paegle enamorou-se até as orelhas pela “calça larga” do Hilbert e a Margarida está apaixonada pelo alemão Pedro. Para nós é um tanto complicado administrar essa situação; o que a Igreja determinará neste caso, não sei.

Quanto ao Rodeio do Assucar2, vai tudo a mesma coisa. O Arturs [Leimann] ainda está em casa, e se ele vai embora não sei. Muita gente está fazendo tudo para que ele não se vá.

Quanto à igreja de Rio Novo, não sei como está. A estrada desde a Canela3 até Orleans, que estava muito ruim, foi totalmente consertada pelos rionovenses.

Quanto a tua saída daqui, não sei se alguém se alegrou. Se isso aconteceu, não fiquei sabendo.

Bem, por hoje chega. Escreva logo que puder. Lembranças de meus pais e finalmente as minhas.

Teu amigo Roberts [Klavin]

* * *

1. A “Linha Antunes Braga”, onde moravam os Klavin, ficava mais ou menos um quilômetro adiante da casa dos Leimann no Rodeio do Assúcar. Esta “Linha” ficava já na vertente que tende para Grão Pará e Braço do Norte. O forte da colonização dessa localidade era polonesa. Mais precisamente seria a “Alta Linha Antunes Braga”, que também fazia parte da microbacia da Invernada.
2. Rodeio do Assucar é um pequeno vale onde passava a antiga estrada de Imaruí, que tomava o rumo da serra. Nos lugares limpos, como nos pastos, até há pouco tempo viam-se marcas profundas características, formadas pelas pegadas das mulas. Devia haver variantes mais antigas, pois os Klavin encontraram na propriedade deles, que fica bem mais adiante na Invernada, as mesmas trilhas profundas, mas já com perobas crescendo – e pela contagem dos anéis concêntricos foi confirmado que este caminho, naquele lugar e naquela época já tinha sido abandonado há mais de 80 anos. Lendas dizem que era um pouso das tropas que transportavam charque e outros produtos serra abaixo e que levavam sal, ferragens e açúcar para o planalto. Neste lugar uma das tropas teria sofrido um ataque dos índios, e muito açúcar teria ficado esparramado. Há também lendas sobre uma bruaca cheia de ouro, pertencente a Anita Garibaldi, que teria sido enterrada em suas margens, durante sua fuga de Laguna para Curitibanos. Outra versão diz que, por falta de uma ferramenta própria, como uma pá, Anita teria afundado o tesouro num banhado. Rodeio do Assucar é também o nome de um pequeno rio, onde os Leiman tinham um engenho de farinha de mandioca. Esse rio, juntando-se ao rio do Rodeio das Antas e ao rio Carlota, forma o rio Barracão.
3. Canela, encruzilhada no final do vale do Rio Novo. Neste ponto a estrada se dividia, indo à esquerda para Coxia Seca e Brusque, à direita para Rio Carlota, Rodeio do Assucar, Barracão, etc.