Das distantes Colônias de além mar- História de Rio Novo e Rio Carlota- Por Ludwig R. Rose

Das duas longínquas Colônias das Terras Além-Mar

Escrito por Ludwig Reinaldo Rose

Publicado no Jornal “Austrums “ do segundo Semestre de 1897
Nº 8 – páginas 644 a 646
Sobre as Colônias de Rio Novo e Rio Carlota da Cia. De Colonização Grão Pará.

Traduzido para o Português por
Viganth Arvido Purim

Material gentilmente cedido pela Senhora Brigita Tamuza
de Riga na Letônia

Os primeiros Letos que aqui chegaram em 1889, foram 6 famílias.
Naquela ocasião algumas famílias brasileiras tinham se mudado de localidade e ai chegaram estas famílias letas e ficaram com os terrenos com parte da mata virgem já derrubada e pastos para animais prontos e melhor com casas de pau a pique prontas para entrarem e morarem nelas.

Ai eles viveram dois longos anos sem nenhuma esperança, longe da pátria e dos conhecidos.
Depois destes dois anos chegaram de Riga mais cinco famílias. Mata desbravada já não tinha mais e então por isso tiveram enfrentar a mata virgem e começar a luta para derrubar os imensos troncos da floresta. Destes recém-chegados a maioria eram crentes da Igreja Batista. Estes aos domingos se reuniam para ler a Palavra de Deus. Mas nem assim a sensação de estarem retirados da civilização deixava de persistir. A densa floresta impedia uma visão mais larga. Cada colono estava com a visão impedida pela densa mata e assim nem as outras habitações não conseguiam enxergar.

No mês de Dezembro de 1891 chegaram do Báltico mais trinta famílias. Para estes no Rio Novo faltou espaço e então tiveram que enfrentar mais fundo na mata e ai fundaram uma colônia que chamaram de Rio Carlota.
O primeiro mal para os novos colonizadores nesta nova Colônia foi deixado pela própria natureza. O pequeno rio em que todos os terrenos tinham que abastecer e atender os seus rebanhos era muito cheio de curvas. O agrimensor que fizera as medições diante da dificuldade de usar a bússola. Ele o agrimensor parece que invés de usar o instrumento deixou-se basear os seus cálculos pela corrente do riacho. Por isso alguns terrenos junto ao riacho ficaram muito estreitos. E ninguém se conformava de ter um espaço pequeno para chegar à água. Ai começaram as demandas sobre este assunto. Nenhum outro problema surgiu, pois a Cia Colonizadora que deu as passagens para a longa viagem dava também os suprimentos e as ferramentas de trabalho.

Os Batistas, eles que tão logo cada um construiu a sua cabana, logo se ajuntaram para levantar o primeiro templo para louvar a Deus. Este era com a armação de madeira e a cobertura e as paredes feitas com as folhas de palmeira uricana. Levaram dois dias para fazer a estrutura, telhado, paredes, bancos e o púlpito enfim tudo que se fazia necessário para que fosse para uma igreja. Isso foi a 20 de março de 1892. De toda irmãos e irmãs que tinham vindo de diversas partes da Letônia fundaram uma Igreja liderada por um só dirigente e quatro auxiliares representando as Igrejas de onde eles tinham vindo. As reuniões, melhor os cultos eram dirigidos por eles alternadamente. Também organizaram dois coros, um do Rio Novo e outro do pessoal de Rio Carlota.
Estes também se apresentavam alternadamente após a Leitura da Palavra de Deus. As pessoas antigas sempre diziam que dois gatos ou dois patrões em um só ambiente ou em uma casa terminariam não dando certo, mas isso não pode ser dito de nossos regentes dos corais, pois eles se dão e muito bem. Organizaram também uma Escola Bíblica Dominical que no começo teve um rápido desenvolvimento. Mas aos poucos começou a diminuir chegando quase a desaparecer. Mas a direção e os professores reagiram e agora depois de dias nebulosos está crescendo novamente apresentando flores multicoloridas. Frutos ainda não surgiram, mas estamos certos que no tempo certo vão aparecer. Nas Oitavas de Natal as crianças ficaram felizes com um pinheirinho iluminado para a Festa delas que foi cortado nas redondezas do templo onde existe grande número deles.

A Sociedade das Jovens da Igreja se reuniram em uma associação cujo objetivo era trabalhar para apoiar os trabalhos de Missões. Elas costuram e bordam diversas peças de roupas que depois são vendidas em rifas e leilões e cujo valor é revertido para missões. O número de sócias da sociedade tem se alterado algumas vezes diminuído e logo depois aumentado. Por ocasião da Festa de São João as sócias organizam uma grande festa com poesias, discursos por parte da Sociedade, Os coros da Igreja apoiam com hinos e outros mesmo não sendo da Sociedade conforme a vontade em seu coração podem apresentar e usar da palavra. Assim sendo estas festas tem se apresentado grandiosas.

Ai vem a Sociedade dos Jovens. Apesar de o objetivo ser o mesmo da Sociedade das Jovens e algum esforço não conseguiram grandes resultados. Agora parecem que estão pendurados pelos fios dos cabelos.

A maior delas é a Sociedade Missionária que tem por objetivo doar o dinheiro de sua carteira como ajuda para missões e também com a esperança que quando vier um pastor para igreja local ter dinheiro guardado para as despesas e o seu sustento. Esta Sociedade também trabalha com distribuição de folhetos evangelísticos em línguas alemã, português e italiano. Os italianos estão proibidos pelos lideres religiosos ter qualquer contacto com os protestantes e por isso não aceitam qualquer tratado desta espécie. Mas os participantes da Sociedade espalham estes folhetos pelas estradas onde os italianos passam. Esta Sociedade por ocasião do Ano Novo organiza grande festa.

Igual as acima descritas existe uma organização que ninguém de fora sabe quando foi organizada, que é o seu dirigente, pois ela funciona secretamente. Ela publica exemplares de noticiário com folhas que no seu conteúdo pode haver desde cumprimentos a qualquer outra sociedade como também pode haver criticas severas. Dentre a maioria de partes humorísticas aparecem exemplares com linguagem séria onde é admoestada a necessidade de avaliar a sua vida e seu comportamento lembrando o Dia do Juízo Final quando cada um terá que prestar contas de suas obras. Esta sociedade trabalha secretamente, mas as suas obras ela apresenta publicamente.

Todas estas organizações, menos a última são ligadas ao tronco principal que é a Igreja Batista Leta de Rio Novo.
No princípio o número de membros crescia por mais batismos e por pessoas que chegavam da Letônia e muito poucas pessoas saiam pelo mundo. Mas em 1896 tudo mudou. A imigração parou por falta de terras disponíveis e os batismos cessaram. Em lugar vieram as declinações: “Eu declino de ser membro da Igreja porque vós não estais vivendo como deve um crente em Jesus” e com estas palavras mais pessoas saíram para fundar uma pequena igrejinha especial onde são poucos os membros, mas entre eles pelo menos até agora impera boa vontade que na Igreja grande faltava.
Assim foi o crescimento espiritual que brotou e o tempo das flores já passou e o amarelo outono se aproxima.

Agora vamos avaliar o crescimento da vida física e econômica.
No mês de maio de 1892 os colonos começaram a dura luta para a derrubada de árvores imensas e centenárias ou com milhares de anos que enfeitavam o relevo acidentado do Brasil.

É bem provável que na mente de algum atencioso leitor a seguinte pergunta: Estes que emigraram conseguiram o que queriam ou esperavam?
Depende do que cada um esperava. Quem esperava o Paraíso ou o Shangrilla não poderia esperar nada pior. Mas aqueles que esperavam trabalho e dificuldades estes não erraram em nada, é preciso dizer por que trabalho existe e suficiente. Alguns não gostaram do relevo acidentado e foram tentar a vida na Província do Rio Grande do Sul. Mas nada. É totalmente inútil procurar as planícies do Báltico no relevo acidentado do Brasil, pois para cada ponto positivo logo se apresenta junto uma situação negativa. As pessoas que não aprenderam ter paciência nunca vão achar um lugar ideal para morar. Aqueles que esperavam encontrar laranjais na mata virgem sem necessidade de plantar e encontrar mercadorias baratas podem se sentir logrados, porque nada cresce sem plantar. Na Rússia o que eles queriam era trabalho. Se tivessem trabalho teriam pão, mas aqui que tem trabalho, eles querem viver como grandes senhores sem trabalhar.

A nossa principal mercadoria para venda vem da criação de porcos. Mas tem outras pessoas que tem outras atividades. Os Italianos que moram nas colônias vizinhas fabricam açúcar e farinha de mandioca. O maior inimigo da comercialização de mercadorias no Brasil é a ausência de estradas que a nós não afetam. Os ingleses na sua vontade de ganhar mercados construíram uma estrada de ferro com uma Estação onde tudo pode ser comprado e vendido para ser exportado para o porto.

Sobre os produtos da lavoura e pecuária não quero escrever nada porque dentro das possibilidades no menor tempo possível vou publicar um livro da nossa viagem pelo mar e nossa vida aqui. Muitos de vocês talvez tenham lido que aqui tudo é caro excetuando o que o colono produz. Mas não é realmente a realidade. Nesta cidadezinha próxima você pode vender de tudo e comprar de tudo também. Caro pode parecer se os mil réis do Brasil for comparado com o rublo russo. No volume maior ele o mil réis ele é considerado igual o rublo, mas na realidade ele perde uns 25 a 30 kopeikos. (..Preços, quanto o que custa)
Aqui no final vou colocar uma relação de preços de diversos produtos comercializados aqui.
Para nós custam:
1 potro 100, 150-500 milréis
1 Cavalo 40-200 mil réis
1 Vaca leiteira 70-120 mil réis
Toucinho (1 Arroba) 37.5libras 6-12 mil réis
Trigo turco (saco = 8 quartas* 5 mil réis
Feijão preto (saco) 13-23 mil réis
Farinha de Mandioca (saco) 5,00 mil réis
Farinha de trigo moída (saco) 17-23,00 mil reís
Manteiga (quilo) 1.100 réis
Ovos (dúzia) 300-400 réis
As roupas custam dependendo do tecido e qualidade
Desde 800 réis a 15 mil reis o metro.
Assim são os preços médios para nós aqui. De outros recantos do Brasil não saberia dizer.
F I M

• Quando menciona a capacidade do saco ele explica que o saco na Letônia chamado “puhra” tinha 6 quartas.

O FEITICEIRO | POR VILLIS LEIMANN

O FEITICEIRO

Escrito por Willis Leimanis

Traduzido do Leto por Julio Andermann

Revisado: Viganth Arvido Purim

Há 70 anos, próximo da estrada de rodagem que seguia para o Leste, pela margem esquerda do rio Dvina [Daugava], na Letônia, a primeira casa que era visível acerca da metade do caminho foi a suntuosa edificação branca da Taberna de Pedra e continuando o caminho, construída em tijolos vermelhos, a Tasca [Também taberna] do Silo.

Continuando, por esta mesma estrada aparecia, em sequencia, a casa do Didemo e o lar dos Russinhos, que se compunha de várias casinhas, assim chamada por que foram doadas pelo Tzar da Rússia, junto com um pedacinho de terra, como preço [Prêmio] a soldados que haviam servido a Coroa por mais de 25 anos.

Deste conjunto de habitações, cruzando a estrada, por um caminho secundário se chegava à casa dos Pliko. O seu proprietário era agricultor e guarda de florestas, que eram entremeadas por charcos.

Ali também nascia o rio Ezerva, afluente do Dvina. Ignoro se aquelas florestas pertenciam a Coroa ou a algum latifundiário abandonado.
Estas são as lembranças de um menino que tinha 4 anos, que hoje está com 74 lamentando a falta de oportunidade de visitar este cenário e rever como ele está hoje. Ao lado da casa do Pliko, próximo à represa, em condições de muita pobreza, habitava a família Leiman que era constituída dos pais, avô paterno e 3 garotos. O pai da família ganhava a vida como serrador de taboas e dormentes – quando e onde pudesse encontrar o trabalho escasso e mal remunerado – sem qualquer esperança no futuro.

Corriam notícias de que no Brasil era possível comprar terras e que as Empresas de Colonização financiavam a viagem e o assentamento.
Nas casinhas dos Russinhos morava a família de Pliederis e Rudzi [Deve ser Rudzit] que também levavam uma vida miserável. Não me lembro do número de quantas pessoas eram, mas sei que o meu pai combinou com eles que iria procurar um caminho que todos conduzissem ao Brasil.

No fim da última década do século passado, emigrou a família do Leimanis (comigo entre eles); junto com o pai e filhos dos Pleederis [a pronúncia é “Pliederis”.] ficando a mãe e a filha para virem, em outro grupo, junto com o Rudzit, mais tarde. Depois de uma viagem de 8 semanas enfrentando desconforto e tempestades, a minha família estava nas matas virgens do Brasil no Estado de Santa Catarina.

Logo depois que o primeiro pedaço de terra estava preparado para o cultivo e a plantação começou a brotar, os Leiman, pai e filho, carregando o serrote, saíram à procura de trabalho.

Nas noites frias e chuvosas, os Pleederis vinham visitar a família Leiman, que sentados em volta de uma fogueira aconchegante, falavam sobre a Terra Natal distante, dos vizinhos que lá deixaram e também sobre acontecimentos sobrenaturais.

A senhora Leiman animava os filhos para que fossem dormir. Mas como? E estas estórias! Então contavam a respeito daquele fazendeiro que tinha um olhar azarado. Bastava ele olhar firme para um animal, para que ele em breve morresse. Até para os próprios cavalos evitava olhar e para isto, por traz do cocheiro, foi estendida uma cortina. Sim senhor – existe cada tipo!

No sótão de uma certa casa trabalhava um alfaiate, que era um agregado. Num dia, de manhã, exigiu da senhoria que imediatamente lhe servisse carne para comer. A dona da casa prometeu sacrificar um galo para lhe servir no almoço, mas o alfaiate insistiu, quero comer carne agora mesmo no desjejum. Inquieto se retirou da casa e logo depois o pastor de ovelhas ali próximo começou a gritar:
“Socorro, socorro, olha o lobo atacando o rebanho”.
Muita gente acudiu, mas o lobo já havia sumido deixando um carneiro com a garganta cortada. Logo depois, a dona da casa entrou outra vez na sala e observou restos de lã de carneiro nos dentes do alfaiate que tinha voltado. Então, ficou entendido que ele era um lobisomem.

Mas como isto pode acontecer? É muito simples, quem tem esta dupla natureza, quando quer rasteja por baixo de uma raiz de carvalho [Na nossa infância em Rio Novo Orleans também eram contadas estórias deste gênero com a diferença que seria necessário passar três vezes. Nós crianças fazíamos experiências com raízes de figueiras, embauvas etc. ficando decepcionados por não acontecer nada] – torna-se lobo – rasteja de volta – é outra vez homem com dantes. É por esta razão que um lobo deste tipo, não se consegue capturar nem mesmo com auxílio de cachorros.

Mas tudo isto não é nada. Vocês já ouviram falar daquele sujeito que carregava no bolso aquele rublo de prata encantado do diabo? É… com este rublo de prata ele podia comprar tudo que desejasse, mas depois quando o vendedor dava o troco, grachos e copecos, [Moedas divisionárias do rublo que eram a moeda oficial do Império Russo da qual a Letônia na época era uma simples província].
ao sair da venda, o rublo de prata estava outra vez no seu bolso. Quando chegou a hora da morte por causa da sua velhice, surgiram as dificuldades; ele não conseguia expirar. Sua agonia demorou um dia e meio, por que a alma não queria se separar do corpo. Então começou a inchar, ficando tão inflado que as suas roupas ficaram apertadas. Era terrível ver a agonia daquele homem que ficou tão estufado que acabou explodindo com um grande estrondo que quebrou as vidraças da casa e da vizinhança. Mas quando foram examinar os seus restos mortais espalhados por todo lado, verificaram que tudo cheirava a enxofre, sendo obrigados a chamar o padre para defumar tudo com incenso.
Onde ficou o rublo de prata? Não se sabe, por que qualquer um que o quisesse gastar teria primeiro de fazer o juramento ao diabo, e recitar os seus mandamentos.
Agora no Brasil.
Lá no meio da mata virgem onde ainda se ouvia os uivos de animais selvagens notívagos no escuro inescrutável, nos os adolescentes, tremendo de medo, se achegavam mais ao lume de lenha, o queixo tremendo e os dentes batendo e depois que foram dormir, o menino menor vítima de um pesadelo, acordou gritando, então a senhora Leiman concluiu que este tipo de estória era imprópria para auditório de menores; com o que não concordavam os garotos sequiosos de ouvir novidades tão escassas no local.

O jovem Pleederis veio nos visitar para solicitar da senhora Leiman uma opinião sobre as moças da colônia. Disse que estava pensando em se casar para constituir família, mas ela respondeu que, neste momento, isto era desaconselhável, por que a sua mãe e as irmãs, ainda não haviam chegado ao Brasil.
Os Pleederis e Leiman falavam o idioma Letão com a pronúncia do interior, quase com sotaque de caipiras, enquanto a maioria dos colonos da redondeza era oriunda dos arredores de Riga e caçoavam deste modo de falar. Mas o jovem Pleederis estava decidido a procurar uma noiva e quando há força de vontade, abre-se o caminho como diz o poema Kr. Waldemar [Karlis Waldemar – famoso poeta leto] que talvez ele não tivesse cultura para conhecer:
“Quem tem vontade e a mente forte,
Não temerá o percurso,
Vencendo florestas e muros fortes.
Abrirá o seu caminho”.
E, assim o Pleederis, resoluto começou a abrir o caminho em busca de uma moça para se casar.

Na Colônia Letã os livros no idioma pátrio eram escassos, a não contar a Bíblia e os hinários das igrejas. As famílias que tinham trazido livros de literatura emprestavam-nos aos vizinhos num intercâmbio, como também a outras pessoas que os desejassem ler.
Ficará em segredo o nome do proprietário que possuía o “Livro dos Noivos” que continha amostras e modelos de como escrever cartas de amor. De posse deste livro o Pleederis comprou papel de carta florido e deu início de elaborar cartas copiadas daquelas belas e amorosas sentenças insinuando amor, esperança e muitos outros sentimentos nobres.
Para entregar a correspondência a sua amada ele empregava aquela estratégia de emprestar e tomar emprestado livro, como era o costume, colocando a carta entre a capa e o título. Ele pegou o livro bem embrulhado e na reunião da Igreja no próximo domingo, na presença de senhoras e moças, aproxima-se da eleita do seu coração, devolve o volume e agradece a gentileza do empréstimo elogiando o seu conteúdo e pergunta se no próximo dia santificado, não lhe pode trazer um outro livro, acompanhando as palavras com aquele olhar furtivo que a moça entende imediatamente como um pedido de troca de correspondência.
Na Bíblia o Rei Salomão desaconselha a confiar em gente que se entreolha furtivamente; mas o que se pode esperar da decisão de uma moça inexperiente, cheia de paixão, embora ela tenha decorado o conteúdo do livro sagrado. Chegando em casa, sozinha e atenta, a eleita lê com agrado àquela carta escrita com aquelas palavras doces e enganosas que ele copiou do livro e o seu coração quase derrete esperançosa da felicidade.
Na vida monótona dos colonos que passavam os dias no trabalho pesado, tanto os homens como as mulheres, falta de recursos para pagar outras diversões, este era um momento fulgurante.
Finalmente as cartas acabavam marcando o encontro pessoal, que era um acontecimento difícil por que, durante o dia, todos trabalhavam na lavoura e a noite a família ficava reunida na pequena sala da primitiva habitação, até a hora de dormir, que tornava muito difícil manter o anonimato. Mas até para vencer este empecilho a “força de vontade” encontrou solução. Num breve diálogo com a sua eleita que tinha o nome de Ana, ficou combinado que este encontro se realizaria, numa manhã, na casa dos pais dela.
Enquanto todos trabalhavam na lavoura, ela encontrou uma razão plausível para dar uma chegada em casa. Absortos no namoro, os dois não notaram o tempo passar e eis que ouvem o alvoroço da família que estava voltando para o almoço. A única saída encontrada foi o Preedelis esconder-se num armário de roupas até que os comensais alimentados voltam para o trabalho vespertino, enquanto ele suava dos pés até a cabeça.
Este romance teve pouco tempo de duração. A Ana também tinha uma mente forte e afiada. Em breve ela verificou que o caráter do namorado não era bem aquele que transparecia nas cartas. Duro com duro não dá um bom muro e assim apareceu o desentendimento e o relacionamento acabou.

Mas o Pleederis não se deu por vencido e depois de algum tempo de espera, começou a agradar a outra moça. Mas também desta vez as mensagens daquelas cartas arrebatadoras, causaram boa impressão por pouco tempo e o resultado se repetiu, quando os namorados se aproximavam, num encontro pessoal, os rosados sonhos da noivinha se esmaeceram, deixando um coração ferido, humilhação e o amargor do engano.

O Pleederis tinha uma boa apresentação: a cabeleira avermelhada, bigodes, olhos da cor de azul celeste, face rosada, bem trajado até o ponto que isto era possível no meio da floresta; mas no seu relacionamento com outras pessoas, era desumano, empedernido e grosseiro com as palavras e na atitude. Quando procurava a noiva para se casar, não escondia a cobiça querendo saber quantos porcos, gado bovino e galinhas a noiva traria de dote e por causa destas exigências desmoronaram vários idílios.

Finalmente quando chegaram da Letônia a outra parte da família – a sua mãe e a irmã Elsa, se pode verificar que ele havia herdado a natureza da mãe. Esta senhora era rancorosa, ambiciosa, vingativa além de ter outros defeitos. Por motivos fúteis ela implicava com os vizinhos e num linguajar de caipira dizia: “Nunca, jamais, a minha Elise pensara em se casar com Frederico Leiman, [Fritz era irmão do Willis] porque nunca vou esquecer que sua mãe me xingava”, mas o máximo que a Sra. Leiman dissera para a Preedulis fora: “Você é fedorenta”.

Havia também uma diferença no modo de se expressarem, os colonos que vieram de Riga diziam: “Mas que rosa perfumada”, enquanto os caipiras diziam: “Esta rosa cheira bem”.

Mas na colônia as coisas se modificavam pela ação do tempo que se passava, a velha Pleeder de repente adoeceu e depois de alguns dias faleceu. Mais uma vez ficou comprovada a falta de sentimento no comportamento do filho. Mal o corpo da senhora chegou ao cemitério foi baixada a sepultura, e enquanto os assistentes ainda estavam rezando o “Pater Noster”, o jovem Pleederis jogou, com toda brutalidade, a terra em cima do caixão da mãe falecida, provocando aquele ruído seco de trovoada distante ao cair sobre a urna funerária, e embora esta gente tivesse acompanhado os outros enterros de patrícios falecidos anteriormente, nunca dantes se viu um procedimento tão irreverente. Meneando a cabeça alguns letões sentenciavam: “parece que este ato encerra alguma ciência oculta”.

A filha dos Pleederis, Elsa, viajou para a cidade a fim de servir como empregada doméstica e assim ganhar algum dinheiro, deixando o pai e o irmão sozinhos no sítio. O velho era um homem fraco. Já no primeiro ano de atividade, uma secreção leitosa de um cipó cortado, caiu num dos seus olhos que vazou. Portando uma barbicha e cabelos brancos, tendo as faces rosadas, ele deixava uma impressão estranha. Solitário, perambulando pelas estradas gesticulava ameaçadoramente. Falava sozinho e o que ele dizia, ninguém entendia nem mesmo os meninos adolescentes que se escondiam nas moitas da beira do caminho.

O jovem Pleederis continuou a perseguiu o casamento e quando ele estava bem humorado, se vangloriava, contando aos adolescentes as suas conquistas.

A estrada que cortava a colônia passava pelo terreno e perto da casa dos Leiman e o Frederico, já quase adulto, dizia caçoando como se fosse um diálogo, mas com a força da voz suficiente para ser ouvida pelo caminheiro: “Ele está febril e vai à consulta médica”. Diziam que outro costume que Pleederis tinha é que no meio da noite, para não levar um tombo ele andava com as pernas abertas. Sobre a estrada, em frente da casa dos Leimanis, passavam a noite, deitados os bovinos. Distraído ele acabou trepando no lombo de um novilho, que assustado levantou-se inesperadamente, com ele aboletado nas costas. Então o Pleederis escorregara ao solo, não se machucando, por milagre, por que caiu em cima de bosta ainda quente.

Já mencionei que ele gostava de andar bem trajado. Não tendo mulher em casa, ele próprio escovava, lavava e passava o seu traje. Certo dia com o ferro quente estava engomando a roupa, costume que adotara dos Letões de Riga. Inesperadamente os cães começaram a latir enquanto as galinhas cacarejavam. Correndo foi acudir as galinhas, por que um lagarto estava engolindo os pintos. Quando adultos estes animais mediam mais de um metro, pareciam crocodilos e não tinham medo de cachorros. Quando Pleederis se aproximou o lagarto fugiu o liberando para continuar o trabalho interrompido. Então viu que em vez de colocar o ferro sobre o suporte o havia deixado em cima da roupa, verificando que havia queimado nas calças um buraco do seu tamanho.

As calças ficaram inutilizadas e o usuário ficou muito zangado e ainda mais por que não tinha com quem desabafar, e por causa disto resolveu procurar outra vez uma esposa. Então ele se conscientizou que estava desmoralizado em toda a colônia em que morava [Rio Carlota] onde já não era mais levado a sério e se insistisse em alguma nova conquista, não teria êxito, por isso resolveu procurar a noiva em outro local, longe dos conhecidos.

Ausentou-se e por não ter amigos, ninguém percebeu, que durante algumas semanas, o Pleederis não fora visto, até que num dia, em que o seu pai, o velho Pleederis, foi procurar os vizinhos para pedir socorro a fim de capturar um leitão que havia fugido do chiqueiro. Mas onde estaria o filho? Viajou para o Rio Novo onde existia uma outra colônia Letã. Já muito antes de Marconi ter levantado o telégrafo sem fio, nas matas virgens entre as colônias se usava este meio de comunicação. Isto foi comprovado por que os comentários de um conglomerado eram ouvidos em outro e de forma exagerada. Logo que o pai havia deixado transparecer que o filho havia viajado, na outra ponta da linha todos já sabiam que ele fora contratar casamento.

As mais interessadas em espalhar notícias desabonadoras foram as suas ex-noivas. Algumas caçoavam, outras choramingavam, outras ficaram zangadas e mais alguma – por puro ciúme. Mas a despeito disto ele foi a Rio Novo e lá se casou.

Nesta colônia moravam os seus antigos conhecidos desde a terra natal, os Russinhos, que ele visitou para saudá-los e o encontro foi revestido de tanta alegria quanto pode haver quando se encontra um antigo vizinho numa reunião que acontece na terra estranha, embora nunca tivesse havia dum convívio assim tão amigável.

Quando o Pleederis falou de sua necessidade e solicitou do Russinho uma ajuda para encontrar a esposa, então o anfitrião indicou as famílias onde havia moças casadoiras e o convidou para ser o hóspede da sua casa. O Russinho nada sabia a respeito daqueles romances do seu hóspede; se tivesse conhecimento daquelas trapalhadas talvez teria convidado ele a se retirar da sua casa.

Ficou um tanto admirado por que o moço não era persistente na constância no relacionamento da namorada escolhida, não firmou com a primeira, nem a segunda, menos a terceira; até que visitou a família Salit, observou a Valentine e disse: “aquela me agrada” contratou casamento com ela e a trouxe para a sua casa.

Este acontecimento não despertou nenhuma curiosidade na colônia nem foi levado muito a sério, por que ele era motivo de chacota. A moça recém casada se apresentou bem vestida. O seu perfil e o seu rosto pareciam aceitáveis, mas as relações dos Pleederis com restante dos Letões, nunca foram muito cordiais e por causa disto assumiu uma vida solitária ao lado do marido. Eles recebiam visitas raramente e assim não necessitavam retribuí-las

Passado algum tempo chegou do Rio Novo o irmão de Valentine, de nome João e ficou hospedado na casa dos Pleederis ajudando nos urgentes trabalhos da lavoura. Depois da hora do almoço o João subiu pela escada ao sótão, onde ele dormia, e ficou surpreendido com o grande número de manuscritos espalhados pelo chão. Em alguns destes escritos ele reconheceu as letras dos hinos cantados na Igreja que eram copiados dos cantochões, por que não os havia em número suficiente para manuseio, facilmente identificáveis. Mas então veio a surpresa, as maiorias dos escritos eram cartas recebidas das namoradas assinadas “a tua Kátia”, “com todo amor Betia”, etc.
Estas missivas eram tantas que o João formou um colchão para dormir sobre elas. Então o João tentou convencer o cunhado: “Você agora é um homem casado, por que não queima aquelas cartas lá do sótão”. “Elas desagradariam muito a tua esposa se ela as descobrisse”; ao que ele respondeu: “Eu nunca mandei ela ler aquelas cartas”.

“Mas como foi possível você prometer casamento a uma que aceita o seu convite e ao mesmo tempo procura amizade com outra” ao que o Pleederis retrucou: “Você é muito moço e não entende destas coisas”. É verdade o João nunca entendeu.

De Rio Novo também chegou a velha Salit com os dois filhos mais jovens, mas o Pleederis recusou-se a hospedar a sogra e os cunhados obrigando os parentes procurar amparo junto de outras famílias, onde trabalhavam por uma pequena recompensa.
Ele tinha todas as condições para ter uma vida sossegada e feliz, mas não era, embora a sua esposa já houvesse desmamado o seu segundo filho. Não frequentava a Igreja, era rancoroso e desconfiado sem qualquer causa aparente. Todos os colonos possuíam uma espingarda de caça, mas Pleederis comprou uma pistola automática Browning, e esta já era uma arma de bandido.

Então ele fez aquilo que, antes dele, nenhum imigrante Letão ainda tinha feito – procurou o conselho de um feiticeiro. Nas encostas montanhosas do rio Capivara morava um ex-escravo famoso, por que diziam que ele podia resolver casos difíceis, principalmente mau olhado, inveja e ainda outros assuntos.
Havia muitos deles e estes feiticeiros conseguiam grande fama através do misticismo, falsidade e tapeação. Como se sabe, as dores de dentes ou do aparelho digestivo, muitas vezes aparecem e somem espontaneamente. Acontece que a dor some no momento em que o feiticeiro apalpa a região do corpo do consultante e assim fica a fama da cura milagrosa.
Em outras ocasiões ele prepara bolinhos de batata ou de pão recheados com pelos e cabelos enrolados, ou então outra substância, que manda o enfermo engolir. Minutos depois manda ingerir uma porção que causa vômito, tudo isto acompanhado de ritual e pronunciamento de palavras misteriosas como demonstração de sua sapiência e força oculta. Quando o freguês regurgita, aparecem os cabelos e outras coisas que ele considera como se fosse de geração espontânea do seu organismo enfeitiçado.

Existem muitos empreendimentos deste tipo, mas se entre eles realmente funciona alguma com força positiva ou sabedoria, isto ainda não foi comprovado. Os negros trouxeram os seus rituais e cerimoniais da África e os preservaram durante o período da escravidão, apesar de muito sofrimento e perseguição eles foram cultuados, o que já por si causa admiração. Nos subúrbios das grandes
cidades existem centros de magia, onde os antigos escravos cultuam as cerimônias que tiveram origem nas florestas africanas.
Não são apenas os negros que lá comparecem para por em ordem o rumo da sua vida. Um jornalista com o auxilio de uma generosa gratificação em dinheiro, conseguiu assistir estas reuniões e imaginem o que ele viu – senhoras de famílias aristocratas abastadas, altos funcionários do Governo, deputados, todos lá estavam para confidenciar e receber orientação.

Ainda não haviam passado 20 anos de quando a escravidão foi legalmente extinta, o Pleederis foi procurar o seu salvador. Enfrentou uma caminhada no dorso do cavalo de longo percurso. Havia começado a cavalgada a meia noite. Quando despertou a madrugada encontrou colonos alemães de quem indagou a localidade onde o feiticeiro morava, dizendo o seu nome e assim obteve o rumo que deveria seguir, mas de tão absorto nem encarava estas pessoas.
Já passava do meio dia quando finalmente Pleederis encontrou o seu destino. Felizmente o feiticeiro estava em casa fumando o cachimbo sentado na sombra, em frente da sua choupana. Agora surgiu um novo obstáculo, o consultante conhecia apenas 10 palavras em português de objetos de uso diário. Ele sabia falar alguns substantivos, mas desta vez tratava-se de assunto abstrato e sobre esta matéria, o nosso personagem somente sabia dizer “diabo” e que assim mesmo pronunciava como “quiabo”, “grabu” ou “grebu”. Com auxílio deste vocábulo e “força de vontade”, gesticulando, o Pleederis conseguiu fazer-se entender. O feiticeiro não seria digno do seu oficio se não fosse um psicólogo nato para entender as aflições do cliente.
Depois de mandá-lo a entrar em casa, mandou que ele tirasse toda roupa deixando o corpo nu, da cabeça aos pés e continuando, com giz vermelho e branco, alternadamente, riscou o seu corpo verticalmente. Disse “grebu”, colocando a mão no seu peito, meneando negativamente a cabeça. Repetiu novamente a palavra “grebu” e agora apontou par o próprio peito, apanhou uma vara e começou a chicotear o ar em todas as direções, desde as paredes, nos cantos, no teto e o piso da casa, fazendo o zunir com aquele sibilar que acontece quando a atmosfera é cortada por uma haste devidamente preparada como se fosse uma espada, a ponto do paciente ter se apavorado, por que o objeto passava rente a sua cabeça.

De volta a colônia, numa fluente linguagem do idioma Letão, o Pleederis contou aos mais achegados, o que ele havia entendido. Os riscos de giz defendiam e fechavam o seu corpo expulsando o diabo para nunca mais dele se aproximar. Mas tendo saído o espírito maligno queria se abrigar outra vez num outro aconchego que estivesse por perto e assim queria invadir o do feiticeiro, que então energicamente agiu em defesa própria enxotando o demônio.
E depois desta sessão do exorcismo, ele foi advertido para tomar cuidados com os vizinhos, dizendo em português: “inimigo”.

Satisfeito e aliviado por este “trabalho” pagou a consulta ao feiticeiro com a importância que havia recebido na venda de um porco, assim satisfazendo a sua ambição.
Mas apesar deste empenho o Pleederis tornou-se cada vez mais pessimista, diferente. Poderia se imaginar que este estado de nervos abalados fosse consequência daquele período de noivados repetidos que o deixaram isolado dos conterrâneos respeitáveis.

Numa tarde ele abateu um leitão para o próprio consumo. O animal morto era raspado sobre algumas tabuas colocadas no quintal, derramando-se sobre ele água quente para soltar a epiderme e os pêlos que caiam no chão e eram calcados dentro da lama com os tamancos. As águas pluviais apagavam as pegadas e levavam os pêlos que ficavam agarrados nas raízes de alguma touceira no canto da casa. Chegando o verão no quintal cresceram ervas daninhas. O Pleederis então capina uma clareira em torno da casa para impedir que as cobras invadam-na furtivamente. Quando ele chega à esquina encontra um arbusto espinhoso que ele precisa cavar mais fundo para livrar as raízes. Imaginem a surpresa dele ao ver embaraçados nas suas raízes um monte de pêlos, então ele conclui que isto é magia negra. Este feitiço tem de ser queimado imediatamente antes que faça efeito, mas o fogo da cozinha está ocupado na preparação do jantar. Ali mesmo ele faz uma fogueira com gravetos e folhas secas e com a enxada vai jogando nas suas labaredas este “atraso de vida”. A combustão exala um cheiro de cabelo queimado. ‘“Pfui” (interjeição de nojo), esta é a fumaça de cabelos de uma bruxaria e conclui: “Sim senhor – na semana passada sumiu uma porca, o bezerro está com diarreia; dos 12 pintinhos da galinha amarela sobraram apenas 4. Ainda bem que descobri em tempo; mas será que não existe mais em outro lugar? Quem poderia ter feito este trabalho”?

Há muito tempo ele não recebia visitas de quem pudesse desconfiar. Os cães guardavam a casa com zelo agressivo desanimando qualquer intruso. Então conclui que isto só pode ser obra da velha Salit. Já faz muito tempo que tinha notado o seu mau olhado; tinha de expulsá-la da casa.

A providência seguinte foi fechar a estrada que cortava a sua terra para impedir a aproximação de estranhos. Mas quando ele mesmo por ela perambulava e sentiu alguém atrás, atirava com a Browning por cima do ombro, por sorte não acertou ninguém. Por esta razão ninguém se amedrontava, considerando este procedimento como uma atitude besta e apenas motivo para chacota.

Nos dias da semana combinados todos os colonos se reuniam na escola para o ensaio do coral. O Zeeberg vindo do povoado trouxe a correspondência dos vizinhos e manda avisar que Pleederis tem uma carta no correio trazendo dinheiro, mas, quem se disporia de dar a noticia sabendo que ele era meio louco. O destemido filho de Leiman se prontificou a avisá-lo na volta para casa e assim perturbar o seu sono com a boa notícia. O Wilis monta num cavalo meio xucro ainda amansando que sempre quer andar galopando. Noite de lua cheia irradiando luz como se fosse de dia. Ele entra no quintal de Pleederis enquanto os cães latem raivosos querendo atacar. Então ele grita a frase legal: “Oh de casa”. Nem tique nem taque. Repete a chamada mais duas vezes e não entende por que o dono da casa não acorda. Talvez estivesse fora, mas na sua ausência estariam o pai e a esposa. Chama mais uma vez. O cavalo indócil quer galopar e já pensa em desistir quando ouve um ruído. A porta se abre um pouco e na fresta aparece o nariz do dono da casa. “Boa noite, mas como você tem o sono pesado”. Ele abre a porta e sai com as mãos atrás das costas e o Wilis deduz “o homem está armado”. Ele responde: “muito boa noite, ainda bem que o reconheci, senão, teria atirado”. Então ele concluiu que isto não era brincadeira, mas perguntou “por que teria atirado? Estou trazendo boas notícias, para você ir ao Correio da Vila retirar o dinheiro que chegou”. Dá meia volta e sai galopando para casa.

Numa outra ocasião a sua irmã Antonia e a Matilde, filha do vizinho, foram fazer uma visita de cortesia a Valentine. O velho e o moço Pleederis olhavam para as visitas com o branco dos olhos e quando elas se retiraram, o velho espalhou cinzas na estrada por onde elas haviam passado, com o tição de lenha aceso fez o sinal da cruz, para destruir qualquer mau olhado.

No centro da Colônia moravam os Grunzis, uma família composta de 5 filhos, deles o mais velho já casado. Disseram que o terceiro filho foi participar da guerra dos Boers (África do Sul) como voluntário, onde morreu. Era gente pacata, mas falava-se que os pais não se entendiam. O velho então começou a beber até o porre. O velho Leiman sentia pena por ele e numa ocasião em que os dois cavalgavam juntos pela estrada, Grunzis estava bêbado e balançava no lombo do cavalo. Então o velho tentou convencer o viciado para deixar a bebida ao que o outro respondeu: “Mas meu estimado e caro Leiman, qual é o prazer que ainda me resta. Estou velho, mas ainda tenho tino, se desejo aquecer o coração então uso o copinho”.
Não havia botequim na colônia Leta e também ninguém produzia aguardente, por isso o Gruntzis procurava os italianos, além dos limites. O caminho mais curto para se chegar naquele local passava pela casa dos Pleederis que proibiu o seu uso para o público, o que era contra a Lei, por que este caminho foi demarcado pelo Governo e se esta irregularidade fosse denunciada certamente ele teria levado um pito que o faria esquecer esta manha.
“Mas onde não existe reclamante também não há justiça”. Não faltavam desavenças entre os Letões, mas apelar para justiça por causa fútil, quem consegue ganhar a demanda também adquire um inimigo para o resto da sua
vida. Além disto, não se dominando a língua falada no Brasil, o querelante não conseguia expressar-se por que lhe faltavam palavras.

Os imigrantes poloneses e alemães, bem que tentaram procurar a polícia, gesticulando, não dizendo coisa com coisa entremeando algumas palavras inteligíveis sobre questões irrelevantes, irritando as autoridades, que resolviam a contenda da seguinte maneira: Quem apresentasse a queixa iria direto para o xadrez. Depois traziam preso o réu, trancafiando os dois na mesma cela e lá deixavam, os dois passar 24 horas um encarando o outro, como havia acontecido com o Pawub e Kenzio.

Depois eram apresentados ao comissário de polícia que os xingava e destratava empregando todo um vocabulário de baixo calão, brandindo ameaçadoramente um relho e aumentando ainda mais a rispidez da voz numa admoestação de que os querelantes não entendiam palavra. O queixoso pensava que a descompostura era contra o outro como culpado, mas por fim, tanto um como outro apanhavam de palmatória, como gatos num saco.

Os Letões já sabiam deste método de fazer justiça; então quando um ameaçava o outro dizendo que iria apresentar queixa na polícia, o outro dizia: “Vai, vai esquentar o lugar”.

Quanto àquela estrada que passava pela terra dos Pleederis, ela tornara-se inútil. Antigamente sim, quando os italianos, que moravam além do rio que rolava a sua água em muitas cascatas, possuíam um moinho para moer os grãos, então era uma passagem obrigatória. Mas depois que os Letões construíram o próprio engenho, aproveitando um outro rio, ficou desnecessária, pois não se precisava mais dela. Por esta razão a proibição de se usar aquela via, não incomodava ninguém a não ser ao Gruntzis, que precisava dela para ir a colônia italiana “esquentar o coração”. Quando interpelava o Gruntzis, surgia uma grande e acalorada discussão. Pleederis berrava que era o dono das terras; o ofendido alegava que a estrada era pública e continuava o seu percurso.

Num belo dia o vizinho Karp precisou convocar um mutirão de gente jovem para realizar um trabalho pesado. Todos então observaram Grunzis montado num cavalo, por aquela estrada se dirigindo para o lado dos italianos. Pouco depois, à distância, ouviram-se vozes ásperas e iradas, que, devido à distância, não se conseguia entender as palavras, mas sabia-se que os vizinhos estavam discutindo outra vez.
Inesperadamente ouve-se um estampido de tiro seguido de gritos desesperados por socorro. Vários rapazes correram para lá e encontraram o Grunzis caído na estrada dentro de uma poça de sangue e um ponto vermelho no peito. A bala havia varado o seu tórax e examinando o seu pulso e a respiração verificou que ele estava morto. Mais adiante o velho e manso cavalo em pé aguardava a volta do dono.

Improvisaram uma padiola e removeram a vítima para o prédio da escola que também funcionava como centro comunitário e Igreja aos domingos. A seguir tomaram todas as providências que se fazem necessárias para em consequência de uma tragédia assim, incluindo a captura do assassino.
Emilio, [Anderman] o filho mais jovem do professor estava admirado com este grande movimento. Num dia de semana, nunca viu um tão grande número de pessoas dentro e cercando o prédio da escola. Nos domingos e dias santificados sim, ele estava habituado a ver muita gente, quando havia Culto, o pastor falava e o coral cantava. Então os fiéis vinham bem trajados, sorrindo e conversando alegremente, os rapazes e as moças trocavam olhares e arriscavam alguma palavra. Hoje todos estavam usando a grosseira e remendada roupa de trabalho e trazendo armas de fogo.

Para passar o tempo faziam competição de tiro ao alvo. Pareciam ameaçadores. Os meninos sentiam medo. Depois de reunidos todos aqueles homens foram embora e o menino juntava os cartuchos vazios de diversos tamanhos para usar como apitos, os menores faziam um ruído mais agudo enquanto os maiores tinham um som mais grave, mas antes de terminar, eles voltaram trazendo junto o Pleederis com as mãos amarradas. Ele tinha sido preso, sem resistência dentro da própria casa.

Os colonos acharam por bem anteciparem a ação da polícia e entregar o criminoso na delegacia, antes que os filhos e os amigos de Grunzis praticassem vingança com as próprias mãos e então o caso se tornaria mais complicado.

Os conselhos do feiticeiro não deram bons resultados na vida do Pleederis.

FIM
NOTA DO TRADUTOR
Traduzido de um manuscrito encontrado nos arquivos do meu falecido irmão Emilio Anderman e traduzido do Letão por mim Julio Anderman, em agosto de 1991.

História de Emílio Andermann – 9ª parte -2º Caderno

História de Emílio Andermann – 9ª Parte – 2º Caderno

M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman

“Leiam também neste mesmo Blog o artigo escrito por Julio Andermann que está em “Crônicas Históricas com o titulo de” Meu pai Karlos Anderman “

Nesta parte o escritor descreve a infinidade de providências e cuidados para a viagem para os Estados Unidos.
Também tendo chegado lá apresenta as primeiras impressões.

(O Terceiro Caderno devido a não ter relação direta com o Rio Novo será publicado neste Blog somente se houverem solicitações especificas para tanto.).

SEGUNDO CADERNO (ÚLTIMA PARTE DESTE CADERNO)

TERMINEI A ESCOLA

Ontem terminamos o exame das matérias lecionadas durante o mês e a minhas alunas mais adultas Aldonia Balod e a Marta Slengman de mim se despediram. Elas passaram com muitas boas notas. Como é doloroso separar-me dos meus alunos que já estou ensinando durante um ano e três meses. Durante a insônia da noite no meu pensamento desfilaram várias ideias e o sono não foi repousante… por que vou ter de te abandonar também. Também sentaram na classe os meus irmãos Teófilo e a Claudia, que com um carro de bois vieram me buscar de Mãe Luzia. Estou dando as notas finais.
Os meus amigos vieram para se despedir de mim e para cada um deles dei uma palavrinha e abraço. Não demonstrei tristeza por que os sentimentos de dor foram transformados em sorrisos… e foi hoje a última vez em que apertei a tua mão. Também tiramos fotografias de toda a escola reunida.
O tempo está bom e assim segunda feira partiremos, deixo atrás de mim muitas realizações e centenas de sonhos e a sepultura das minhas esperanças. Deixo também a ti, o meu tesouro, por quem daria tudo que possuo até a última gota do meu sangue; daria o mundo todo… e agora me separo de ti, deixando-te no meio destas colinas e vales, cobertos desta natureza exuberante, e sob a guarda de teus pais cuidadosos. ADEUS!

A DESPEDIDA DA CONGREGAÇÃO

Nunca pensei nem esperei uma tão espontânea demonstração de amabilidade. A União de Mocidade organizou esta reunião. Embora eu estivesse triste, esta noite me alegrou por que tudo foi organizado com muito cuidado. Os adolescentes recitaram poesias cujo tema era a separação. Os hinos ecoavam cordialmente. O salão da Congregação estava enfeitado onde nem rosas faltaram. Tudo dava testemunho do amor que esta gente tinha por mim e mostrava a tristeza da separação.
O Alexandre Klavim falou entusiasmado lembrando o meu desempenho na União da Mocidade durante a atividade do ano passado e a falta que farei no futuro. Aldonia Balod recitou um poema cujo tema era a “Luta”. A Clara Salit declamou uma poesia triste sobre a separação (ela mesma tristonha e enigmática como as profundezas de um oceano) – dizia que toda a luta pela vida se situava entre o berço e a morte. O Eduardo Salit, um menino ponderado e tranquilo, relatava as dificuldades e as lutas da vida, acentuando que a “Paz somente existe sob a Cruz de Cristo”. A Cornelia Balod (sempre inquieta como se fosse um filete da água) falou da esperança de um novo encontro – se não aqui, lá na pátria do além. As outras poesias não consegui anotar. Ainda ouvimos um lindo dueto de despedida cantado pelos meus alunos. O Diretor da Escola Dominical, K. Zeeberg expressou a sua alegria pela esperança de que continuaria estudando e lamentou a falta que eu faria como professor da Escola Dominical e terminou dizendo: “Deus vê e sabe o nosso destino” e de que “nas orações perante o trono de Deus será o nosso encontro permanente”.
O conjunto de violinos tocaram algumas músicas, especialmente “Viaje seguro”. O organizador da Escola onde eu ensinei disse que: “nós andávamos como através de uma galeria de quadros onde vemos diferentes paisagens; e, um destes quadros, estava sendo pintado nesta noite”. Elogiou-me dizendo que eu fora despretensioso, nunca falara alguma coisa ofensiva, fora bem comportado e já tinha o meu lugar garantido no coração da comunidade… mas agora temos de separar-nos, e terminou com as palavras de Paulo: “Conserve o Tesouro”. Alida Klavin declamou uma poesia longa bonita sobre a despedida: “Encontramo-nos, conversamos e outra vez temos de separar-nos; em toda à parte a instabilidade não permite a nossa permanência por muito tempo no monte Tabor”.
Um intervalo para saborear um cafezinho acompanhado de pãezinhos e o descanso. Na segunda parte mais músicas sobre a despedida, todas melancólicas, mas uma foi excepcionalmente linda e continua soando no meu ouvido. Freiman falou sobre a necessidade de mais pregadores e missionários e disse estar alegre por que mais um candidato está se encaminhando. O velho tio Karklis fez desfilar na minha frente os nomes dos jovens tementes a Deus que constam da Bíblia e aos quais foram atribuídas grandes responsabilidades. O Alexandre Klavim emocionado disse palavras em nome da União de Mocidade: “Seja alerta para que ninguém arrebate a tua coroa” (Apocalipse 3-11).
No aperto de mão da despedida vi lágrimas num e noutro semblante; eu não chorei embora o meu coração estivesse tomado de saudosa tristeza.
Depois desta abençoada despedida, arrumamos as caixas contendo a bagagem no carro de bois e partimos para uma longa e difícil jornada para Mãe Luzia, alcançamos o nosso destino três dias depois, onde fui recebido com muito amor pela minha família.

5 DE OUTUBRO DE 1923

Uma vez que agora tenho de morar aqui, longe de ti e onde não te vejo e onde tangido pela brisa do ocaso eu apenas posso sonhar com as lembranças que profundamente se enraizaram na minha memória; quero ainda registrar alguns aspectos da tua figura. Tens a cabecinha redonda ornada com cabelos dourados que pendiam sobre as orelhas e a nuca; a testa alta adornada com alguns anéis deles; os olhos escuros que às vezes olhavam com tanta serenidade; outras vezes choravam amargamente e também alegremente brilhavam quando sorriam para mim; o narizinho redondo; a boca de lábios rubros que me pareciam tão doces; a formosa face quando sorria exprimia a pureza; o porte tão esbelto; as costas retas; mãozinhas elegantes, os dedos ágeis; pequenos pés com os artelhos curtos, musculosos e fortes. O comportamento gentil, esperto e interessante; a tua voz soava como se fosse um sininho e era possante, mas doce quando falavas afinado em “sol” com inflexões para “la”. Quando choravas com amargura e arrebatamento o teu lamento parecia uma admirável melodia em “do”, que subia para “fa” e depois, descia. A tua risada era tão alegre que eu não consegui defini-la com precisão.
Tu és o meu anjo, viva com saúde e alegria ignorando a minha dor por que eu te amo e de ti sentirei saudades – mas, quem sabe, todas estas esperanças, com dor e lágrimas, terei de sepultar na tumba escura da inoportunidade.

18 / X / 1923

A minha vida tornou-se uma sequencia rotineira por que estabeleci um programa ordenado que só espero modificar quando viajar para os EUA, daqui a um semestre. De manhã quando acordo faço ginástica pelo método Mueller, tomo banho. Até o desjejum tenho tempo de estuda alguma coisa, depois desta refeição realizamos um culto matinal e em seguida vou para o campo trabalhar na lavoura durante duas horas. Voltando para casa estudo inglês e francês até a hora do almoço. Na parte da tarde estudo História Universal e ciências. Depois das 14 horas vou para a Carpintaria de João Karklis aprender aquele oficio durante hora e meia (algo parecido com o que vou fazer nos EUA). Depois estudo álgebra e a gramática portuguesa e leio obras clássicas. Após o jantar até dormir estudo música, pratico o violino e leio em inglês.
As terças e sábados, tenho aulas com J. K. Frischenbruder para esclarecer várias matérias e ele me cobra 1$00 por aula. Mas acima deste empenho todo – tu oh minha preciosa menina permaneces no meu coração e minha mente em forma de uma doce lembrança.
O tio Sigismundo e eu estivemos em Araranguá procurando uma certidão de nascimento para poder tirar o passaporte e viajar para a terra estranha. Como já disse, embora nascido na Letônia fui registrado como brasileiro. Foi uma viagem agradável – Araranguá é uma cidadezinha bonita.

A PRECIOSIDADE MAIS CARA

Luto para alcançar um alvo, que no momento é um sonho – Tu. Não consigo esquecer-te, não passo uma noite sem te ver nos sonhos. Meu coração sente a mágoa do amor oculto. Tu arrebataste o meu coração, os meus sentimentos, o meu amor; será que em algum dia vais me devolve-los? Ou serei condenado a morar na América sentindo saudades tuas eternamente.
Contei tudo para a minha mãezinha. Ela me disse para eu não ser orgulhoso e não considerar este amor levianamente, porque, igual a este, só nasce uma vez na existência. Disse para eu procurar manter correspondência com os seus pais e a sua família e talvez Deus me atenderá.
Ela me contou sobre o seu grande amor para com J. I., mas por causa do orgulho e não querendo se manifestar casou com outro e, depois de arrependeu. Estas palavras impressionaram o meu coração, mas por ora somente resta a esperança, e a lembrança de alguns acontecimentos. Uma certa ocasião ela disse, depois que eu falei que iria embora “eu vou correndo para te acompanhar”, depois ela ficou assustada com o que falou, enquanto os outros riram. Quando formamos o grupo para tirar o retrato da escola tu disseste: “parece que não te verei nunca mais”, eu respondi: “que não sabemos o que a vida vai trazer para nós e que poderá acontecer um novo encontro”.
Não há existência sem preocupações, se a vida não tivesse obstáculos então ela se tornaria frágil e qualquer brisa nos derrubaria.
O tio Rodolfo teve a ousadia de escrever para os Balkit nos EUA para eles tomarem cuidado comigo por que estava entregue ao diabo, por que seguia a doutrina do inferno. Foram os meus irmãos que em contaram por que ouviram ele dizer isto. O que posso esperar quando o meu próprio tio procura destruir a minha imagem pessoal, mas em 9 de dezembro recebi uma carta dos EUA que eles esperavam receber-me na primavera; depois de passar o frio de inverno e isto ajudou a normalizar a minha esperança no futuro. Espero que esta viagem se realize em fevereiro ou março.

25 DE DEZEMBRO DE 1923 – NATAL

De noite organizada pela Escola Dominical, houve uma pequena festa. Há 3 meses dirijo uma classe da Escola Dominical. Fiquei muito feliz. O ano de 1923 esta se despedindo e neste período tenho lutado muito e trabalhado, às vezes com alegria e outras com tristeza no meu coração; mas tudo isto tem reforçado o meu ânimo. Neste ano estabeleci grandes objetivos que terei de realizar em pouco tempo e para isto terei de trabalhar com todas as minhas forças. Na profissão de carpinteiro aprendi a usar a plaina e outras ferramentas, pois este será o meu ganho pão. Na música descobri as maravilhosas obras de Beethoven.

SALVE 1924
“TUDO POR TI HUMANIDADE, TUDO POR TI MEU POVO QUERIDO”
1 DE JANEIRO DE 1924

Carrego dentro do meu coração a saudade, cada dia que passa os meus pensamentos ganham asas e voam para ti e quanto gostaria de ver-te nem que fosse uma única vez.
Neste ano na minha vida se desenrolarão grandes mudanças. Acredito que a passos largos e decididos, alcançarei aqueles objetivos, cujo ideal se desabrocha em mim desde a minha infância; mas talvez o preço desta conquista será a tua perda – que sofrimento – no entanto sou capaz de fazer tudo em beneficio da humanidade.

10 DE FEVEREIRO DE 1924

Recebi uma carta do meu tio Balkit de cuja leitura conclui que a minha viagem para os EUA ainda demorará alguns meses. Este assunto da América já está me aborrecendo; está se tornando um conto de fadas que não tem fim. Estou escrevendo. No mês passado terminei a descrição da História do Brasil e neste mês, vou escrever a primeira parte de um livro sobre o Brasil, conforme havia planejado.

18 DE MARÇO DE 1924

Recebi duas cartas registradas, uma contendo o Termo de Responsabilidade assinado pelo meu tio Balkit para minha emigração aos EUA e outra com uma passagem de navio paga e um bilhete de trem de Nova York até Filadélfia, que custou US $86 dólares.
A minha viagem está bem delineada. No dia 22, de navio, partirei para o Rio de Janeiro e no princípio de abril embarcarei em um navio da Lampport & Holt Inc.
Agora na parte da manhã estou trabalhando na obra da ampliação da nossa casa construindo uma cozinha e sala de jantar em anexo. Numa atividade diligente tudo já está em pé embora as minhas mãos tenham ficado calejadas. Em breve terei de deixar esta construção – também me despedirei de Mãe Luzia, de todos os meus conhecidos e de ti minha cara que já não te vejo há mais de 6 meses, de ti que vives no meu coração.

18 DE MARÇO DE 1924

De noite a Congregação Batista de Mãe Luzia organizou uma reunião de despedida. Foi um acontecimento confortador para mim e para todos os presentes. Jacob Klava explicou vários textos da Bíblia sobre reanimação para todos e principalmente para mim. O tio Zigismundo disse: “É muito difícil falar numa ocasião de despedida, por que a linguagem embola e as lágrimas escorrem; mas por outro lado todos devem alegra-se por causa dos ideais meus. Que tinha o mérito de ter reativado a Escola Dominical e reforcei a fé de todos através dos meus sermões inflamados; que eu era um cristão de natureza pacífica e arrebatado”. Terminou com a frase, “Seja fiel até a morte e eu te darei a coroa da vida” para servir de lema a fim de vencer as tentações que surgem nas grandes cidades, no meio das multidões, as quais tantos jovens têm sucumbido. O Jacob Klava lembrou ainda que desde pequeno eu fora um bom aluno da Escola Dominical, falou da festa do meu batismo em 1911 e de que agora eu o havia ultrapassado no conhecimento e de que o seu desejo final era o de me encontrar salvo na praia do mar de cristal. Todas estas falas foram entremeadas de hinos de despedida.
Terminada a reunião fomos convidados para uma mesa de guloseimas oferecida pela Escola Dominical, através das mãos diligentes da tia Janina. Nunca poderei esquecer tamanha prova de amor e apreço, pois eles ainda me ofertaram uma coleta de 20$000 (vinte mil reis). Como poderei retribuir isto tudo? Mantendo a memória deles na minha lembrança.

20 DE MARÇO DE 1924

Ontem de tarde me despedi dos meus pais e dos meus irmãos. O carro de bois nos transportou, por 12 quilômetros, até a estação de Criciúma. Lá me despedi do Teófilo e do Julinho que choravam muito. Despachei a bagagem e depois fui dormir no hotel que, junto com o jantar e o café da manhã, custou 4$000. Agora, às 11 horas do dia 21, já me encontro no porto de Imbituba. Fiquei com cólicas intestinais por causa do café forte de que havia abusado, mas agora já estou bom. Hoje, no Rio Novo, estão festejando o aniversário da Igreja.

29 DE MARÇO DE 1924 – NO RIO DE JANEIRO

Até aqui a minha viagem transcorreu muito linda e agradável. O mar estava admiravelmente calmo. Ontem ao entrar na barra, com admiração observei os poéticos montes cobertos de florestas da Capital da República. Junto com o meu companheiro de viagem Adão Bernardes, estudante de Direito, procuramos uma pensão para nos hospedar e que vai custar 6$000 por dia. De tarde ele me levou à Biblioteca Nacional, um lugar que eu admirei profundamente. O meu companheiro de viagem é um Brasileiro com amplos horizontes de idealismo.
Fui a Agência Marítima de Lampport & Holt e ao Cônsul dos EUA onde encontrei ainda dois obstáculos no meu caminho. 1° – os meus documentos tem de ser visados pelo Cônsul em Porto Alegre ao qual está subordinado o Estado de Santa Catarina; 2° – tenho de deixar aqui um depósito de $25 dólares dos quais serei reembolsado quando desembarcar no destino. Somente poderei partir naquele navio que vai partir no dia 1° de maio. Cedinho de manhã no domingo fui procurar o Celino que estava morando num quarto pequeno e mal arrumado. Fiz a visita na esperança de que ele me emprestaria os 25 dólares, mas enganei-me porque ele não possuía o dinheiro.
Hoje, domingo, dia 30, me dirigi para o Colégio Batista na esperança de encontrar alguns velhos amigos conhecidos; mas neste dia eles estavam ausentes. No dia 31, novamente me dirigi para lá e o João Klava veio ao meu encontro com quem troquei ideias sobre o meu passaporte. Fomos à Central de Polícia que me deixou uma boa impressão por que o meu Requerimento foi despachado, mas o passaporte somente me seria entregue no dia seguinte porque já passava da hora do expediente. O meu companheiro então me mostrou a grande cidade e me levou a Igreja para me apresentar por que ele trabalha lá como missionário e é por ela apoiado materialmente. Em seguida pegamos o Bonde e fomos para a casa do pastor G. Ginsburg. O encanecido obreiro Batista estava trabalhando em casa. Ele é um homem admiravelmente simples e que está lutando no campo missionário há 40 anos. Nas suas veias corre o sangue judeu e pode ser comparado com os apóstolos de Cristo.
Hoje de noite faleceu um grande amigo do povo brasileiro, Nilo Peçanha e por isso as Repartições Públicas ficarão fechadas em sinal de luto, por que o povo está triste.

02 DE ABRIL DE 1924

Ontem o João Klava me acompanhou, mas o passaporte ainda não conseguiu, hoje fui lá sozinho e consegui superar este obstáculo. O passaporte me custou mais de 30$000. Ainda falta o visto do Cônsul. Esta cidade é muito enfadonha, a natureza que a envolve é muito bonita e entusiasma o visitante logo que ele aqui chega e até o arrebata, mas as ruas são estreitas e cheias de poeira. O sol esquenta e o ar se torna abafado e traz o desanimo e o cansaço. O calor e a alimentação inadequada roubam-me todas as forças. Hoje à tarde tomo o trem e amanhã estarei em São Paulo.

03 DE ABRIL DE 1924

Fui procurar a minha irmã Mely Zelma e a encontro andando no meio da rua. Ela me leva aos seus aposentos da casa onde trabalha, tomo banho e repouso. O ar fresco e saudável de São Paulo e a recepção acolhedora da minha irmã me reanimaram. Ela está gordinha, bonita e forte e trabalha muito, mas mesmo assim temos momentos para conversar.

04 DE ABRIL – EM NOVA ODESSA

Depois de pagar o bilhete de trem para Nova Odessa, ainda fiquei com 1$000 na algibeira. Ainda bem que a minha irmã me alimentou, caso contrário não teria tido dinheiro para pagar esta viagem. O meu espírito se eleva quando olho pela janela do vagão e vejo plantações variadas em toda à parte.
A Lídia e o Gustavo me receberam amavelmente. Trabalhando eu ajudo na colheita do arroz e o esforço de bater para separar os grãos me fatigou, mas desenvolveu o apetite. O clima daqui é muito bom e em breve fiquei reanimado. Também ajudei na colheita do algodão que trouxe desconforto para a coluna. Este foi um esforço agradável e cada tostão ganho era para mim precioso, porque me preocupava muito aquele depósito de $25 que teria de conseguir emprestado. Os homens não querem ajudar e entre os parentes os mais acessíveis foram os meus tios João e Lina Andermann que nesta emergência estenderam-me a mão.
Como tudo aqui está mudado: Os novos imigrantes, desconhecidos para mim, já ocupam a metade desta coletividade, a administração das propriedades agrícolas sofreu modificações, os jovens se tornaram homens adultos e fortes. Ao redor da Igreja foi plantado um grande e bem cuidado jardim resultado do esforço da mocidade. Os meus antigos conhecidos vieram ao meu encontro com muita amabilidade por que os velhos laços da amizade ainda não haviam rompido. O pastor da Igreja me procurou para um encontro e me deu conselhos notáveis, pois o irmão Kraul é um moralista profundo que procura apontar qualquer pecado. Lá também encontrei o João Salit que chegou a procura de terras para comprar e isto foi para mim muito agradável. Para a minha irmã Lídia eu falei abertamente a verdade e ao despedir-me lhe disse que era capaz de trocar as minhas convicções cem vezes para servir a “verdade” e de que para esta luta eu precisava de muita força moral e de apoio.
Voltei a São Paulo onde a minha irmã Mely Zelma me hospedou no seu quarto, com a permissão dos seus patrões; a vida dela corre muito bem e ela engordou um pouco. Ela me emprestou 80$000 e na separação chorou amargamente e isto me deu a certeza de que agora conseguirei superar as dificuldades desta viagem para os EUA.

26 DE ABRIL – AFINAL O CAMINHO LIVRE

Hoje estive na Polícia Central para retirar os meus documentos no que tive êxito, mas outra vez me atrasei para a visita com o Cônsul. Hoje, dia 27, passei no meu quartinho que me custa 4$000 por dia. No dia 28 pedi a ajuda do João Klava. Ele me acompanhou ao Cônsul e falou em meu nome. Tive muita dificuldade por que a minha certidão me fez 5 anos mais jovem e pediu um atestado de Ricardo Inke que fomos procurar de automóvel para ganhar tempo. Lá conseguimos o documento desejado e finalmente o Cônsul visou o passaporte que me custou 100$000. Para pagar a despesa tive de tomar emprestado 40$000 do Ricardo Inke e agora estou devendo: 250$000 para João Andermann; 80$000 para Mely Zelma; 40$000 para o Ricardo Inke; 20$000 ao Celino e 10$500 ao João Klava; num total de 400$000. Subirei a bordo do navio sem um tostão no bolso, mas estou feliz porque finalmente consegui o meu intento, graças à ajuda dos meus amigos.

VANDYCUS

No dia 1° de maio fiquei numa situação estranha, passei o dia inteiro sem comer por que não tinha dinheiro. Os trocados que me restaram tive de gastá-los para o transporte da bagagem a bordo; os carregadores exigiram mais de mim do que o combinado e isso me aborreceu. Cheguei a bordo do grande navio faminto e cansado. Ele é um gigante marítimo; dentro dele caberiam 4 ou 5 dos nossos paquetes costeiros.
Os passageiros da terceira classe são constituídos de italianos, russos, israelitas, alemães e eu o único de sangue letão. A maioria destes passageiros parece bem abastada; algumas famílias parecem ter recursos. Nós fomos alojados 6 em cada cabine. No café tínhamos pão com manteiga, no almoço sopa, comida, salada e sobremesa e a mesma coisa no jantar; tudo com bastante fartura.
Aquilo que nos outros naviozinhos se chama de balanço, aqui quase não se percebe porque ele é muito grande e as ondas se esboroam no seu costado. Estou meditando muito sobre a humanidade, não sei por que esta preocupação, este empenho, de ver o seu progresso e a sua salvação.

OS PASSAGEIROS

Já no Rio eu tinha encontrado a Emilia, uma alemã, que estava visitando os Inke e que também está seguindo viagem no mesmo navio. Ela disse ter trabalhado em Wurtemburg como professora e é uma pessoa agradável, culta e me emprestou alguns livros.
É muito interessante observar como os membros de várias nacionalidades se agrupam. O bloco italiano, numa noite organizou uma apresentação artística com um conjunto cantando as suas canções populares. No bloco dos israelitas russos havia um músico que tocava música clássica no bandolim, acompanhando os patrícios que cantavam entusiasmados. O grupo de alemães é o menor, mas também se mantêm unido. Os jovens jogam baralho e até as crianças encontram brincadeiras para passar o tempo.
Na tarde de 4 de maio o sol se deitou nas costas do Brasil. Os dias anteriores estavam nublados, mas hoje tivemos um céu limpo. Esta costa pernambucana é a mais avançada do Brasil e termina no Cabo de São Roque e por isto esta aproximação que nos permite ver de noite, as luzes de Recife. Está quente porque estamos nos aproximando do Equador. No dia seguinte o navio seguiu rumo para o Oeste até que alcançamos Trinidad que é uma pequena cidade servida por um porto insignificante. O navio recebeu uma carga de cacau, se abasteceu de água e recolheu passageiros negros com destino a Barbados. Estas ilhas são tomadas de arbustos e ao longe aparecem montanhas de cor parda.
Agora a rota vai para o oriente. Depois de uma dia de viagem jogamos âncora perto de uma linda cidadezinha situada numa ilha de praias planas e águas límpidas onde o navio ficou cercado de canoas que trouxeram frutas e a sua tripulação mergulha para apanhar moedinhas jogadas no mar. Outra vez embarcaram muitos companheiros negros. Agora estamos viajando para as ilhas das Antilhas, que ficam mais para o Leste. Como é lindo quando acompanhamos pelo mapa e observamos de bordo todas estas pequenas ilhas dormindo e parece que até estão sonhando dentro da atmosfera tropical e mergulhas nas águas escuras. Neste solo trabalham os pretos… e quanta poesia eles inspiraram para a história do sofrimento… que, afinal, foi o canto da liberdade que soou quando foram rompidas as correntes da escravidão. Entre os passageiros negros vejo crentes que leem a Bíblia e cantam hinos.
Hoje é dia 15 e desde ontem à noite notamos a atmosfera mais fria. A água esta menos morna. Como me sinto feliz porque estou me aproximando do meu destino. Leio os livros que guardei nas malas e o tempo se esgotou rápida e imperceptivelmente. Não sei por que tenho vontade de mandar saudações para todos os meus conhecidos e principalmente para ti… caro coração.

17 DE MAIO – FIM DE VIAGEM

Ontem, através de muita neblina e um frio cortante, o nosso gigante Transatlântico chegou a Nova York que parecia muito maior, do que se poderia imaginar antes de conhecê-la. Que porto grande e edifícios enormes. Depois de passar a noite a bordo, de manhã iniciamos o desembarque. Os inspetores examinaram a nossa bagagem e depois subimos em uma lancha que nos levou para a ilha dos imigrantes. Os passageiros de segunda e primeira classe não foram submetidos a este ritual. Eu havia ouvido críticas nas informações sobre esta verificação, mas agora encontro tudo muito bem organizado. O exame de saúde foi muito rigoroso, mas depois tudo correu tranquilo e fácil. Fui dispensado junto com outros que teriam de tomar o trem e o acompanhante nos conduziu para a estação. E como aconteceu isto? Primeiro fomos conduzidos de lancha e depois pelo Metrô e por fim outro barco nos conduziu para a estação. Sozinho eu estaria perdido entre toda esta gente movimentada e situação complicada que até parece mágica. Tomei um trem que em duas horas me deixou em Filadelphia. E depois para onde ir? Não sabia dar um passo. A língua inglesa que este povo fala para mim é quase incompreensível, mas por sorte todos entendem o que eu pergunto. Cordialmente os homens me conduzem e respondem as minhas indagações, me acompanham, até a passagem de Metrô eles pagaram.
Depois de muita dificuldade tomei aquele trem que vai para Quakertown, a última cidade do meu caminho, mas ainda não sei como chegar à casa do Balkit que se localiza no interior. Tomo um automóvel que corre iluminando a estrada de terra mal conservada e chegando ao destino onde não foi fácil encontrar a casa desejada, lá chegando o dono estava ausente. Então esperei pensando que, por ser sábado de noite talvez os moradores estivessem na Igreja, conjectura que não estava errada, porque em breve chegou num automóvel toda aquela gente que me receberam carinhosamente. Eu não conseguia fazer mais nada do que sorrir, sorrir, sorrir.
Terminada esta viagem tão selvagem e cheia de obstáculos me senti como um herói que venceu uma dura batalha. Para aqui eu vim ao encontro de uma humanidade livre.

AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES

O ar ainda está fresco e o clima parece ameno. A água está fria. As arvores, com exceção dos pinheiros, estão revestidos de uma tenra folhagem verde. Os campos estão cobertos por uma erva macia enfeitada de florzinhas amarelas como se fossem lágrimas. Aqui não se vê nenhuma planta tropical que veste a forte e selvagem natureza Brasileira, apenas alguns salgueiros que sonham a beira de um lago se assemelham. Tudo está tão lindo como se fosse um sonho maravilhoso.
Eu trabalhava em grotões cobertos de floresta e piso de pedras e cada cantinho me parecia tão agradável, tão lindo.
Os meus parentes estão com as faces coradas, o meu tio é um homem alegre, muito ágil, muito franco e dedicado. A minha tia parece uma dama respeitável e fala num tom de voz agradável parecida com a da minha avó Ana que é a sua mãe. A prima Lídia se parece muito com a Ema Karklis e a Milija com a Tereza. Os dois meninos de faces rosadas Carlos e Vilis se parecem com os filhos do tio João Andermann com a diferença de que são de natureza mais ativa. Todos eles são profundamente tementes a Deus.

AVISO IMPORTANTE:
Como o 3º Caderno não tem relação direta com a história da Colônia Rio Novo somente será publicado se houverem solicitações para tanto.

História de Emílo Andermann – 8ª Parte – 2º Caderno

História de Emílio Andermann – 8ª Parte

História de Emílio Andermann – 8ª Parte

M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman


“Leiam também neste mesmo Blog o artigo escrito por Julio Andermann que está em “Crônicas Históricas com o titulo de” Meu pai Karlos Anderman”

Nesta parte o escritor começa a dar aulas na Escola Anexa a Igreja Batista Leta de Rio Novo no Município de Orleans onde tem amizades e parentes. Neste período ocorre a famosa Revolta da Palmatória apresentando assim mais uma versão dos acontecimentos. Mais tarde volta prá Mãe Luzia para se aprontar para viajar para os Estados Unidos.

SEGUNDO CADERNO

03 / VII / 1922

Ontem recebi 60$000 de honorários e hoje vou dar a primeira aula. Chegaram 8 crianças e em breve me apresentei e fiquei conhecido de todos os alunos.

09 / VII / 1922

Dividi a turma em duas classes; a primeira dos alunos mais adiantados que já conhecem as 4 operações e a outra daquelas crianças que mal sabem ler, escrever e contar até 10.
Para estas classes darei aulas em separado. Espero que tudo saia bem. Quero trabalhar com todas as minhas forças e até me sacrificar se isto for necessário. O único objetivo é abrir a inteligência e o coração destas crianças para que elas aspirem tudo àquilo que é elevado e valoroso.
Na Igreja o Frederico Leiman dirigiu o culto. O velho Leiman se despediu da Congregação, por isto todos choraram por que ele vai deixar o Rio Novo para viajar com destino a Argentina a convite do filho que mora lá. Fui também visitar o meu tio Karklis.

31 / VII / 1922
A MINHA EXPERIENCIA NA ESCOLA

O mês passado trabalhei como professor. É uma ocupação dignificante, embora ligada a muitas preocupações. Tenho lido muito sobre a pedagogia, mas entre a teoria e a prática encontrei uma grande diferença. Como é difícil encontrar o caminho verdadeiro do ensino. Eu sempre procuro melhorar o meu desempenho, mas percebo que este é um caminho difícil de prosseguir e muitas vezes sinto que estou caminhando na penumbra ou na neblina.
Os meus alunos são muito bons com exceção de um italiano, o Pedro Baio, que é um menino pouco dotado e não consegue acompanhar a classe embora tenha 13 anos de idade. Eduardo e Clara Salit, Cornelia Balod e Elza Zanerip são os meus melhores alunos. Atualmente estamos estudando frações, mas a leitura deles é meio embaraçada. A Cornelia é a mais hábil por que também tem mais escolaridade. A Elza não está tão esperta e desconfio de que ela tem algum problema de saúde ou então que em sua casa a alimentação é muito pobre. Ela frequentemente se desculpa que não tem tempo para estudar. O Eduardo Salit, embora tenha apenas 8 anos, é muito diligente, mas algumas vezes é voluntarioso.
A classe dos iniciantes também progride a passos firmes para frente. Os filhos de Zanerip – João, Otilia e Lídia são bastante talentosos, principalmente na aritmética embora um pouco atrasados no estudo do português e estas dificuldades tenho de vencer.
A pequena Lídia Balod é muito esforçada, mas tive de colocá-la naquela classe iniciante por que sabia muito pouco. Pedrinho e Ângela são italianos, crianças de muito valor, principalmente a Ângela que aproveita muito bem o ensino e é a primeira da classe. Agora estamos decorando a tabuada.
Muitos dos meus alunos são chorões, mas, de um modo geral, eles me estimam e me respeitam. Faço todo o esforço para que o meu trabalho seja perfeito.
Surgem muitas situações interessantes. A pequena Lídia se concentrou tanto no desenho que, distraída, acabou caindo da cadeira. Eu a levantei, todos ficaram rindo, mas a pequena heroína não verteu uma lágrima.
No período de recreio os meninos descobriram num pé de laranjeira um fruto. Todos eles cobiçaram a laranja e iniciaram a escalada para alcançá-la, mas como havia muitos espinhos ficaram presos sem poder sair do lugar. Então houve uma choradeira geral até que os salvei desta situação.

06 / VII / 1922

No desempenho das obrigações e os deveres do professor surgem muitas situações imprevistas que revelam a natureza da criança, a sua personalidade e as suas emoções. Começamos a aula de História do Brasil e estudamos a respeito de Luiz Brito e Antonio Salema que vieram ao Brasil como Governadores. Quando terminei a explicação do assunto, pergunto a Otilia qual era o nome do 4° governador. Ela se levanta rapidamente e disse: “João Cabrito”. Todos nós fomos tolhidos pelo riso, mas a pobre Otilia chorava muito sentida e eu tive dificuldade de dissipar-lhe o pranto.
No comportamento da criança podemos identificar o seu caráter. Eu me viro para frente da classe adiantada e o pequeno João bate com a caneta na cabecinha da irmã. Eu vejo que o seu rostinho está rubro de impaciência e de raiva. Eu interpelo: “o que está acontecendo”? e o Joãozinho responde: “ela não quer me devolver” e começa a chorar.
Esta pequena gente sente tudo, querem parecer fortes e bonitos eles querem agradar o professor. Eles são iguais a plantinhas.


10 / VIII / 1922
O MEU ANIVERSÁRIO

O tempo corre rápido e a existência segue em frente a passos largos. Hoje estou completando 20 anos de idade. Agora já sou um jovem, mas ainda cauteloso, com um olhar desconfiado estou examinando a vida. A minha retina ainda não detectou o meu objetivo, mas de uma coisa tenho a certeza de que trabalharei, durante a minha vida toda, em benefício da humanidade. Sofrerei ofensas, talvez seja perseguido por divulgar a verdade.
Na minha mente surgem planos para trazer benefícios para toda esta gente, todo este povo que são meus irmãos. Não sei quanto tempo vou trabalhar em Rio Novo e quando tiver cumprido a minha missão aqui, não sei que rumo tomarei.
Leio muito e no meu pensamento surgem centenas de sentimentos e pensamentos e, através da minha cabeça, passam centenas de ideias e crescem muitas dúvidas; mas isto enriquece e fortalece todo o meu ser consolidando a minha base.
Não sei por que me conscientizei tão tarde. Em todos os setores eu me desenvolvi muito vagarosamente. Reconheço que não sou um individuo excepcionalmente bem dotado intelectualmente, tudo o que consigo aprender é à custa de muita força de vontade – mas isto pouco importa – para frente.


16 / VIII / 1922
DIA DE ALEGRIA

Ontem chegaram a Rio Mãe Luzia os meus pais vindo da Linha Telegráfica e este foi o meu dia de grande alegria. Até que por fim aquela loucura terminou. A Cornelia Balod chegou na escola e me deu esta notícia com muita alegria, dizendo: “Os Andermann chegaram”! A notícia foi tão boa e tão surpreendente que até custei de acreditar. Depois de indagar de várias pessoas, cheguei à conclusão de que os meus de fato haviam chegado. O João Karklis e a Lídia que casaram na Linha Telegráfica também chegaram, mas para o Rio Novo e se hospedaram na casa do pai dele, o tio Karklis.
Mas os meus como eles estão passando? Aquele grupo se dissipou como uma neblina soprada pelo vento e agora voltaram pobres e doentes. Hoje também recebi uma carta dos meus pais ainda escrita em Linha Telegráfica que, pelo seu conteúdo, provocou uma tempestade no meu pensamento e por vou guardá-la.
Hoje visitei o João e a Tereza. Eles estão tristes e abatidos. Fiz-lhes várias perguntas diretas e as suas respostas foram curtas e incisivas. Indagando se houve alguma mudança na sua vida espiritual – responderam que Rodolfo Andermann, nos últimos tempos, começou a falar com muita força de uma maneira muito estranha. No início houvera dúvida, mas quando ele insistiu, depois de muita desconfiança todos aceitaram de que o que ele dizia era a verdade. Isto certamente se referia aquela questão da dissolução do grupo de fanáticos.
Deixarei a escola por dois dias e vou a Mãe Luzia visitar a minha família.

VISITA A CASA DOS MEUS PAIS

No dia 18, depois da escola, a cavalo viajei para Mãe Luzia. Tomei o cavalo emprestado de Frischenbruder. Foi um dia tão lindo quanto quente e abafado. Cavalguei devagar absorto em vários pensamentos. O cavalo andava lentamente e trotava muito. Depois de passar por Orleans, escureceu, continuei o restante do caminho à noite. Estava tão agitado que o sono nem se aproximava.
Para descansar a velha montaria às vezes parava e me deitava, mas os mosquitos não davam sossego. De manhã bem cedinho cheguei a Mãe Luzia. Esperei os meus pais acordarem enquanto amanhecia e aproximei da casa com o coração angustiado.
A minha mãe foi a primeira a sair e ao me ver começou a chorar de alegria e por muito tempo me beijou e abraçou contra o seu peito. Depois saiu o meu pai sorrindo e até o Julinho saltitava de alegria.
Cumprimentei todos, um a um. A minha mãe me disse que veio ansiosa para me encontrar, mas quando chegou a Mãe Luzia e soube que eu havia ido embora sentira tristeza no coração. Todos demonstraram grande amor, carinho, estavam falantes e o encontro foi jubiloso.
Na mesa da família novamente comíamos juntos como nos velhos tempos. Julinho disse: “O nosso alimento vem através das portas e das janelas”. Eles estão pobres e não tem mais nada: “Pois tudo que eles possuíram, deixaram pela causa do Senhor”, conforme declarou o meu pai.
Quando saíram da Linha Telegráfica de volta para Mãe Luzia os Strauss não se lembraram de devolver nada do que tinham levado e dado para a coletividade. Além disto, eles ficaram com o celeiro cheios de espigas de milho muitos sacos de arroz, 25 bovinos, novas construções e um moinho de farinha e beneficiar arroz. Até a roupa com que regressaram era a mesma com a que tinham ido para lá.
Houve compra de fazendas para a coletividade, mas os da minha família como os mais humildes, não souberam amealhar nada para si próprios; outros se aproveitaram e costuraram roupa até para encher baús.
Lá eles passaram dias negros. Todos os usos e costumes foram copiados da vida diária que os Strauss levavam, por que eles eram os anfitriões. Na mesa conjunta as refeições tinham de ser devoradas com rapidez e silenciosamente. Aqueles que não tinham dentes ou os tinham em mau estado e não tinham aprendido a “engulir” como os Strauss, se alimentavam parcialmente.
A todos eram atribuídos trabalhos e obrigações como tarefa de tempo determinado e havia os “fiscais” encarregados de vigiar o desempenho. Deitavam-se para dormir às 9 horas e a alvorada era tão cedo que muitas vezes, feita a reunião matinal de orações e tomado o café, ainda estava escuro e tinham de aguardar o nascer do dia para irem ao trabalho na lavoura, isto tudo sem receber qualquer recompensa pecuniária.
Logo que a Ida casou-se com o Rodolfo ela tirou o corpo da liderança alegando que agora era uma senhora casada obediente ao marido.

MINHA MÃE

Tornou-se pálida e fraca, surgiram muitos cabelos brancos, perdeu o sono e ficou com o sistema nervoso totalmente abalado. Ela esteve enferma de impaludismo a ponto de querer morrer. Não conseguia comer quase nada, chegou a ficar inchada e já estava cheirando a defunto. Chegou a olhar a morte nos olhos, mas que a sua fé a havia salvado.

O MEU PAI

Ele perdeu quase todos os dentes e parece muito envelhecido. Está amável como nos antigos tempos, sorri e parece feliz. Também ele adoecera de impaludismo.

MELY ZELMA

Ela está admiravelmente desenvolvida. O seu rosto está cheio de sardas e por isto não parece tão bonito. As suas cordas vocais ficaram danificadas irreversivelmente por causa daquela gritaria nas reuniões de fanáticos durante aquele período abominável, mas ainda me deu o testemunho do amor de Jesus e parece estar feliz.

O TEÓFILO

Ele cresceu, mas moderadamente. Está pálido. Os dentes estão em ruínas e a sua vozinha também está danificada por causa daqueles excessos de gritaria da Linha Telegráfica. Também padeceu longo tempo com impaludismo. Queixou-se que teve de trabalhar carregando pesados feixes de rações de capim, por ele mesmo cortados, da roça para local distante onde estavam os estábulos para alimentar os animais; quando lhe faltaram forças devido a enfermidade, a Ida através daquelas línguas o destratara chamando-o de malandro e preguiçoso. Apesar disto está esbelto e bonito, mas muito circunspeto e declarou que lá, naquele lugar, o que ele mais fazia era chorar.

CLAUDIA

Está pálida e parece uma brasileirinha. Também estivera a morte por causa daquela malária e chegou a ficar tão exangue que não conseguira mais caminhar de casa para a cozinha.
Lá nenhuma assistência médica ou de remédio era permitida.

JULINHO

É alegre, despreocupado, esperto e vivo. Também ele se desenvolveu. Já sabe ler, mas não sabe escrever. Ele é saudável e é a minha alegria.

20 / VIII / 1922

Esta chovendo. Fizemos culto em casa. Ainda orava-se em fila ajoelhados no chão com o rosto no assoalho. Não se falavam mais aquelas línguas nem se pulava ou dançava. Só se admitia dançar por motivo de alegria. Ainda se cantavam aquelas cantigas espirituais que foram iniciadas por Rodolfo, e, que já foram passadas para o pentagrama que são cantigas curtas, mas muito espirituais.
À tardinha fui à casa do Zeeberg e arranjei dinheiro e dei 50$000 para ajudar os meus pais. Combinei com João Frischenbruder que ele me daria aulas de álgebra por correspondência.
O Rodolfo parece à mesma coisa de antigamente. Ele foi poupado do trabalho pesado, enquanto os outros trabalhavam na roça, fazia alguma coisa em casa. Foi ele quem construiu o moinho. A minha avó Ana, esta sim sofrera muito, mas agora contente, apenas lamenta que o tio João e a Lina vão embora para Nova Odessa, pois já venderam as terras que possuíam aqui.
Minha mãe falou-me que quando o Rodolfo começou a falar para irmos embora de Linha Telegráfica, então por algum tempo ela deixou de entender e acreditar que isto realmente aconteceria, por que até então, repetidas vezes, todos haviam falado que aquele grupo não se separaria mais. Finalmente acordara como se isto fosse um sonho e que então no seu ouvido soaram as palavras de um poeta que dizia:
“Tudo isto foi apenas um sonho”.
Que não merece consideração”.
‘No domingo à noite iniciei a minha viagem de volta para o Rio Novo. O tio João e a tia Lina vão embora na segunda feira. Também no meu ouvido soava:
“Life ist but a empty dream”
(a vida é apenas um sonho vazio).

07 / IX / 1922

A festa dos 100 anos de independência estão sendo festejados no Brasil com grande entusiasmo. Esta é uma data excepcional. Independência como tu é cara e quanto és bela. Tu solidificas a nacionalidade dos povos que é à base do seu desenvolvimento. Que cada um tenha escrito no seu coração esta palavra “A Liberdade”.
O meu desejo é para que os povos conquistem a verdadeira liberdade, unidade e irmandade.
Os tempos passam, mas permanece a história que é a memória do passado preciosa e sagrada, mas, oh povo Brasileiro, não olha tanto para traz. O teu verdadeiro objetivo é o desenvolvimento no futuro. Avante! Avante!
Seja este o seu grito de ordem neste dia sagrado – sempre Avante!
O João Karklis e a Lídia Tereza que voltaram de Linha Telegráfica para o Rio Novo, agora vão mudar para Mãe Luzia.
Mamãe escreveu uma carta dizendo que está passando bem. Para ajudar, os vizinhos, mandam uma coisa e outra a fim de ajudar neste novo início de vida e avisaram que estão dispostos a suprir tudo que estiver faltando.
Diz que o Julinho está sempre falando que quer vir ao Rio Novo para estudar comigo e que o Teófilo esta roçando campo para plantar.
Neste mês, aqui na escola, iniciamos o estudo da gramática portuguesa. Faremos traduções do Letão para o português, mas os meninos ainda estão estudando a pronúncia.
A minha vida corre pacífica, mas não tenho a paz de espírito por que sou um pesquisador.

17 / IX / 1922

Hoje a Mocidade da Igreja teve uma sessão para tratar de assuntos administrativos. Os jovens trocaram ideias acerca de festejos que acontecerão no próximo mês que abrangerá também o Jubileu de Prata dos 25 anos de existência da Congregação Batista do Rio Novo. Queremos dar muito brilho a esta solenidade. A ideia de que a entrada fosse mediante convite pago, não vingou, por que Alexandre e eu protestamos.
Houve a eleição da nova diretoria e embora eu tivesse recusado por motivos fortes fui eleito o Presidente da Comissão organizadora que terá muito trabalho pela frente.
Também temos de deixar tudo anotado para preservar a história desta Colônia. Houve muita desordem por que muitos conversaram e riam entre si, mas o presidente desta sessão consultava um e outro, mas não conseguiu a sua finalidade principal, que é a de disciplinar a sessão. No próximo ano queremos mais ordem e eficiência nos trabalhos.
Finalmente J. Zanerip propôs que as uniões de jovens, homens e moças, que agora estão separados fosse reunidas em uma só, no que foi apoiado por unanimidade.
Tarde da noite, quando voltei para casa, chovia. Havia muita escuridão, o caminho esteve escorregadio e eu levei dois tombos.

25 / IX / 1922

Na minha vida acontecem muitos milagres e este acontecimento de que irei morar nas dependências do pastor da Igreja foi um deles. Na casa de Alexandre Klavim eu estava muito à vontade por que podia tocar o harmônio nas horas de folga; mas todos os dias eu tinha de gastar 40 a 45 minutos para fazer o percurso de ir e voltar à escola perto da Igreja. Sempre desejei morar naquela casa, mas lá estavam os alemães. Hoje eles se mudaram e imediatamente quero ocupar este espaço vazio. Deles eu comprei várias músicas.
Agora já me encontro morando na casa pastoral. O primo Ernesto trouxe os meus livros e hoje acabei a mudança, eu mesmo, trazendo a minha roupa.
Fui visitar a minha tia Karklis que me cedeu roupa de cama e também providenciou comida. Fui a Orleans e comprei utensílios de cozinha.
Gosto destes aposentos onde eu passei toda a minha infância quando meu pai aqui ainda era o pastor. Vejo quanto à vida muda de rumo, se agita, segue em frente de acordo com a vontade de Deus.

30 / IX / 1922
O CASAMENTO DO PRIMO FILIPE

Terminada a escola, vesti o terno apropriado e fui para a casa dos Karklis. Os convidados vieram chegando e breve, a cavalo, vieram os nubentes de Orleans, com o seu séquito nupcial. Tudo estava enfeitado de flores e mesa estava posta com fartura.
Cantamos, tocamos música e conversamos. Eu não estava alegre por que o meu coração estava lânguido.
Adoro lecionar na escola, mas é difícil ensinar as crianças a ler e quando escrevem também tudo está cheio de erros. Já estou trabalhando há 3 meses, mas os resultados estão aquém do que eu esperava. À noite estudo para me preparar para aquelas provas de suficiência que terei de prestar em Orleans.

08 / X / 1922

Todas as boas coisas surgiram em conjunto. Chegou o missionário A B. Detter que dirigiu o culto e recomendou a Congregação que apoiasse o Carlos Leiman no trabalho dele de pregar o Evangelho em Tubarão. A Igreja prometeu ajudar. Este irmão já realizara várias reuniões em Tubarão mesmo contra a vontade do padre que chegou a solicitar do Chefe de Policia para que isto fosse proibido, mas sem resultado. Tentou insuflar os paroquianos contra, mas também sem êxito. Amanhã de noite ele vai fazer novo culto de evangelização e o nosso coro vai, de trem, para cantar. Informou que houve muito interesse daquele povo.
Hoje de noite fundamos uma União de Mocidade juntando os moços e as moças num grupo único. Houve eleição para 9 membros da Diretoria e para mim coube o posto de regente substituto do coral.

16 / X / 1922
A FESTA DA MOCIDADE

Fui eleito para dirigir estes festejos. Preparei-me cuidadosamente, mas quando o programa teve início eu me senti fraco, cometi vários deslizes; mas o meu desejo foi que a mocidade se aprofundasse mais nas coisas de Deus e volvesse o seu olhar para aperfeiçoar a sua ação no futuro.
O programa foi rico de conteúdo; muitas músicas tocadas, muito canto coral, poesias, tudo entremeado de citações, de forma que o tempo se esgotou e a segunda parte teve que ficar para o próximo domingo. J. K. Frischenbruder teceu muitos comentários a respeito da nossa história.
O templo estava lotado e o público atento ao programa demonstrava de que todos estavam satisfeitos. O meu desejo é de que ele traga muitas bênçãos.

22 / X / 1922

Hoje houve a apresentação da segunda parte do programa. Pedi para que me tirassem da direção dos trabalhos por que, por causa daquela questão da entrada paga, fui mal entendido, mas não me dispensaram. A casa novamente estava lotada e todos aplaudiram e tudo isto me deixou muito contente graças a Deus.

26 / X / 1922

Acompanhado de João Salit fui a Orleans onde um professor me interrogou e disse que iria me encaminhar para Laguna a fim de realizar aquele exame. Eu escolhi o início de dezembro para fazer esta prova por que assim terei mais tempo para me preparar e me sair melhor – isto é muito importante para mim.

NOVEMBRO

Gasto muito pouco com a manutenção da minha vida. O meu salário é muito modesto, mas fazendo economia da para viver. No mês passado comi 3 broas de pão, consumi 10 dúzias de ovos e uma garrafa de leite por dia. Também recebi muita coisa de presente mandada pelos pais dos alunos. Gastei com a alimentação 14$200 (quatorze mil e duzentos reis).

DEZEMBRO

Há bastante tempo, eu, na minha escola, tenho apenas 6 alunos. Até parece que eu sou um professor de aulas particulares. Não tenho muito que fazer. Acabei dando demais liberdade para os alunos e por isso eles se tornaram desobedientes. Chego a conclusão que devo ser mais severo, mais intransigente.
Na nossa escola existe muita alegria, entrei nuns trilhos de dar aulas, como aconteceu em Nova Odessa, onde alegria se tornou em algazarra que assim é prejudicial. Alguns casos de desobediência tive que punir.
Os meus alunos se queixam que tem pouco tempo para estudar, por que tem de trabalhar na lavoura para ajudar aos pais e por isto chegam à escola sem as lições de casa cumpridas. Então se torna difícil repreender; mas às vezes reclamei e impus as tarefas por que, às vezes, não havia saída, pois relaxavam tanto que perdiam o fio da meada, perdiam a vontade de estudar, tornavam-se desobedientes e com preguiça mental.
Vamos começar a estudar o idioma inglês e por isso os alunos ficaram muito animados, mas eles não imaginam como é difícil de se aprender uma língua extra; as primeiras lições receberam com muita boa vontade, mas será que serão insistentes?
A alimentação, para mim, fica cada vez mais barata; o João Salit e outros me mandam comida já preparada e pronta feita em casa. Em outras escolas, este mês já é de férias. Também espero receber estas férias e nelas tratarei de trabalhar outro serviço manual que pretendo executar com muito prazer.
Todos os dias estudo o português por causa daqueles exames que vou prestar, mas tudo me corre bem e estou alegre.

03 / XII / 1922

Ontem recebi carta dos meus pais dizendo que me esperam ansiosamente e em todos os dias falam no meu nome, mas o tempo vai ser curto, porque terei apenas uma semana de férias; mas logo em seguida deste pensamento o Salit me disse que, a partir da próxima semana, posso me ausentar até o 1° de janeiro. Por isto espero, brevemente encontrar com a minha família. Vou ajudá-los nos trabalhos da lavoura e quando voltar vou trazer o Julinho comigo para completar a alfabetização na minha escola. Assim mudam-se os tempos e com eles o destino.
Recebemos a visita de Carlos Leiman que declarou que não vai ficar em Tubarão, mas continuará lá até o levantamento de dados estatísticos.

08 / XII / 1922

Hoje, os meus melhores alunos prestaram os exames anuais onde somei a média das notas mensais:

Gramática
Português História do Brasil Comportamento Aritmética História da Látvia Língua
Leta Ciências
Naturais Geografia
Eduardo Salit 86 74,5 80 77,2 85 78,8 80 75,2
Clara Salit 78 77 89 75,7 65,7 79,8 77 78
Cornelia Balod 80,5 79 89 74 80 74,5 77,5 82,4
Alice Slengman 68 82,6 100 68,4 85 73 75,5 81,4

09 / XII / 1922

Acabaram-se as aulas, entramos em férias; fato este que nos alegrou muito porque depois de um trabalho diligente, o descanso é merecido. Durante a metade do ano nós alcançamos resultados – prêmio pela nossa luta e agora vamos descansar e depois reiniciar a batalha contra ignorância. As crianças cansam com facilidade e este espaço de tempo livre é necessário para repor as energias. Quando eu mesmo adolescente frequentava a Escola de Nova Odessa, então muitas vezes, o estudo me parecia insuportável, monótono e demorado. Lá, todos os alunos trabalhavam na lavoura, inclusive eu; por esta razão, para assimilar as matérias, cansado, ainda assim tinha de estudar até tardes horas da noite. Cheguei a pensar: “será que eu não poderia imitar os outros que apenas trabalham. Por que devo estudar”?
Pensamentos semelhantes certamente se insinuam no pensamento de todas as crianças; então quanto é agradável o descanso.
Quero também fazer uma observação retrospectiva sobre este meu trabalho. No fim do ano apenas 6 alunos continuaram a frequentar a escola: Eduardo Slengman, Lídia Balod – na classe dos iniciantes – e os quatro já mencionados – porque os filhos de Zanerip, depois daquela festa da mocidade, deixaram de estudar. A classe mais adiantada, na aritmética, decorou a tabuada de multiplicação e no final já sabiam trabalhar com frações. Também no aprendizado das gramáticas Leta e Portuguesa, nós passamos por toda a lexicologia. Na geografia estudamos todos os continentes e como já disse, ultimamente iniciamos o estudo do Inglês. Observando os meus alunos do ponto de vista da psicologia, vejo neles algumas falhas inatas. O Eduardo Slengman é chorão; ele é capaz de verter lágrimas por qualquer bobagem e quando o deixava de castigo ele chorava de raiva e sacudia a mesa como um débil mental; mas a sua natureza era muito boa.
Eduardo Salit é um cabeçudo. Ele é muito aquinhoado e o seu poder de memorizar é impressionante. No fim do ano ele perdeu o ânimo e tornou-se desobediente. Eu dou aos meus alunos muita liberdade porque não quero limitar o seu desempenho e a tendência que devem se desenvolver espontaneamente, mas exigi exatidão nos resultados e quando isto não acontecia – muitos alunos perderam o recreio. Estou me separando deles com tristeza e não sei por que motivo espero tanto deles.

23 / XII / 1922

Outra vez estou na casa paterna. Do tio Karklis tomei emprestado o cavalo e do Frischenbruder a sela. Iniciei a jornada cedo de manhã, mas o cavalo era vagaroso e a viagem foi lenta, embora o tempo estivesse nublado e a estrada enxuta. Cumprimentei a todos, mas não me sentia feliz. Ao chegar a Mãe Luzia, junto com os meus irmãos fui tomar banho no velho rio e eles aproveitaram a oportunidade de estarem longe dos pais, então me contaram coisas terríveis que aconteceu com eles na Linha Telegráfica. Quero anotar vários acontecimentos: numa ocasião ao ser distribuída a sobremesa a profeta Ida colocou, no seu prato, uma porção maior de uma guloseima. Uma irmã participante do grupo, depois comentara este fato levando a mal este procedimento. Os espiões certamente contaram a interessada.
Na próxima reunião, por intuição do espírito, a Ida proibira, daquele dia em diante, a cozinhar aquele doce novamente. Através da profetisa Ida aquele espírito, ordenara a Teófilo, que ele devia conseguir ração para os cavalos, então ele subia pela margem do rio para cortar um capim mais viçoso, mas quando trouxe o fardo a velha Strauss mandou que aquele pasto fosse servido para os bezerros. Depois ele teria de entrar na floresta para apanhar tais e quais ervas, então ele entrou no mato onde colheu um novo feixe; mas quando entregou aquela carga, lhe disseram que não era suficiente e ele deveria conseguir mais.
A Ida tomara muita antipatia por ele a ponto de odiá-lo, e naquelas rodas de culto falava mal dele abertamente. Ela dissera de que ele era um glutão que devorava a comida e de que era mal comportado. Além disso, sempre ralhara com ele dizendo que ele era um caso perdido.
Numa outra ocasião o Teófilo estava dormindo sono solto quando acordou com a minha mãe gritando por socorro com todas as forças dizendo que o seu fluxo sanguíneo estava parando na cabeça e de que temia um colapso; mas vendo este desespero a Ida ainda mandou todos pularem em sinal de louvor.
Se alguém do grupo demonstrasse qualquer desanimo e gemesse, então todos os participantes da reunião deveriam gemer também em coro; mas ao contrário, se alguém dos presentes desse um grito desvairado de alegria – todos deveriam acompanhar como loucos. “Gritai com todas forças, por que quem não gritar, perecerá” dizia Ida. Na mesa das refeições a família dos Strauss engolia o alimento com a maior rapidez possível e quando eles terminassem a refeição, todos os outros do grupo deviam agradecer e sair da mesa.
Os membros da minha família não estavam habituados a esta maneira selvagem de se alimentar, então passavam fome. A minha mãe fora submetida a um jejum involuntário por que, período antes do ataque de febre malária estava na hora de comer e não sentia fome, mas depois de passada a crise, não dispunha de alimento fora do horário. Debilitados pela malária, depois todos sentiam muito apetite, mas não dispunham de forças para trabalhar; então eram acusados de “comilões e malandros”. Eles não levavam em consideração o fato de que minha mãe sofrera aquela terrível enfermidade precisava de tempo para convalescer, pois apenas conseguia costurar alguma coisa e isto mesmo a custa de muito esforço.
A Ida a tudo isto inspecionava de um plano superior e iniciara uma campanha de acusação pública contra a minha família naquela roda de reuniões.
Numa ocasião quando a minha irmã Mery Zelma tivera um período de dúvida sobre aquele comportamento e sofrera luta no íntimo da sua alma; então a profeta resolveu esta situação através do espírito, mandando que, dormisse três noites despida, em sua companhia. Ela mesma despira a Mely Zelma as vistas do tio Rodolfo, que foi então convidado a se retirar do aposento ao ser tirada a última peça de roupa íntima.
Passado este episódio, dia seguinte, na reunião daquela roda o espírito mandou que ela mesma, a Ida e o Rodolfo deveriam dormir juntos a partir de então. “Vocês devem lembrar-se do mandamento de Deus que diz” – “aqueles que foram unidos por Deus ninguém deve separar”. “A eles é permitido, por intermédio de Cristo, a se amarem inocentemente como se crianças fossem; aqueles casados no Registro Civil e que durante toda a vida estiveram se prostituindo aqueles não seriam capazes de entender a pureza deste gesto por que trazem aquelas regras bíblicas no coração”. “Dormindo juntos é que se aprende a vencer a maldade” doutrinavam a Ida e o Rodolfo.
Quando toda a comunidade começara a tecer comentários e surgir dúvidas sobre este comportamento, então veio ordem para que todos dormissem juntos. Então estendiam esteiras no assoalho e lençóis e a própria Ida juntava os casais para passarem a noite dormindo juntos, alternadamente; mas ela mesma e o Rodolfo formavam um par constante.
Todos aqueles que não cumprissem as ordens de Ida literalmente era odiados; mas aqueles que cumpriam tudo sem discussão eram os bons.
Uma moça que se chamava Mina, que impressionava pela sua beleza, era terrivelmente invejada, a ponto da Ida proibir os homens a falarem com ela dizendo: “quem falar com ela está na perdição eterna; o homem que falar com ela será tolhido pela ambição da carne, ela é imunda, etc”. mas a Mina não entendia o porquê deste desprezo e continuava orar e a jejuar cada vez mais, mas não conseguia misericórdia.
O Eduardo Selmanis, velho Strauss e minha mãe sofreram muitas injustiças. Numa ocasião trabalhando na lavoura as crianças comentaram entre si sobre os acontecimentos e uma menina, a Olga, dissera: “eu não acredito que este espírito seja de Deus, por causa do que acontece com o Eduardo”, quando, atrás de uma moita surgiu um vulto (talvez Matilde) e já no culto da noite, naquela roda, a Ida sentenciou: “Olga e as outras crianças estão destinadas à perdição e ficarão a mercê do anticristo que os conduzirá e entregará ao “João Louco” para serem perseguidas, mutiladas pelos demônios, transvertidos em porcos e outros animais selvagens”.
Acontece que o meu pai ainda mantém a sua convicção inalterada. Ele defende tanto os acontecimentos da Linha Telegráfica que lamenta ter tido de regressar a Mãe Luzia. Ele está irremediavelmente embutido desta doutrina. Falei muito com ele, mas não discuti nem dei respostas, porque ele é o meu pai que me gerou e eu o estimo e o respeito. Agora ele está me ensinando o Inglês e descobri que ele domina este idioma com perfeição.
O tio Rodolfo retornou para a Linha Telegráfica para apanhar a Ida com quem está casado e vai trazer os sogros e mais outros parentes. Com ele sim, eu falaria palavras ásperas e duras. Não acredito que eles possam viver juntos em paz e estão falando que o Rodolfo vai mudar para o Braço do Norte.
Estou tomando aulas com J. K. Frischenbruder e dei um bom impulso em aprender línguas. Domingo, junto com os meus irmãos, fomos a Escola Dominical Batista. Eu não estava preparado para falar, mas assim mesmo me obrigaram a dirigi-la como também o culto. À tarde vieram os velhos companheiros trazendo os seus instrumentos, então tocamos muitas músicas.
Durante o dia eu trabalho na lavoura o que me parece agradável por que me sinto bastante forte.
Todos os meus irmãos continuaram a se lamentar sobre os acontecimentos da Linha Telegráfica, que não vou anotar, porque tudo isto me magoa e revolta profundamente.
Acabaram-se as férias e ao voltar para Rio Novo levei comigo a irmãzinha Claudia, o violino, a cítara e um pequeno armário para guardar os meus escritos.

NATAL – 25 / XII / 1922

Na Igreja Batista de Rio Novo, iniciamos os festejos ainda a luz do dia para que não entrassem muito pela noite adentro. Pois o Zeeberg que dirigiu o programa e se desempenhou da incumbência com muita beleza.
Todos os meus alunos participaram da apresentação, mas poucos conseguiram o sucesso desejado, mas também não ouve as monótonas falas de esclarecimento. No fim da festa cada aluno recebeu um embrulho com presentes.
No dia seguinte fui a Orleans procurar o meu processo pedindo prova de suficiência para ser professor que foi indeferido, por que faltava anexar outros documentos. O Salit me aconselhou voltar lá outra vez para anexá-los.
Retornei no dia 28, mas apenas consegui o Certificado da Polícia, mas ainda era necessário o Atestado Médico e este somente poderia conseguir em Tubarão como também o Atestado de Vacina contra a varíola. Dormi em Orleans para no dia seguinte, às 6 horas, tomar o trem para Tubarão. Chovia e ainda estava escuro como breu a ponto de mal enxergar o caminho que estava muito escorregadio e foi por sorte que não levei tombo. Cheguei à Estação molhado. Chegando a Tubarão, lá também chovia. Procurei a casa do Dr. Otto Tearschite, mas a empregada me disse que ele já havia ido para o hospital, mas lá chegando, ele também não estava; então todos nós que estávamos esperando soubemos que ele estava em outro local e somente apareceria de tarde.
Durante o dia todo fiquei na varanda do hospital esperando, até que ele chegou de tarde. Então ele me atendeu e disse que o Atestado de Saúde ele me daria, mas a vacina eu teria de tomar em outro local.
Passei a noite no hotel; lá encontrei um suíço engenheiro de profissão, que no desempenho de sua especialidade, havia viajado pelo mundo todo. Era um homem respeitável, de coração aberto, mente científica – falamos sobre arte, política e finanças. Se em toda parte existissem pessoas assim instruídas, com quem trocar ideias eu ficaria respeitado.
De posse dos atestados, voltei para Orleans a fim de completar a documentação; mas então surgiu outra exigência – a da naturalização que também somente poderia ser conseguida em Tubarão.
Em consequência desta exigência, resolvi voltar na outra semana. Na outra investida um funcionário me mandou falar com outro e este para o terceiro, até que fui informado que teria de requerer o documento na Secretaria do Interior do Governo de Santa Catarina; mas aconselharam que eu contratasse os serviços de um advogado. Já tendo despendido 46$000, não me sobrou mais nenhum tostão e voltei sem ter conseguido qualquer êxito. Esperava ansiosamente para prestar aquela prova imediatamente, mas agora, nem sei se isto será possível; por causa disto fico angustiado.
À tarde encontro o Senhor Evaristo – ele me deu esperanças de conseguir o documento, mas com a condição de propagar a sua candidatura para eleição de Comissário.

31 / XII / 1922

Consegui ser eleito delegado da comunidade Leta. Hoje na hora de reunião na Igreja falei em favor do Sr. Evaristo como Superintendente. Defendi a sua candidatura com todo empenho, embora ele não fosse simpático aos mais velhos – mas consegui convencê e finalmente me elegeram como mensageiro desta comissão.

SALVE 1923
VIVER É LUTAR CONTRA AS FORÇAS DAS TREVAS QUE HABITAM EM
NOSSOS CORAÇÕES E NAS NOSSAS MENTES – Ibsen.

Neste ano ainda não escrevi coisa alguma porque até agora nada de especial aconteceu. Por razões desconhecidas, nós os delegados políticos não fomos mandados para Florianópolis; somente tivemos o trabalho de ir e voltar a Orleans.
Escrevi aos meus pais que me mandassem a minha Certidão de Nascimento e alguma orientação sobre a minha naturalização, se a soubessem, mas a resposta que recebi de pouco adiantou. Por causa deste destino adverso vejo que não terei a possibilidade de prestar aquele exame de suficiência.
Depois de um mês de férias reiniciamos as aulas no dia 8.
No dia 17 o Gustavo me mandou uma carta de Conrado Frischenbruder, com a proposta para que o primeiro que fosse viajar para Nova Odessa, levasse a minha irmã Mely Zelma junto. Sobre este assunto escrevi longa carta para a minha família que foi levada em mãos pelo Jacob Karklis. O Conrado resolveu retornar para Nova Odessa e para encaminhá-la junto, esperava que ela chegasse até segunda feira, dia 27, mas ela não apareceu. Claudia então supôs de que ela não viajaria; mas na minha mente estava claro de que ela viajaria.
No dia 31 não houve aula por que tive de ir a Orleans ao encontro dos homens do Governo, a fim de rogar uma licença permitindo o funcionamento da escola. Quando voltei encontrei a Mely Zelma e também o Julinho que já estavam com a Claudia o que me causou um misto de alegria e admiração.
Mely Zelma disse os pais terem-lhe permitido viajar. O tio Rodolfo como o guia espiritual daquela seita opôs forte resistência ao plano. Falou que depois de voltar de Linha Telegráfica ele se empenhou para apanhar todos os bens materiais só para ele. Que as suas pregações ainda continuavam estranhas.
Tive a impressão que estava vendo a Mely Zelma pela última vez. A despedida é sempre dolorosa, dolorosa, dolorosa. Ela cresceu está esbelta e muito linda. Agora em Mãe Luzia, além dos meus pais só resta o irmão Teófilo.
Lemos que no Rio Grande do Sul estourou uma revolução e o Município de Orleans também se rebelou; isto porque o nosso povo não suporta mais o Governo dos Nunes que cercado pelos irmãos e parentes é os líderes. O tal de Evaristo em Orleans não passa de um simples moço de recados que apenas sabe fazer promessas que acaba não cumprindo. Ultimamente eles criaram muitos impostos novos.

18 / II / 1923

Os italianos, em grande número, foram ao povoado de Orleans, armados cercaram o edifício e obrigaram-no a assinar uma carta de renúncia ao cargo. Mas sorrateiramente telegrafou para Florianópolis dizendo que o povo havia se levantado contra o Governo e no mesmo dia foi mandado um pelotão de soldados armados comandados por um tenente.
Esta renúncia tinha sido exigida pelo outro Partido Político, inimigo daquele no poder, mas que também eram pessoas respeitáveis; com a chegada dos soldados, a promessa da renúncia não foi cumprida.
Por isto a revolta continuou na segunda feira, dia 19; a partir do meio dia todos os colonos foram avisados para comparecerem e informados que a cavalo, devia dirigir-se a Orleans. Neste dia à noite, na Igreja Batista estava programada uma reunião extraordinária para a discussão dos assuntos da mocidade e devido ao levante, não pudemos acender as lâmpadas e a reunião não se realizou; mas do lado de fora do Templo, estávamos vendo que, silenciosamente, uma grande multidão se reunia.
Na minha mente surgiram vários pensamentos. Fiquei admirado pelo fato de que, assim repentinamente, sem qualquer agitação ou propaganda, um tão grande número de pessoas entusiasmado conseguiu reunir-se em torno do mesmo problema, espontaneamente.
Os principais agitadores eram os Poloneses que até prometiam vingar-se contra os omissos. Eu me aconselhei com o Salit e o Karp que era melhor que eu também aderisse à causa.
Os Letões sob o pretexto de apanhar armas e devidamente guarnecidos, cerca de 8 pessoas e às 13 horas partimos para o local da contenda, numa linda noite iluminada pelas estrelas, que brilhavam em qualquer espaço do céu que se olhasse. Nós marchamos trocando ideias tentando prever os acontecimentos.
Em frente do Moinho do Arthur Paegle, vimos postados guardas armados que nos animavam: “sempre em frente por que não vamos deixar recuar até a revolução da contenda”. Isto me soava estranho e eu já estava arrependido de ter ido tão longe. Sentamos no chão para descansar as pernas. Soubemos que no nosso grupo havia uns 250 homens que estavam dormindo no mato.
Corria o boato de que mais dois vagões da Estrada de Ferro haviam trazido soldados: “mas nós os aniquilaremos com os tamancos” diziam. Outros falavam que, no espaço entre nós e Orleans havia mais de 1500 homens em ordem de combate que eram chefiados por líderes competentes. Foi nos recomendado, que daquela hora em diante, deveríamos obedecer à voz de comando. Para onde se olhasse havia homens ostensivamente armados.
Chegaram mais outros Letões que nos cumprimentaram e mostraram satisfação pelo grande número de pessoas reunidas.
Por todo lado era comentado o motivo desta revolta que eram os impostos insuportáveis e desumanos com que o Governo havia sufocado a população. Alguns faziam caçoada; outros contavam prosa de valentia, mas eu pensei, como é ignorante este povo; se ao menos tivessem o cuidado de virem desarmados.
Eu sentenciei intimamente: “Quando o primeiro soldado der um tiro, todos eles fugirão pisoteando-se uns aos outros”. O maior parte deste povo veio obrigado ou enganado, por que piquetes armados entravam nas casas e conseguiam as adesões, sob ameaça.
O Vilis Elbert tinha a mesma opinião que eu e falou: “que a maior bobagem foi terem trazido armas – isto sim – deviam ter vindo apenas com a força moral, porque os fuzis dos soldados têm muito mais alcance e melhor pontaria do que as nossas espingardas pica-pau”.
Amanheceu. O nosso chefe Franklin comando: “avante”! Para principiar já foi difícil acordar todo o mundo. Os mais pobres, por estarem mal alimentados, sentiam-se mais fracos por que estavam mais tempo sem comer. Com uma imensa dificuldade acabamos reunindo todos e iniciamos o movimento para frente até o local determinado. Ocupamos uma quina da cidade, perto do rio, onde existiam umas casas e neste local deveríamos esperar novas ordens.
Agora a luz do dia conseguimos ver melhor os nossos companheiros. Lá estavam idosos que se moviam lentamente, mulatos desinteressados, poloneses de tez muito pálida, os italianos firmes e fortes, os letões de estatura elevada. Todos estavam abaixados porque o sol já começava a esquentar.
De surpresa chegaram a cavalo 3 homens; o primeiro montava uma mulinha muito bem tratada e encilhada, mas o cavaleiro parecia cansado. Ele impressionava pelo seu porte imponente, era robusto e de estatura elevada, uma fisionomia bonita e uma atitude determinada. Chamava-se João Gusman, era comerciante e um dos dirigentes. A sua fala era mansa e amável – era popular, logo que chegou foi cercado e cumprimentado por todos. Ele falou que nós iríamos entrar em Orleans às 10 horas e o sinal para o avanço seriam três tiros para o alto. Informou ainda que na cidade não havia mais de um Pelotão de 15 soldados comandados por um tenente e 8 policiais, que não ousariam resistir.
Então ele animou a tropa dizendo: “Nós temos de limpar Orleans destes canalhas”. Ele prometeu matar dois novilhos para dar alimento para todos. Dito isto ele foi embora, mas o seu pronunciamento nos animou e impacientemente estávamos esperando a hora marcada.
Todos os caminhos estavam guardados e não deixavam recuar. Um dos companheiros do grupo que entrou no mato para procurar um local e satisfazer as suas necessidades pessoais, quase foi morto.
Lá pelas 9 horas chegaram 8 soldados armados. Eles vinham marchando em nossa direção e isso foi suficiente para a nossa coragem desabar. A multidão não esboçou sequer um movimento. Agora os soldados vinham em marche, marche, alto e se aferravam ao chão, apontando as armas em nossa direção. A multidão começou a esconder as armas e muitos já às jogavam no mato. Franklin, o nosso líder gritou: “Eu sou o líder, sou o líder, e por isto tenho de fugir para não ser preso”.
Eu tranquilo fiquei parado próximo de uma casa; mas dos outros poucos ficaram nos locais combinados. A maioria fugia pela capoeira estalando os galhos secos que pisavam. Alguns fugiam pelas cercas que quebravam e outros – simplesmente pela estrada, a cavalo correndo e galope somente parando depois de chegar a casa.
Imediatamente os soldados cercaram os remanescentes e os desarmaram. O canivete que eu portava – joguei fora. Depois cuidadosamente os soldados juntaram as armas espalhadas pelo chão. Eu pedi ao tenente para me dispensar por que não tinha vindo voluntariamente e, além disto, era o professor da comunidade. Também foram soltos outros entre eles Auras e seu filho.
As armas foram juntadas em um monte. Ali havia pistolas Mauser revolveres, espingardas e facões. Os presos foram levados para Orleans. Na casa do Paegle encontrei outros companheiros então resolvemos subir no morro para ver o que aconteceria com os outros grupos. Estavam chegando prisioneiros uns depois dos outros. Eles andavam vagarosamente de cabeça baixa e pareciam desolados. O primeiro grupo apanhou de palmatória e todos perderam suas armas. Assim ficamos observando até às 11 horas e nada mais acontecendo fomos embora para as nossas casas.
O tempo estava muito quente. Estava cansado e faminto, mas achei graça e ri pelo fato de homens tomarem atitudes tão irrefletidas e bobas.
Mas o que aconteceu com o segundo grupo? Entre eles se encontravam alguns letões. Sobre eles os soldados marcharam às 10 horas. O tenente convidou um representante para parlamentar, não havendo resposta gritaram “mãos ao alto” no que foram atendidos e desarmados em seguida. Muitos fugiram, entre eles o dirigente principal, o Galdino. Prenderam o João Ghisoni; mas deste segundo grupo, ninguém apanhou de palmatória.

A FESTA DA IGREJA EM 20 / III / 1923

Fui encarregado de dirigir os festejos. Alguns rapazes enfeitaram a sala da Congregação com folhas de palmito. O programa curto e só constituído por cantos corais.
Ao abrir os festejos eu lembrei o mandamento de Deus: “Tu deveras alegrar-te nas festas; tu e o teu filho, a tua filha, o teu servo, a tua serva, o teu levita, o teu agregado, o órfão, a viúva e todos que estão atrás do teu portão”. Frischenbruder falou sobre a mansidão que devemos aprender de Cristo. O Slengman falou sobre o Seminário Batista de Riga no seu primeiro ano de atividade. O Auras nos mostrou os frutos da nossa Igreja que cresceram em forma de missionários que foram trabalhar no campo Batista, oriundos do Rio Novo.

MAIO DE 1923

Um bom espaço de tempo já passou como se fosse nas asas do vento; desejo anotar alguns acontecimentos.

10 / V / 1923

Hoje é um dia de festividade que passamos num piquenique junto da verde natureza. Na parte da manhã apresentamos um programa nas dependências da Igreja. Os adolescentes, com muita coragem declamaram poesias, mas os jovens da classe Bíblica nada apresentaram. O Julinho se apavorou e ficou olhando para o espaço sem encarar o público e não conseguiu declamar. Depois fizemos brincadeiras e jogos de correr, como costumavam fazer os jovens Batistas nas horas de lazer e ficarmos conversando em grupo.

21 / V / 1923

Hoje é dia de Pentecostes que nós transformamos em festa de louvor através de cânticos. Isto está acontecendo pela primeira vez no Rio Novo em virtude do estímulo de João Zeeberg. Para esta apresentação preparamo-nos durante bastante tempo ensaiando.
Chegaram visitas de Nova Odessa – São Paulo – o Alexandre Arajuns e o Teodoro Klavim, que a mim também visitaram. De Mãe Luzia vieram Osvaldo Klava e o Alberto Books e estes encontros trouxeram felicidade para todos.
Eu tive a satisfação de dirigir o programa dos festejos. O coro da mocidade cantou 13 hinos; também ouvimos solos. Acompanhados do harmônio, dois violinos tocaram dueto de uma musica de Weber e outras composições. É pena que nós não tivéssemos tido a oportunidade de ouvir um artista “virtuose” para elevar ainda mais a apresentação destes números.

11 / VI / 1923

Despedi-me de Alexandre Arajums que está voltando para Nova Odessa cuja visita foi muito agradável e deixa saudades. Pelas suas mãos mandei cartas para a Lídia e o Eduardo. Mandei para o João Karklis 20$ para pagar vários livros que encomendei.
Na escola estamos fazendo uma recapitulação de todas as matérias para os exames de fim do mês.

16 / VI / 1923

Recebi uma carta do meu tio Balkit, dos EUA com a promessa de me ajudar na minha emigração para aquele país que em mim despertou sentimentos estranhos. “Será verdade que um dia vou morar naquele país rico”? para mim seria um acontecimento oportuno. Foram também convidadas a minha tia Paulina e a minha avó Ana, mas não sei se elas vão aceitar; mas para mim não quero outra coisa.


22 / VII / 1922
O FALECIMENTO DE ALBERTO GRIKIS

Esbelto, jovem, estatura elevada, um olhar expressivo e despreocupado, foi meu vizinho e se dedicava a lavoura. Ele já estava há bastante tempo sofrendo de uma moléstia crônica que deixou o seu rosto cinzento, mas agora apanhou influenza que apagou a vida dele. Antes de fechar os olhos para sempre, despedira-se de cada um individualmente expressando a esperança de um novo encontro no céu.
Hoje acompanhamo-lo para o local do descanso final. Frischenbruder falou palavras de consolação, mas todos os presentes verteram lágrimas de saudades por aquele que partiu.

A PREOCUPAÇÃO DO MEU PAI

Ele me escreveu que falou com o Escrivão público para ver se conseguia uma Certidão da minha idade, que seria elaborada como se eu tivesse nascido no Brasil e assim garantir o meu Passaporte para minha viagem para a América. Foi feliz nesta tentativa e a Certidão da Minha Idade e a minha carta onde eu expressava a minha vontade de viajar, ele mandara para o Balkit, ficando estabelecida à data de 26 de outubro, mas não tenho certeza de que vou conseguir me preparar até lá; se não – terei de viajar em 1924, por que nesta data parte o determinado navio da Companhia em que vou viajar.
A Mely Zelma também escreveu uma carta de São Paulo dizendo que está trabalhando na casa de patrões alemães, servindo à mesa. Ela goza muita liberdade e ganha 70$000 por mês.

O PEQUENO EUGENIO SALIT

Tudo parecia correr muito bem; toda manhã o Eduardo e Clara vinham para a Escola, sempre alegres e as suas presenças me traziam algo muito querido ansiosamente esperado. Mas hoje é sexta feira. O tempo está desagradável, mas assim mesmo a aula na Escola foi iniciada. Aguardo apreensivo a chegada deles, mas eles não vinham… e nada. Hoje acordei muito cedo, de noite havia sonhado com cavaleiros e depois que acordei não consegui mais dormir. Pensei, alguma coisa aconteceu a minha mãe… a ausência deles continua. Chega a cavalo o Oscar Karp. O rosto dele está fechado e ele diz sussurrando: “na família do Salit morreu o caçula”.
Um calafrio percorreu o meu corpo todo; ainda fiz algumas perguntas, então ele contou que, na véspera, o menino tivera muita saúde. Comecei a imaginar o que teria acontecido, então o Karp acrescentou que o menino havia jantado com muito apetite, mas de noite perdera o fôlego. Tentaram salvá-lo de toda maneira a despeito disto ficou sem fala, assim o Criador havia decidido de outra maneira. Ao raiar o dia o pequeno anjo partiu e os seus pais e irmãos ficaram chorando inconsolavelmente.
O Karp tinha vindo especialmente trazer um pedido dos pais para eu presidir a despedida nos funerais; eu entendi esta dor por que sentia tanto a morte dele como se fosse a de um irmão meu.
Como é cruel o destino, ainda no dia 29 de agosto à tarde nos festejos da colheita o Salit disse: “No próximo ano nós esperamos todo o bem, mas se Deus resolver ao contrário, seja feita a sua vontade”, enquanto o pequenino estava deitado no colo de sua mãe e de fato, Deus tinha outro plano para este pequeno garotinho.
Certa ocasião, numa visita que fiz na casa do Karp, observei a Clara carregando o pequeno menino. Em outra feita o pai dele o chamou de “soldadinho” e acrescentou que ele era um filho muito corajoso.
Durma sossegado o sono eterno, oh pequeno herói.

OS FUNERAIS NO DOMINGO

Sopra um vento frio. Escuras nuvens perambulam pelo céu. Nos elevados cumes da Serra do mar certamente está nevando. Estruturei a fala da despedida cujo tema foi a “fragilidade da vida”, enquanto pensava, o meu coração estava triste e as lágrimas desciam espontaneamente.
Às 3 horas da tarde, compareci na casa do Salit onde já estavam reunidas as pessoas da comunidade. Entro na sala e encontro o Salit em pé, encostado em um umbral da porta com a cabeça pendente apoiada nas mãos. Ele está pálido e chora. A mãe do menino amparada no meio de outras mulheres chora se lamentando em voz baixa.
Um caixãozinho branco está colocado no canto da sala e no seu interior dorme o pequeno Eugenio cuja alma já partiu deste mundo. As faces gordinhas, o rostinho redondo; as mãozinhas cruzadas sobre o peitinho, fortes e bem torneadas deixaram de brincar; os lábios ainda rosados; os olhinhos semicerrados; os cabelinhos dourados ainda cobrem a testa alva e resoluta.
Entramos em outra sala a Clara faz um ramo de rosas. Quanta fragilidade cerca a vida humana. O fotógrafo ainda retrata o pequeno viajante na sua despedida. Em seguida falo uma pequena despedida, enquanto todos choram solidários com os pais e irmãos, que com muito custo consentiram o cortejo fúnebre. O Salit caminhava debilitado e tão desesperado disse: “Tudo isto para nós foi como um sonho; todos nós éramos tão saudáveis e por isto ninguém esperava esta separação tão repentina… ele era tão querido correndo no nosso meio que a sua figura havia se tornado imprescindível”.
A mãe, a cavalo, acompanha a marcha e chora em voz alta. No cemitério depois de uma pequena cerimônia com mensagem de consolação e o cântico de vários hinos que fazem parte do ritual fúnebre dos Batistas que acreditam na imortalidade da alma, mais uma vez olhamos o que sobrou deste menino e cuja alma subiu ao céu como se fosse um anjo. No ato da última separação, os pais ainda seguram as mãozinhas inertes, enquanto os irmãos acariciam a testa num gesto de despedida, porque um crente não morre; ele parte primeiro para nos esperar no Céu, embora a dor da despedida seja cruel e ao som do hino “Adeus, Adeus”, deitamos a pequena urna no seio da terra. Pouco tempo depois sobre a sepultura havia um montinho sobre o qual colocamos flores.
Escurece, a noite vem chegando, o vento sussurra e o coração está tão triste, mas permanece a fé na esperança que algum dia, todo nós, estaremos juntos lá no alto.
E você estava tão linda… Os teus cabelos castanhos escuros cobriam a nuca. Dentro da sua vestimenta preta com uma gola branca, quanto, quanto você estava bonita. Tu és um anjo que veio do além que está andando aqui entre nós… tu não és uma mocinha… para mim tu és sagrada e o teu ser indescritível me arrebata com estes olhos tristes cheios de lágrimas – tudo isto impressionou os meus sentidos que também me faziam chorar.
Chegando em casa, depois do jantar, li o poema de Sanmartins “As primeiras saudades” e nesta hora estava desejando que a minha mãe estivesse aqui, pertinho de mim, assim eu contaria para ela toda esta minha frustração, com a minha testa quente encostada no seu peito e ela, solidária, me indicaria o remédio que me curasse.

11 DE AGOSTO DE 1923

Nunca dantes havia imaginado que os Rionevenses me tinham tanta dedicação; jamais uma tal prova de simpatia. Souberam a data do meu aniversário.
À tarde intercalei o estudo da literatura dos EUA com a leitura do poema de Longfelow intitulado “Evangeline”; poesia que retrata a vida com tanta beleza e depois, a sua rápida destruição que emocionou. Fui dormir cedo me lembrando que no dia seguinte teria de acordar mais cedo para corrigir os cadernos dos meus alunos. Deitado na cama na hora de conciliar o sono, meio sonhando soltei o pensamento, quando escuto passos lá fora. Tive a impressão que os bovinos do vizinho haviam rompido a cerca e agora teria de levantar-me para enxotá-los.
Mas de improviso, tão repentino como se fosse o estouro de uma “schrapnell”, foi interrompido o silêncio da noite com um ataque de uma Banda de Música tocando uma marcha e chegou aos meus ouvidos uma melodia arrebatadora. Eu acompanhava no meu pensamento cada nota e cada harmonia, desta música e absorvida por ela, continuava deitado cismando: “Tomara que eles continuassem a tocar em frente da minha janela para toda a eternidade”. Finalmente levantei porque o dever social assim me obrigou a vestir-me para receber os companheiros músicos e aqueles outros que os acompanharam.
Acendi a lâmpada de querosene, abro a porta e vou para o pátio onde muita gente está me esperando. Os músicos terminaram a Serenata e os alunos da minha escola foram os primeiros que vieram me cumprimentar, depois recebo o abraço de todos individualmente.
Trouxeram para me alegrar bolos, flores e outros presentes. Peço a todos que entrem na minha humilde casa.
Aceso o lume do fogão da cozinha para ferver a água e fazer o café. Os músicos tocam outra vez postados em torno da mesa, depois na melhor tradição Batista Leta formamos um grupo e começamos a cantar. Coado o café foi logo despejado em xícaras para degustado, animar as conversas. Encontrei com Elvira Stroberg, que sendo parente de Karp, veio de Varpa para uma visita. Fiz-lhe muitas perguntas sobre a Rússia onde ela estivera vivendo o tempo todo antes de vir para o Brasil. É uma senhora prudente e muito instruída.
Depois da meia noite a festa terminou e os meus amigos se despediram. Eu me senti enaltecido e muito agradecido a esta gente pelo trabalho que tiveram para demonstrar esta simpatia e o Julinho e eu, durante a semana inteira, tínhamos guloseimas para degustar.

O MEU IRMÃOZINHO

Desde o primeiro encontro que eu tive com o Julinho fiquei convencido de que ele andava doente; mas pensei que poderia ser o “mal da terra”. Ele tomou os remédios e não melhorou. Comíamos bem, fazíamos ginásticas, banhávamo-nos no rio e apesar disto continuava pálido, esquecido, doente, mirrado, franco. Então comecei a imaginar que ele era “onanista”, mas esta suposição eu escondi por que pensava: “mas se ele é inocente então isto vai alterar a sua personalidade”. Comecei insistindo sobre os maus hábitos; primeiro falei sobre a embriaguez alcoólica, depois, em outra ocasião, sobre a dependência do cigarro; mais tarde adverti sobre o uso de drogas – o ópio e os seus derivados e por fim disse que os meninos ainda podiam praticar um vício ainda mais terrível que era o “onanismo”. Perguntei: “você toca nos órgãos sexuais”? e ele respondeu “sim” e caiu no pranto. Com voz enérgica perguntei: “quem te ensinou esta anormalidade”? e ele respondeu “ninguém”. “Desde quando você adquiriu este vício”? resposta: “Desde a Linha Telegráfica”. Então ele prometeu que iria se corrigir. Ainda lhe falei que para deixar este mau comportamento, de uma só vez, ele deveria ter muita determinação e força de vontade para conseguir êxito. Expliquei as consequências desta prática e como ele deveria se comportar para vencer o vício.
Depois de algumas semanas o menino outra vez acordou com os olhos empapuçados e eu ralhei com ele. Novamente ele prometeu chorando que não iria incidir no erro. Para completar o esclarecimento resolvi falar tudo sobre o ciclo de procriação embora ele somente tivesse 7 anos de idade e principalmente sobre as relações sexuais entre o homem e a mulher.
Fiz tudo que estava no meu alcance para lhe mostrar as consequências terríveis do onanismo. O Julio então melhorou sensivelmente, ficou mais alegre e bem disposto, mas não passou muito tempo que ele novamente escorregou. Outra vez com firmeza falei com ele que ficou muito triste e confessou que havia praticado esta anormalidade 3 vezes. Como é difícil lutar contra os maus costumes?
O Julinho descrito neste parágrafo sou eu, o tradutor destas linhas, agora com 72 anos de idade e sou irmão caçula do diarista. O Emílio, igual ao meu pai Carlos, eram dominados por conclusões muito radicais e se cingiam ao aspecto unilateral das coisas. A verdadeira causa da minha fragilidade na infância apareceu em 1928 em Vara. Lá os Letões tinham o hábito de comer sementes de abóbora assadas no forno que depois descascavam e consumiam gulosamente. Também eu participei desta dieta e no dia seguinte, ao satisfazer as minhas necessidades fisiológicas eu senti como se os meus intestinos estivessem saindo. Ao me virar vejo um monte de uma fita branca, picotada. Ao chegar em casa contei o acontecido ao meu tio Abolim que era o farmacêutico do local e prestava os primeiros socorros aos Colonos de Varpa e ele me disse que se tratava de uma tênia, ou solitária, que era um verme que se alojava no intestino e poderia ter até 7 metros de comprimento e indagou se eu havia visto a cabeça, a única, que ele possuía. Ao responder que eu não sabia ele me tratou desta parasita como se ele ainda estivesse no seu habitat. Depois me deu fortificantes e fiquei totalmente curado. Não acredito que eu tivesse tocado em qualquer parte do meu corpo mais do que outro menino qualquer, mas para justificar a minha lerdeza foi achar uma causa imaginária.

EU VOU PARTIR

Partirei no momento em que todos estiverem dormindo e reinará o silencio da noite, quando as estrelas estiverem brilhando nos céus… e tu sonharás com elas, mas não comigo por que não saberás que estou partindo do Rio Novo. Não saberás que no meu pensamento levarei a imagem da tua beleza e que tu serás para mim o motivo de muita ansiedade e de milhares de lembranças. Tu não saberás que vou embora por tua causa e não terás percebido que o teu espírito gentil já envolveu o meu coração; não saberás que já inundaste a minha alma com a tua mais elevada simpatia – se eu morrer – não saberás por que nada te contarei, mas levarei comigo toda esta paixão.
Imediatamente não vou conseguir emigrar para os EUA; poderia ainda continuar aqui por mais algum tempo atendendo ao desejo desta coletividade; mas vou embora por que não consigo deixar de te amar. As esperanças que tenho são impossíveis de realizar e as terei de enterrar profundamente na sepultura do esquecimento. Esta situação também está prejudicando a minha saúde, por que não sinto o paladar do alimento, o meu sono é leve e interrupto e creio que já basta deste amor impossível. Vou partir quando tudo estiver em silêncio e a escuridão da noite cobrir os montes de Rio Novo, sem ter tido a coragem de te dizer que te amo.

História de Emílio Andermann – 7ª Parte

História de Emílio Andermann – 7ª Parte

História de Emílio Andermann 7ª Parte

M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman

“Leiam também neste mesmo Blog o artigo escrito por Julio Andermann que está em “Crônicas Históricas com o titulo de” Meu pai Karlos Anderman”

Nesta parte o escritor resolve voltar para o sul então viaja prá São Paulo e pega um trem até Rio Negro no Paraná. Com outro trem ele desce prá Bananal de onde quer visitar os familiares que estão em Linha Telegráfica. De São Francisco pega um vapor e viaja prá Florianópolis e depois prá Laguna. Toma o trem e vai prá Orleans onde em Rio Novo tem amizades e parentes. Em seguida vai prá Mãe Luzia para acertar detalhes das propriedades da família. Aceita ser professor na Escola anexa da Igreja Batista Leta de Rio Novo.

SEGUNDO CADERNO

NOVA ODESSA – SÃO PAULO

EM 13 DE DEZEMBRO DE 1921
A MINHA DESPEDIDA DE NOVA ODESSA

Quando os irmãos da Congregação Batista daquele lugar se despediram de mim, senti o quanto Nova Odessa havia crescido no meu conceito. Senti a dor da separação deste lugar como também da minha irmã Lídia, que também muitas vezes surpreendi chorando. Ela pouco falava comigo e assim eu tive a oportunidade de sentir o seu amor não fingido.
Ela me presenteou com 2 camisas e 4 lenços. No culto de despedida; contra a minha vontade eles coletaram 51$100. O Teófilo Peterlevitz também me deu 2 camisas como recompensa pelas aulas de violino que lhe ministrava as sexta feiras.
Fiz as minhas malas e esperava trazer todos os meus livros junto comigo na bagagem; mas acontece que tive de mandar 5 pacotes de livros pelo correio. Na véspera chegou muita gente e eu estava surpreso e ao mesmo tempo muito feliz por esta demonstração de carinho.
O pastor João Inke falou sobre o Evangelho de S. Mateus cap. 6, me aconselhando para não ficar agarrado aos bens materiais. Disse que a instrução também era um tesouro que deveria ser amealhado, mas que muitos haviam exagerado. “Onde está o vosso tesouro também estará vosso coração”. Que não se podia servir a dois senhores, mas primeiro almejar as bênçãos de Deus e a sua vontade, então todas as outras coisas seriam acrescidas.

PARTIDA DE NOVA ODESSA

Cedo de manhã fui conduzido no Trole do Karklis para a estação da estrada de ferro em Nova Odessa. Lá me esperavam reunidas muitas pessoas conhecidas das quais me despedi pesaroso. Através destes irmãos, Deus havia se mostrado muito benevolente para mim. Já dentro do comboio o meu amigo Eduardo e eu ficamos calados, certamente por que estávamos tristes.
Ao chegar a São Paulo, hospedamo-nos no Hotel Alemão, então a nossa mente parece ter reanimado; lá estavam hospedados muitos alemães que falavam sobre “faterland” e assim tive a oportunidade de observar o seu patriotismo inflamado.
Passeamos pela cidade onde não encontramos nada bonito, nada legítimo, nada natural. Ouvia-se falar o italiano, o alemão e outras línguas – será que isto representava amor pelo Brasil?
Visitamos uma exposição de pinturas um artista argentino Cezareu mostrava a sua obra. Entre os bonitos o mais lindo me pareceu um quadro intitulado “Espanhola”.
A noite frequentamos o Teatro Apolo no qual se apresentavam artistas italianos, cantando as suas melodias monótonas, num tempo patriótico e as mulheres eram muito bonitas; a orquestra bem que poderia ter tocado melhor.

EXPOSIÇÃO

No jardim da Luz visitamos uma exposição de trabalhos artísticos de alunos de uma escola profissional. Vimos em exibição mobílias artisticamente acabadas; tecidas, entalhadas, algumas douradas, torneadas ou envernizadas. Vendo este conjunto de arte e beleza tomamos conhecimento da obra de que são capazes de executar simples aprendizes especializados.
Na seção de arte visual admiramos muitos trabalhos esculpidos mas os dois quadros que mais atraíram a nossa atenção e do público foram “O Descobrimento do Brasil” e a “Fundação de São Paulo” por que eram cenas retratadas da nossa história.
Fiquei muito contente por causa desta oportunidade e no meu coração nasce uma esperança tímida: “a minha irmã Lídia também será pintora”. Não tenho dúvida que ela tem um grande potencial neste ramo de arte. Desejo-lhe muita perseverança para perseguir neste ideal.

PARTIDA DE SÃO PAULO

O trem de Sorocabana parte a 14.30. Comprei um bilhete de primeira classe por 66$600. Na partida o mesmo burburinho de sempre que acontece nas estações com muita gente se despedindo na plataforma. A minha viagem está se iniciando linda; a poltrona está macia e confortável e pela janela observo a redondeza enquanto passam casas depois de casas. Passamos por uma Fábrica de Vidros e o comboio corre célere pelos trilhos. Alcançamos planícies e depois alagados; locais onde não se vê nem campos nem plantações, a não ser olarias cujas chaminés altas se destacam aqui e acolá, mostrando o progresso e a inesgotável riqueza nacional.
Embora, na beira da estrada, a natureza modifique o seu aspecto, os trabalhos ligados ao cultivo pela mão do homem, cochilam ainda no seu estado selvagem, aparecendo de vez em quando alguma choupana. Agora a terra se torna acidentada e pedregosa. Passamos pela ponte sobre o Rio Tiete que modesto atravessa São Paulo, mas agora se avoluma.
Chegamos a São Roque que é uma cidade pequena e a terra ao seu redor até parece um deserto – até onde a vista alcança não se vê arbusto crescendo. O caminho de ferro saía de uma curva e entrava em outra atravessando escavações e aterros. Parece que o comboio corre cada vez mais veloz e assim chegamos a Sorocaba que dá a impressão de ser uma cidadezinha aconchegante edificada sobre uma planície cortada por um rio.
Em seguida passamos por mais duas estações e depois tomamos resolutos o rumo diretamente para o norte. Ainda não aparecem plantações e a luz do luar vemos campos abertos e locais que parecem charcos. Ao alvorecer do dia chegamos a Itararé e assim já saímos do Estado de São Paulo; estando a 434 quilômetros da sua capital. Esta cidade está situada no meio de belos campos e aqui e acolá pastam rebanhos bovinos ou então deitados em grupos ruminam o alimento já ingerido. Nas ravinas capões de arbustos entre os quais orgulhosos já crescem os pinheiros.

Avançamos para dentro do Estado do Paraná e a natureza aqui se torna cada vez mais linda. O terreno é ondulado e planícies que às vezes despencam numa parede de rocha quase vertical. A principal ocupação desta região é a pecuária e depois vem à extração de madeira.
Admiráveis amplos e belos campos que parecem artisticamente emoldurados por pinheirais. Pelas suas ravinas e grotas correm muitos rios e o ar é muito puro. Os habitantes desta região são robustos, corados e bem desenvolvidos.
Perto de Serrinha começou cair chuva. O trem corria rente à margem de um rio, às vezes no caminho cavado em paredões de rocha. Em lá chegando fizemos baldeação para outra linha cujo trem corria muito mais lento.
Ontem de noite chegamos em Rio Negro. Dormi em um hotel e hoje vou continuar a viagem para Bananal. A cidadezinha é modesta; as ruas não estão calçadas, mas isto destaca a beleza do Rio Iguaçu que tem uma correnteza considerável e outra vez estou atravessando a fronteira para Santa Catarina.

17-XII- 1921

Depois do Rio Negro na beira da estrada apenas vejo a Mata Virgem. Próximos das serras existem alguns moradores, mas as terras parecem fracas, as lavouras pouco desenvolvidas e as plantas raquíticas.
Agora entramos em declive e diante de nós se abre uma vista maravilhosa. Ao redor os picos das montanhas se elevam cada qual mais alto que o outro. A perder de vista lá em baixo os vales e as planícies.
Esta é uma vista deslumbrante que olhamos enquanto o trem sai de uma curva e entra em outra, quase voltando ao mesmo lugar por onde já havia passado mais lá em cima, mas minuto depois de minuto estamos descendo para a planície.
Estes montes majestosos cobertos de florestas – elevam o coração – induzem a centenas de reflexões; quanto já estou chegando perto do local onde estão os meus pais e os meus irmãos e o povo letão, os quais eu amo tanto.
Às 7 horas da manhã o trem chega à estação de Bananal onde encontro um ambiente estranho por que todos falam em alemão. Parece que também me consideram patrício e é pena que não fale o idioma embora ouvindo entenda bastante. Dormi em um hotel onde me falaram que Zute havia viajado e me apanharia no dia seguinte para levar ao encontro de Kalnin. Está nublado, mas não chove; tomara que amanhã faça um dia bonito.

EM 18-XXX-1921 – EM RIO BRANCO

Fiquei preocupado por falta de condução. Encontrei um polonês, carreteiro, que estava viajando para aquele lado e assim fiquei sossegado. Como me parecia estranho este local que era uma planície cercada por montanhas arredondadas por todos os lados cobertas de florestas. Entre os montes, extensões de terra plana que são aproveitadas para a agricultura; por que são terras fáceis de irrigar, são usadas para plantar arroz.
O Rio Itapucu que tem a sua vertente no alto da serra é tão volumoso quanto é o Orleans. O ar é úmido e abafado, mas de algum lugar vem aroma de flores, em contraste com São Paulo onde o ar é seco.
Fui à igreja Batista e como era domingo, antes da Escola Dominical, havia um ensaio para as crianças recitarem poesias. Elas declamam, mas sem a acentuação certa e sem vida. Tornei-me conhecido de várias pessoas. O Rodolfo Loks, um jovem simpático, prometeu levar-me e acompanhar até a Linha Telegráfica.

Quem presidia o culto era o jovem Janauskis no idioma português. Ele falou sobre o renascimento. Encontrei os filhos do Graudin – o Valdo, forte igual a um Hércules, robusto. Junto com outros jovens combinamos escalar o monte Jaraguá, antes do Natal.

19 / XII / 1921

Hoje está caindo chuva. A neblina se levanta dos picos de montanha, sobre para os céus, condensa e cai novamente para a terra. O íntimo do meu coração também está coberto de nuvens que chovem lágrimas. O meu caminho está obscurecido pela penumbra e eu não sei para onde ele vai. De vez em quando eu paro no caminho da minha vida e pergunto: “Onde está a verdade”? “Onde está a plenitude”? depois, então, embora fatigado continue a procurar num último esforço e penso nos meus pais e irmãos – em que caminho do destino eu os encontrarei. Cansado eu choro enquanto persigo a plenitude; não sei por que o meu coração é tão mole.

O meu futuro é igual a uma noite escura; não sei onde e quando vai fulgurar para mim a primeira estrela e uma nova esperança, mas MEU CRIADOR ELE SABE.
Combinei com o Rodolfo Looks que iríamos para a Linha Telegráfica logo depois do Natal e vou aproveitar estes dias para procurar um dentista em Joinvile. Cedinho tomei o trem na estação de Bananal para Joinvile que corria veloz para o seu destino através de terrenos encharcados cobertas de uma vegetação própria.
Joinvile é uma cidade alemã, Lá se veem várias fábricas, um grande comércio e um cais fluvial na beira do Rio São Francisco aonde chegam embarcações ligando a cidade ao porto. Ela não me agradou. Encontrei um hotel de segunda classe o “Vogelzander” cuja diária custa 3$500. Hargnat o dentista me prometeu tratar os meus dentes em 3 dias pelo preço de 50$000.
Nestes dias aproveitei para ler o Novo Testamento e algumas daquelas inflamadas poesias de Rainis. O calor estava insuportável à vida parece que vai fugir pelos poros junto com o suor. Ontem de noite fui ao cinema cuja exibição foi muito fraca. O filme em si agradava, mas a música de fundo tocada por um conjunto abaritonado de instrumentos de sopro não acompanhava as intenções de alegria e tristeza do enredo.
Um conjunto musical tão fraco envergonha uma cidade como esta. Aqui não há Universidade, nem Bibliotecas muito menos Livrarias, mas o comércio é muito ativo para satisfazer os agricultores que aqui vem vender a sua produção e comprar mantimentos. As ruas são largas, compridas e cruzando-se formam quarteirões regulares. Na margem de cada rua há uma vala cheia de água preta estagnada. Não há água potável encanada.
O nível do mar aqui é muito baixo e por isto o solo é plano e a atmosfera quente e abafada. Clima não deve ser saudável.

23 / XII / 1921

Hoje terminou o meu tratamento dentário e imediatamente tratei de voltar para Rio Branco por que já havia visto tudo nesta cidade que é considerada a segunda maior depois de Florianópolis.

25 / XII / 1921

Logo de manhã na Igreja Batista Leta reuniram-se os irmãos e as crianças. Encontrei um tal Trimer, que se auto-intitulou de profeta; mas pela sua inflamada maledicência dos Batistas entendi que a sua inspiração vem do espírito das trevas. Ele não admite a leitura de nenhum outro livro que não seja a Bíblia que ele conhece quase de cor e de onde escolhe os argumentos que lhe são convenientes. O seu jovem filho também esta mergulhado neste estado de escuridão. Deste homem que se desviou da verdade eu tomei o exemplo de que não se deve procurar nas Escrituras apenas aquelas partes que possam ser aproveitadas para a finalidade do obscurantismo.
O culto matinal foi dirigido pelo Frederico Janauskis que falou sobre o grande amor de Cristo demonstrado ao se deixar humilhar, aceitando a condição humana. Depois do culto os jovens tiveram a sua hora de “música e literatura” na qual eles se mostram muito diligentes. Pelo que eu percebi todos eles estão escrevendo poesias, mas infelizmente muitas desprovidas de qualquer nexo. Para começar eles não conhecem nem a “rima” nem a métrica e não observam a pureza da linguagem. Compõe sobre qualquer assunto, como ”chuva”, “domingo de manhã“ e embora estivesse ouvindo tudo atentamente, não encontrei entre eles nenhum talento; mas vale a intenção de tentar fazer alguma coisa. Creio que está lhes faltando uma boa orientação de um mestre e uma crítica sadia. O Blumit que é o incentivador desta iniciativa, elogia qualquer mediocridade para agradar.
À noite a festa Jubilosa das crianças à luz das velinhas de uma frondosa árvore de Natal. As crianças corajosamente recitaram as poesias que haviam ensaiado de manhã.
O Líder da Escola Dominical, o velho Janauskis falou com muito entusiasmo e incitava os pais a apoiarem esta iniciativa educativa.
No dia seguinte a Mocidade apresentou a sua “Hora da Bíblia”. O tema escolhido foi sobre as mansões celestes e cada um dos jovens lia um trecho da Bíblia alusivo a este tema tão absorvente que é o céu.

Almocei na casa do Rodolfo Luka e depois fomos visitar a família Graudin que tem muitos filhos, alguns deles já crescidos. Conheci o Valdo, Mirdza, Austra, Ritu e o pequeno Ceroni. De fato, esta é uma família respeitável morando numa grande mansão. O Graudim me contou sobre os motivos da separação dos Pentecostalistas do Rio Branco e da Linha Telegráfica. Conclui que ele estava mais certo nesta divergência principalmente nesta questão de “fila” e “roda” para aquelas celebrações ritualistas e os excessos que ele não aceitava. A Ida profetizava que o tempo do arrependimento havia se esgotado neste Natal – mas para o Graudim foi revelado que o tempo continuava aberto para a salvação, embora estivesse se esgotando lentamente.

JARAGUÁ

O tempo clareou completamente. Já na semana passada nós havíamos falado sobre a escalada da montanha de Jaraguá, mas naquela ocasião haviam nuvens e chovia. Ontem de noite ao me despedir de Rodolfo Looks e o Valdo voltei a falar naquela aventura e no mesmo momento resolvemos subir aquela montanha. Iniciamos a escalada às 6 horas da manhã, subindo para o cume. A nossa vista ansiosamente procurava alguma trilha e o nosso desejo era alcançar aquela altura rapidamente. Subíamos alegres. Às 9 horas já havíamos alcançado o cume – portanto a escalada durou 3 horas. A crista estava limpa e apropriada para fazermos o nosso desjejum e neste lugar tão alto esquecemos vitoriosos a nossa fadiga. Depois perscrutamos o horizonte: – para o Oeste, o maciço da Serra do Mar que se elevava abruptamente como se fosse uma parede negra e separa a planície do planalto. Então me lembrei de Nova Odessa da minha irmã Lídia que tão pesarosa de mim se despediu e dos outros amigos que lá deixei; para o norte – Jacuassú; mais adiante – Maçaranduba e mais longe ainda as ondulações da linha Telegráfica onde mora a minha família e que espero encontrar amanhã; Bananal e Rio Branco se localizam no Leste e continuando na mesma direção – majestoso o mar. Que lindo panorama onde se localizam charcos, rios, planícies e é pena que não se possa ver as cidades mais distantes por que o ar está saturado. Ao descer Valdo rasgou a roupa e Rodolfo pisou numa cobra. Em baixo estávamos exaustos, mas realizados por que havíamos alcançado o nosso objetivo.

A LINHA TELEGRÁFICA

Aconselharam-me para eu convidar o Ricardo Looks para condutor e guia quando eu fosse para a Linha Telegráfica. Agora estou verificando que esta recomendação estava certa quando hoje, ao meio dia, ele veio para me acompanhar, no lugar combinado, ponto de partida para aquele destino.
O tempo continuava muito quente, a estrada estava cheia de buracos e de curvas fechadas,. Nós conversamos acerca de algumas situações que poderiam surgir quando nós chegarmos lá. Olho em volta e vejo que a terra aqui é plana e muito boa em todo o percurso até a Linha Telegráfica com lavouras de milho bem cuidadas. À noite chegamos à casa do velho Silmanis. Foi uma viagem que durou 6 horas e aquele homem nos recebeu com muita amabilidade. Jantamos rapidamente na intenção de ainda hoje irmos na casa do Strauss, ao encontro da minha querida família.
O Silmanis contou que o meu tio Rodolfo Andermann e a Ida Strauss, como também João Karklis e a minha tia Lídia Andermann, de carroça foram ao povoado para legalizar o seu casamento civil. Por este motivo uma mulher do grupo dos fanáticos teria caído no pranto. Terminado o jantar apanhamos uma lanterna de querosene e iniciamos a caminhada na direção da casa que abrigava àquela coletividade Pentecostalista, entre os quais se encontrava a minha família. Imaginava que este iria ser um encontro histórico.
As estrelas no céu estavam fulgurantes e davam esperança ao meu coração que aguardava pacientemente. Ao nos aproximarmos da casa vimos aceso o fogo, mas em torno tudo estava escuro e silencioso, apenas um cachorro latia de vez em quando. Ouvindo e olhando atentamente concluímos: “hoje não fizeram a reunião”. Com a lanterna na mão, combinamos fazer uma aproximação direta a casa onde certamente os meus estão dormindo. A luz tênue da lanterna passamos pelo estábulo – lá dentro várias vacas bem tratadas. Depois um monte de lenha e a seguir o portão de cerca do jardim que estava muito bem trancado, mas conseguimos pular por cima.

E agora, que felicidade: olho através da janela aberta e vejo o rosto amável da minha mãezinha que aparece na penumbra branca como o mármore. Ela pergunta: ”quem está lá fora”, eu respondo: “o seu filho Emilio; antes de voltar para a casa em Mãe Luzia, resolvi passar por aqui para falar sobre a nossa colônia abandonada”. Então ela continua a me perguntar: “Onde você está hospedado”? respondo: “ nós estamos na casa dos Silmanis, onde deixamos a carroça e os cavalos”. Então ela continua animada: “Vamos entrar, vamos entrar quero te olhar dos pés até a cabeça; quem é este teu companheiro”? Novamente respondo: “É o Rodolfo Looks que me conduziu até aqui”.
A minha tia Paulina e a minha irmã Mely Zelma observando pela janela e sorrindo. Então atiçaram o lume de lenha que havia no centro do aposento, enquanto nós íamos em direção da porta da entrada, atendendo ao convite de minha mãe. Em mim acendeu aquela alegria de filho que depois de muito tempo encontra a mãe então feliz e confiante acelero o passo; mas que desventura – tem outra vez início aquele espetáculo de doidos – todos eles começam a gritar, rosnar, urrar e a soprar através das ventas aquele zorro característico de pessoas perturbadas de faculdades mentais. Desisto em continuar em direção da porta. Olho pela janela na sala agora iluminada pela fogueira e vejo homens e mulheres pulando e rodopiando o corpo numa dança apavorante.
Nós ficamos petrificados e imóveis. “E agora”? Berrando eles deixam a roda e em fila estão avançando em direção da porta por onde minha mãe nos convidou a entrar. O meu tio Rodolfo agarrou um tição de lenha aceso e ameaçadoramente estava vindo em nossa direção e; naquele mesmo instante um outro homem saltou do sótão do celeiro do outro lado do quintal enquanto a fila dançante já ia saindo pela porta.
Tomados de pânico corremos em direção do portão trancado; por que o tio Rodolfo, possesso de raiva, investiu contra o portão fechado com o tição e tanto bateu que quebrado ele caiu no chão deixando a saída aberta para nos enxotar. Agora eles já estavam chegando de todos os lados e a fuga estava se tornando difícil. Eu estava confuso – tudo estava escuro e o local era desconhecido. A lanterna de querosene na mão do meu companheiro estava mostrando o lugar onde nos encontrávamos, então gritei: “joga esta lanterna no mato”, onde a querosene se espalhou e começou a queimar enquanto nós fugíamos agora protegidos pela escuridão. Isto freou o ímpeto deles por que tiveram que parar para apagar o fogo que se alastrava; assim nós conseguimos chegar perto de um valo. Agora invisíveis no escuro paramos para observar. A minha irmã Mely Zelma clamava aos brados: “Jesus venha logo, Jesus venha logo nos levar”. Outros nos chamavam de traidores. Depois vitoriosos eles batiam palmas e feita a roda pulavam ali mesmo no descampado.; mas algum patrulheiro nos descobriu, deu o aviso, e lá vêm eles correndo outra vez. Um homem enorme vinha se esgueirando atrás do estábulo para nos cercar; outros vinham correndo através do pasto, todos eles gritando com todas as forças. Então vimos que aquela gente estava levando a coisa a sério e tomados de pavor saímos correndo estrada fora em desabalada carreira enquanto aqueles fanáticos nos perseguiam.
Já bem distante daquele campo de batalha paramos ofegantes com o coração batendo acelerado. Desconfiados ainda olhamos naquela direção para ver se sorrateiramente alguém ainda não está nos acompanhando – ainda poderíamos ser cercados.
Certos de que a refrega tinha passado, devagar seguimos em retirada e só agora descubro que havia perdido o sapato, então solto os cordões do outro e jogo no mato e continuo descalço. O Rodolfo Looks então me contou um certo detalhe que não havia percebido; que a Mina chamara “Zelma levanta-te” e logo em seguida eles iniciaram aquela dança.
Chegamos à conclusão que ir naquele local representava perigo, mas eu não tinha outra saída e amanhã, a luz do dia, íamos tentar uma outra aproximação.
É muito difícil eu aceitar o fato de que os mais nobre sentimentos da minha mãe estão sendo cercados por aquela gente insana. “MEU DEUS, DÊ-ME A OPORTUNIDADE DE VÊ-LOS NEM QUE SEJA PELA ÚLTIMA VEZ” (às 11 horas da noite).
Quando acordei o sol estava sorrindo. Lavei-me na água tépida e fiquei reanimado e o espírito esta alerta. Na hora do café o velho Silman prometeu me acompanhar na nova visita que iríamos fazer junto com o Rodolfo Looks. A dizer a verdade eu me senti amedrontado, mas a companhia dele me animou.
Durante a caminhada o velho “tio” conta à morte do meu avô Ans e o seu sepultamento. Eles levaram o ataúde ao cemitério, largaram o morto e depois fugiram. Os poucos que ficaram não demonstraram qualquer interesse na cerimônia da despedida. Então, o velho Silmanis, levantou-se e fez uma oração a Deus, mas os fanáticos nada disseram talvez com receio de se contaminarem com a imundície do cadáver. Continuo dizendo das coisas erradas que eles fizeram seguindo a orientação daquelas línguas, profecias e visões. Eles quase mataram o João Straus de pancada por que ele queria dormir com a esposa, que então abandonou o grupo, se hospedou na casa do Silman onde dorme dia e noite como um doido sem qualquer vontade de viver.
Voltamos a casa do Strauss. A Mely Zelma está na varanda e ao ser interpelada por mim, nada responde, mas começa a se agitar. Eu solicito que me deixem, pelo menos, a falar com a minha mãe. Chegaram vários fanáticos na varanda que começaram a pular, mas por um golpe de sorte, eis que a minha mãe vem do estábulo e tremendo muito me diz: “Diga logo o que você precisa por que não posso demorar em conversa contigo”. Eu lhe revelei o problema do Burigo na troca daquelas terras e pedi uma procuração. Numa voz sobrenatural ela bradava: “Jesus breve virá, Jesus breve virá e a nossa separação será eterna”, você pode ficar com tudo. Nós não vamos precisar de mais nada. Você acerta com o Ronsano”. Depois ela se lembrou das escrituras e foi para dentro de casa. Percebo que devagar estão avançando ameaçadoramente a Matilde e a Mely Zelma. Ao me virar encontro a minha avó Ana e vejo que o seu rosto está tomado de rugas. Mirei profundamente nos seus olhos e pergunto: “Vovó, você encontrou a felicidade junto desta gente”? E, ela dá uma única resposta: “O meu coração treme”; enquanto o velho Strauss vem para cima de mim gritando: “O que você quer mais, já ;e tudo teu – vá, vá”. Eu recuei mas o velho Silmanis permaneceu firme. Então eu percebo que a minha mãe detêm o velho Straus que estava falando aquelas línguas dizendo: “Calma, calma – eu tenho de atendê-lo, eu tenho de atende-lo”; mas a profeta da um soco nas suas costas e empurra: “então vá junto com ele para longe daqui”. A minha mãe então desiste. O velho Silmanis que veio comigo está sentado e eu caio na sua frente de joelhos; ele me aconselhou a não ter medo e esperasse.
Olho de novo para o quintal, o meu irmãozinho Julinho com 5 anos de idade, vem, me olha, e foge amedrontado. O Alexandre, que apareceu de repente, vem para mim e numa voz gutural desnaturada que não era a dele me diz: “Vai embora, vai embora, o que você quer mais – o que você veio procurar aqui ontem de noite”. Fiquei firme enquanto o Silmanis, que tinha mais experiência em tratar com eles, rebateu a agressão, dizendo: “Calma, calma, ele já vai embora. Ele veio a negócios e você não pode enxotá-los”.
Então todos foram pedir conselho ao espírito. Enquanto uns louvavam, outros diziam; “serpentes, serpentes, traidores”. Brevemente a minha mãe vem trazendo as escrituras e me diz que eu posso fazer com as terras o que eu bem quiser”.
Em voz alta então eu disse; “Até outro dia”. O Silmanis ainda estendeu a mão num gesto de despedida ma não foi correspondido. Devagar estávamos nos retirando em direção a casa meditando sobre todas estas coisas, mas lá adiante, às escondidas, a Mina nos estava esperando na beirada do milharal. Ela tinha vindo para nos cumprimentar e em conversa se defendeu do seu envolvimento com argumentos fracos e às vezes até concordava comigo. Ela é uma mulher forte e saudável e o seu juízo não foi envenenado.
Entramos na casa do Eduardo Silmanis, um participante moderado do grupo que considero meu irmão na fé muito amável e para atraí-lo ao nosso lado lhe falei do João Inke e do avivamento espiritual havido na Letônia, na intenção de que ele resolvesse a procurar a verdade. Prometeu escrever para mim dando notícias dos meus. Depois contou os comentários daqueles fanáticos a nosso respeito dizendo que éramos dissidentes, traidores e perseguidores e que o diálogo somente era prometido com estranhos a negócios. Que o João Inke era considerado um pregador enganador que arrastava todos para o caminho da perdição. Vimos também o Augusto Silman que largou o grupo, viajou para Porto União e se tornara ateu.
Leio no Jornal Batista “Avots” à descrição do abandono e a saída do pastorado de meu pai da Igreja de Rio Novo. Lá servira durante 5 anos na Igreja Batista Leta. Dois anos antes de deixar o cargo começara a ler os panfletos pentecostalistas e que escrevera no jornal “Draugs” uma carta de conteúdo duvidoso. Então a Igreja de Rio Novo exigiu uma explicação melhor; ele manteve o seu ponto de vista e foi exonerado do cargo.
Consentiram que ele continuasse a morar na casa pastoral até a colheita, por que também tinha plantações; mas em fevereiro, obedecendo a uma revelação, ele tratou de mudar-se para Mãe Luzia em 1910.
Voltamos da Linha Telegráfica e eu fiquei hospedado na casa do Rodolfo Looks. De manhã fomos capinar a plantação de arroz que estava plantando em lugar baixo e úmido, em carreiras umas não muito longe umas das outras. Foi um trabalho fácil e agradável. As enxadas daqui são as mesmas. O sol quente e o ar abafado fazem as culturas crescerem viçosas. Ao voltarmos para o almoço, trocamos ideias sobre a arte. Vejo que o meu amigo está muito interessado na poesia embora eu perceba que na prática os resultados são muito modestos por causa do pouco conhecimento desta arte. Ele nunca frequentou uma escola, tudo que sabe aprendeu por si só. Que Deus abençoe este esforço. Depois do meio dia fomos para Jacuassu. Logo ao chegar na planície vimos à velha Colônia de Geni Peterlevitz e também as terras de Arajums e mais longe, a propriedade de Gerto. Esta planície do Jacu-assu é muito linda ainda mais por que é atravessada pelo rio. A terra aqui é muito fértil e eu fiquei admirado pela exuberância do milharal aqui plantado. O Barke está iniciando a sua vida aqui, mas ele é jovem e muito diligente e em breve estará bem de vida. Também falamos deste movimento de espiritualidade; ele é contra estes exageros e se mostra muito sensato. Fomos até a choupana de Carlos Janauskis, mas não encontramos o dono em casa.
Na poesia o Rodolfo Looks exprime o seu coração amargurado:
“Terei de viajar muito”?
Para chegar a Pátria?
Vagar perdido no mundo?
“Longe da felicidade”.
E ainda outro verso
“Por que estás triste,
meu coração e suspiras?
Por causa daquelas chagas
Que não te permitem sorrir”?
Esperando o novo ano a mocidade apresentou um culto com um programa artístico. Embora a assistência não estivesse muito grande, os que compareceram assistiram a um programa agradável. Por que o povo daqui a aprecia, recitaram muitas poesias. Foi pena que a leitura se processasse em voz baixa e monótona sem acentuar, dar ênfase aos versos; mas Deus há de aceitar este esforço que foi feito de todo o coração. Com orações inflamadas pedindo as bênçãos de Deus, recebemos a entrada deste novo ano. Pergunto: “O que ele trará para mim”? – como de costume não será outra coisa que a luta – mas Deus há de me dar forças para vencê-la.

SALVE 01 / I / 1922

O primeiro dia do ano caiu num domingo e será iniciado com um culto a Deus na Igreja Batista. Eu me sinto bem no meio destes irmãos, destes patrícios amáveis. Repito o pedido a Deus já feito na véspera. Peço a Deus que me dê forças e coragem para vencer neste próximo ano, estudar e meditar para alcançar a plenitude. Faço também dele forças para poder arrastar muitos outros a fim de alcançar este objetivo. Depois do culto fui à casa do Blumit e procurei aprofundar-me nos trabalhos literários desta mocidade.

02 / I / 1922

Pernoitei na casa do Blumit. Encontrei profundidade nas opiniões do meu anfitrião nas opiniões manifestadas e as suas definições são simples sobre aquilo que ele estudou no que escreveram os profetas. A sua filosofia contém muito pensamento original. Amanhã, se Deus quiser, vou viajar para São Francisco. Não quero me demorar mais aqui.
“Até a outra vista Rio Branco”!

03 / I / 1922

Cedinho de manhã o Kalnim me levou para a estação férrea. A minha despedida não foi difícil nem triste, por que a esperança me aquece o coração e me diz: “Vá em frente”!
Chegando em São Francisco, me hospedei num Hotel Alemão cuja diária era de 6$000 por dia. Recebi a noticia de que hoje zarparia um navio costeiro e esperava que nele pudesse viajar; mas não foi possível por que o seu próximo porto será o Rio Grande. Então terei de esperar o “Max” que vai chegar no dia 7 ou 8. Agora estou preocupado por que hoje gastei para pagar o hotel 32$000. Vou partir amanhã e a passagem de vapor custará 18$000 até Florianópolis; lá terei de esperar mais 2 dias e não sei o preço do bilhete para a Laguna e de lá ainda falta a passagem da estrada de ferro. Terei bastante dinheiro? Terei de vender o relógio e a canta? Esta viagem não me deu nenhum prazer; ao contrário, entrei numa situação difícil e por isto estou muito aborrecido.

11 / I / 1922

O vaporzinho “Max” somente zarpou no dia 9, nele viajaram muitos passageiros. Na terceira classe gente de todos os níveis sociais, muitos quase animalizados. Entre eles alguns soldados e policiais fardados. A linguagem deles é grosseira. É uma amostra que na nossa terra ainda não há instrução generalizada. Andando na rua todos se confundem e a gente não nota a diferença.; mas aqui eles dão expansão a sua índole e se comportam como sub-humanos. A população do Brasil ainda não encontrou a sua base intelectual na instrução. Aqui na terceira classe estamos alojados como se fossemos animais. Não existe abrigo da chuva e do vento e não há lugar para dormir. A comida é grosseira. Eu lamento ter de enfrentar uma situação precária destas por falta de dinheiro. A pobreza é a maldição do homem ela transforma homens em fera, mas há uma vantagem; esta viagem vai temperar as minhas forças e cimentará a minha natureza de “menino adolescente” em homem.
Passamos a noite em Itajaí que é uma cidade linda. Subi numa montanha onde está situado o marco da fundação da cidade em 1820. Alegrou os meus olhos a bonita vista para a cidade, o rio e o mar.
De noite os passageiros da terceira classe dormem no chão do convés, se arrastam para dentro dos barcos salva vidas ou em qualquer canto. No dia 10 outra vez viajamos no mar. O navio balançou muito e muitos passageiros “alimentaram os peixes”. O primeiro dia de viagem também houve enjoo; mas hoje não há lugar limpo no convés. Às 13 horas chegamos em Florianópolis onde seremos obrigados permanecer alguns dias.
Durante a viagem conheci um companheiro o José Antonio, que fora ao Paraná para trabalhar e gastar dinheiro e agora está voltando para Laguna. Descobri que ele era de Orleans; então lhe contei a minha história da falta de dinheiro. Ele me prometeu emprestar algum, embora tivesse apenas 50$000 e cumpriu a promessa. Considero isto um milagre igual a outros que já me tem acontecido, quando o destino me abre a porta. Mas esta graça agradeço ao Criador.
Durante a viagem o vento levou o meu chapéu, que foi presente da Geni, e jogou no mar. Fui à cidade e comprei um outro igual ao perdido por 8$000 por que estava um pouco empoeirado por ficar longo tempo na vitrine.

13 / I / 1922

Às 6 horas da manhã o vapor “Max” entrou no porto de Laguna. As 7.30 tomamos o trem para Orleans, aonde chegamos às 11 horas. Deixei as minhas malas no Grüntal, tomei emprestado do Feldman 25$000 e paguei o dinheiro que havia tomado emprestado. Cheguei animado e com saúde. Nesta viagem nada me faltou, mas também, nada me sobrou e por isto eu agradeço a Deus, meu Criador de todo o coração.
A pé fui caminhando para o Rio Novo. O ar estava fresco, em volta tudo agradável e a natureza cheia de vida parece que respira. Cheguei à casa do Paegle e depois fui à casa do Klavim, ambos me receberam com alegria. Encontrei a Zelma Klavim que tem um espírito vivo. Ela tem uma natureza alegre, é diligente e penso que isto a conduzirá ao alvo. Por fim na casa dos meus primos Karklis onde fui bem recebido e me senti como se estivesse em casa.

15 / I / 1922

A natureza do Rio Novo me agrada muito embora a sua gente não desperte tanto interesse. Hoje fomos à reunião na Igreja Batista. A estrada estava coberta de lama por causa da chuva dos últimos dias. O Culto foi dirigido por Artur Leiman falou sobre “Esta encobre tudo” demonstrando que o amor de Deus tem encoberto muita falha. A sua fala é muito simples, mas eu acredito que depois de alguns anos de prática ele falará com muito mais profundidade; terá mais experiência – por que hoje ele apenas é um estudante. De noite houve uma reunião de orações e a Zelma Klavim convidou-me para visitá-la na terça-feira.
Do Alfredo Burmeister tomei emprestado um pistão e aqui eu transcrevo a escala cromática na clave de sol, numerando as teclas que tem de ser apertadas (de cima para baixo), para que modelando o som com os lábios se consiga os tons correspondentes. Não aplaudo a música de sopro dos metais. É um timbre de carrasco porque para conseguir o som o músico tem de soprar com muita força e isto prejudica os delicados órgãos da respiração. Por que não usar outros instrumentos mais delicados. A música de cordas, para o meu gosto, é muito mais bonita.

18 / I / 1922

A minha tia Lavize Karklis, falou-me a respeito dos antepassados da minha mãe. Este assunto me interessou muito e por causa disto quero anotar tudo.
Os Kanzberg imigraram para a Letônia da Alemanha. O meu bisavô chamava-se de Frederico. Ele trabalhara na Fazenda “Vocmoaka” como feitor. Depois fora ser guardador de floresta, quando os ladrões de madeira o agrediram com tanta violência que o deixaram quase morto. Depois de muito tempo recuperou a saúde parcialmente, mas não tinha mais condições para exercer o cargo antigo. Então foi lhe atribuída à função de ”guarda das plantações” mais fácil e mais mal remunerado de forma que o que ele ganhava não era suficiente para manter uma família de 12 filhos. Para resolver o problema ele simplesmente enxotou todos para fora de casa; entre eles também estivera o meu digno avô materno. Certamente por causa da insuficiente alimentação quase todos morreram. Ficaram apenas o meu avô Ernesto, o Ans e a Maria. Depois faleceu também o Ans.
Ernesto Kanzberg, meu avô materno, nascera em 1827. Aos 7 anos de idade foi empregado como pastor de porcos. Ele passara muita fome, mas uma certa Margarida, às escondidas dos patrões, lhe dava alguma coisa para comer. Quando ele já ficará maior e com mais forças para trabalhar ele fora morar com um tio, irmão de sua mãe chamado Dobele.
Depois de crescido, ele teve de servir na Fazenda Slipa em Kurzeme onde também era serva a Maria Michelson que, mais tarde, o Ernesto escolhera para esposa. O casamento realizou-se em 1856 (ele estava com 29 anos). Quando fora extinto a servidão na Rússia em 1860, ele ganhou a liberdade e comprou uma casa em Sloaka.
Neste período o Ernesto vivera uma vida exemplar. Ainda não bebia. Aprendeu a ler sozinho e assim conheceu muita coisa dos livros. Ele frequentemente cantara os hinos do velho Stender e para suprir um imprevisto, até dirigira cultos de oração.
Os primeiros filhos faleceram, mas em 20 de abril de 1863 nascera a Lavize (agora Karkle), a narradora. Quando ela completara 5 anos a sua mãe falecera deixando o Henrique com 9 dias de vida, isto em 1868. Este infortúnio trouxe muitos sofrimentos para a família e por causa disto o Ernesto começara a beber.
Depois ele travara conhecimento com a Lavize Adelof, que fora dona de botequim e que muito se amaram a ponto de se casarem. O Ernesto sempre se embebedara, mas a sua esposa o tratara com muito amor e muita paciência, sempre suspirando e dizendo: “Senhor, perdoa-lhe este pecado”.
Sete anos depois deste casamento nascera em 10 de fevereiro de 1875, a minha querida mãe Emilia. Quando isto aconteceu houvera muita maledicência – de que ele era a filha de um tal Balod; mas a história contada por minha mãe vai narrada em outra parte.

22 / I / 1922

Junto com o Filipe Karklis fomos para a Igreja. Participamos da Escola Dominical na classe de adultos. O Culto foi dirigido pelo Butler. Sempre apreciei muitos os seus sermões; da sua fala surgem pensamentos profundos, que são acentuados, e elevados pela sua cultura. Ele falou sobre o Ev. S. João cap. 3:13-21. À tarde passei na casa de Kátia Klavim, tocamos o harmônio enquanto a Alida cantava um solo. Conversei com algumas senhoras que lá estavam e foi uma tarde agradável. Choveu até o entardecer. À noite fui escalado para dirigir um programa de apresentação artística. Houve solos de instrumentos, o coro da Mocidade cantou e recitaram algumas poesias. Amanhã de manhã o Butler vai cavalgar para Mãe Luzia e é pena que eu não possa ver o seu companheiro de viagem.

28 / I / 1922

Anda estou em Rio Novo. Choveu a semana inteira e agora é que o tempo está clareando. A questão da Escola ainda não foi resolvida. O meu primo Karlos Karklis ofereceu-me o posto de professor em Laranjeiras; eu gostei desta proposta e prometi examinar o local, onde fomos juntos. A sala de aulas é muito bonita. Seria uma Igreja, mas já foram colocadas carteiras de escola. Nos dias de aula o altar pode ser separado por uma cortina. Há esperança de se conseguir 15 alunos e assim viria uma subvenção da prefeitura. Leciono de manhã e a tarde poderei trabalhar no moinho do Carlos e ainda me sobrará muito tempo para o estudo. Se tudo correr bem espero iniciar as aulas em março, o próximo mês pretendo passar em Mãe Luzia para acertar os problemas com a colônia de meu pai e depois pretendo retornar para o Rio Novo.

29 / I / 1922

Amanhã vou arrepiar o caminho para Mãe Luzia. A Kátia Klavim vai me emprestar um cavalo. Vou deixar quase toda a minha bagagem aqui por que não pretendo demorar; quero voltar para trabalhar e estudar aqui. O meu primo Karlos vai me acompanhar para Orleans onde nós vamos falar com o governo municipal sobre aquele assunto da escola de Laranjeiras. Antes de te ver eu já te saúdo, Mãe Luzia, minha terra natal.

31 / I / 1922

Com o cavalo emprestado, hoje estou viajando para Mãe Luzia. Foi difícil atravessar o Rio Orleans. O rio Palmeiras atravessei a nado junto com o cavalo em pêlo; antes havia carregado a sela por cima de uma pinguela. Foi um belo banho. Em Urussunga peguei chuva. Observo o lugar e verifico que aqui não houve progresso e por isto me alegro, pois a natureza ainda está livre, o ar puro com matas ainda intactas.
Tarde de noite cheguei ao meu destino na casa dos meus tios. Eu gosto muito de estar aqui. Os livros que mandei de Nova Odessa, chegaram, menos o livro de estudo do latim.
05 / II / 1922

Junto com o tio Zigismundo fomos a uma reunião Batista. São poucos os irmãos, mas a animação é grande; todos eles velhos amigos meus, conhecidos, amáveis, é por isto que me sinto atraído por este lugar. O meu tio convidou-me para ficar aqui na casa dele, que isto seria melhor para mim e se eu quiser iniciar uma escola, esta também pode funcionar neste lugar.

07 / II / 1922

Não vou instalar uma escola em Laranjeiras. O primo Karlos veio insistir, mas eu recusei esta oferta de lugar de professor. Já vendi duas vaquinhas por 275$000 e devo ficar por aqui, se não mais, para tratar do rebanho.

09 / II / 1922
A CASA PATERNA

Enquanto para cá viajava, imaginei que o seu reencontro me causaria tristeza; mas depois que aqui cheguei e percorri a propriedade, então me senti mais confortado. A casa está bem conservada, o pasto está razoavelmente limpo. Temos 9 bovinos crescidos quatro bezerros desmamados e mais alguns pequenos. Entre eles 5 vacas leiteiras estão pastando.
A Catarina Ronzano não conseguiu cuidar de tudo sozinha por que o seu marido não para em casa, pois gosta de um bom trago; os filhos deles ainda estão pequenos e por causa deles ela é obrigada a trabalhar além das suas forças. Na outra Colônia mora a família Pinheiro e de tudo o que eles cultivam eu receberei um terço. Gostaria que depois da colheita, ele desocupasse aquela casa para a Catarina morar com a família por que esta aqui eu gostaria usar como escola. Também o Burigo está cultivando uma parte da terra por 1/3.
Tratei um homem para limpar o pasto todo por 40$000.

11 / II / 1922

Ontem depois do almoço atravessei o rio e fui visitar a tia Lina e o tio João. Eles receberam uma carta de Nova Odessa na qual o Augusto Peluz escreve que a minha irmã Lídia, no dia 29 de janeiro, se tornara membro da Igreja Batista de lá, e que deixou de freqüentar a escola. Isto para mim foi como se eu tivesse levado um tapa no rosto por que eu sempre esperei que ela continuasse a estudar, mas agora vejo que ela resolveu desistir. Cada qual se deita como arruma a cama.
Além disto ela ficou noiva do Gustavo Karklis em 29 de janeiro. Desejo-lhes muitas felicidades, mas fico admirado por que ela resolveu adoçar a vida deste homem doente; que ainda poderá se tornar a sua amargura – mas pensarei que tudo vai correr bem.


19 / II / 1922
PERMANECEREI EM MÃE LUZIA

Ontem de noite retornei de Rio Novo, onde eu havia ido buscar a minha bagagem. A viagem foi penosa por que o cavalo que o Alberto Books me emprestou andava devagar e acabou ficando manco, mas, finalmente, estou no meu lugar. Permanecerei aqui o resto do ano. Ainda não estou certo se vou tomar aulas com J. K. Frischenbruder, ou então iniciarei a escola para a qual aqui não vejo muito ambiente.


28 / II / 1922

Este mês passou muito depressa. Durante este tempo estou morando aqui e aproveitando bem cada minuto. O meu programa diário foi o seguinte: – logo que me levanto de manhã vou ao rio tomar banho; depois do café eu trabalho 2 horas; o tempo que sobra até o meio dia eu gasto estudando matemática e geografia; depois do meio dia vou à casa do tio João tocar harmônio; quando volto então estudo línguas incluindo o português; depois toco violino. À noite faço o que mais me agrada – agora estou escrevendo estas notas.
Depois de vários dias de chuva tivemos enchente.

12 / III / 1922

Choveu torrencialmente durante 15 dias. O vento frio do sul traz nuvens, soprando com muita força. Então o rio Mãe Luzia transbordou e quanto isto acontece cessam as comunicações até com os vizinhos e todos se aborrecem.
Hoje brilha o sol, o tempo está lindo, a atmosfera limpa e transparente como se fosse cristal. A enorme Serra do mar, à distância, parece estar sonhando depois de tantos dias de choro; agora projeta a sua parede escura que parece uma sombra misteriosa em cima da admirável riqueza verde da mata Atlântica. Como são lindas as árvores vestidas com as folhas que brilham ao sol abanadas pela brisa.
O rio que corre murmurando, pelo seu leito sombreado pelas grandes arvores que cobrem as suas margens, parece contar a história desde a sua nascente, do percurso, das grandes cachoeiras, das corredeiras e dos poços silenciosos e dos grandes montes, que ficaram para traz, e dos quais parece se despedir, pressurosa indo ao seu destino no mar.
O sol despeja o seu ouro inesgotável sobre a natureza, com tanta beleza e tudo beija, tudo afaga amoroso com os seus raios. Exulto de alegria ao assistir este espetáculo apresentado, livremente, por esta natureza exuberante.
Cada vez, mais dentro de mim, aumenta a convicção de que o destino do homem é louvar a obra da Criação; este espetáculo maravilhoso, que passaria despercebido se Deus não tivesse nos colocado como platéia para aplaudi-la e esta descoberta me deixa mais feliz, do que já estive em Mãe Luzia, por ser tão linda que parece o palco deste teatro.

19 / III / 1922

Neste período de chuva, os moradores deste lugar, sofreram muitos prejuízos. Também a represa do moinho do tio Zigismundo sofreu danos. Aconselhei que ele colocasse troncos de palmeira no local onde a água cai do açude, para amortecer a força da água na queda. Ele concorda, Carlos teve entupido o canal de acesso de terra e agora quer vendê-lo por 900$000.
No sábado tive a primeira das aulas que me custarão 1$000 cada uma. Vou estudar Francês, Letão, Álgebra e Geometria. Ficou combinado que a aula seria ministrada duas vezes na semana; as quartas-feiras depois do meio dia e nos sábados à noite. Esta é uma grande oportunidade que se abre para mim por que o professor vai lapidar os meus conhecimentos e dará uma base para assimilar estas matérias que eu conheço apenas superficialmente.
Recebi 2 cartas de Nova Odessa, uma do meu amigo Eduardo Karklis e a outra da Ester. Eles escreveram acerca de um tremor de terra que foi lá percebido. Contaram que o João Inke está trabalhando lá como pastor e insiste para que os membros da Igreja Batista acordem e recebam o Espírito Santo, mas alguns irmãos de Nova Odessa estão muito duvidosos a este respeito.

31 /III / 1922

Hoje foi o último dia deste mês. Estou aqui na casa do tio Zigismundo há quase dois meses. Estou indo bem nos estudos. Já tomei quatro aulas.
Fui à venda do Burigo onde comprei duas calças por 19$500. Lembrei-lhe o seu débito para conosco, mas ele me respondeu que pagaria quando quisesse por que as promissórias não estão em meu poder. Não tenho dinheiro para saldar a minha dívida em Nova Odessa e este fato me preocupa, haja paciência. Estou pensando muito analisando vários assuntos, mas ainda sou um ignorante – o homem é um grande pesquisador, mas pouco conhecedor. Estou me tornando um livre pensador.

13 / IV / 1922

Desde há vários dias estou trabalhando na recuperação da estrada e na cerca que dela separa o pasto. Contratei um homem para me ajudar por 2$500 por dia. A cerca estava caindo e na estrada tive de melhorar o aterro de 2 pontas enquanto a Catarina roçou as beiradas da estrada. Agora temos uma nova lei que obriga o proprietário a consertar a estrada pública que passa pela sua colônia e nós ficamos prejudicamos por que a extensão é de um quilometro.
O estudo vai fácil. O professor é talentoso – ele sabe ensinar, mas perdi uma aula por causa da chuva.


01 / V / 1922

No mês passado faltei à aula por 4 vezes por causa da chuva que inunda o rio tornando-o intransponível mesmo de canoa e o professor mora na outra margem. É o vento sul que costuma soprar no outono trazendo as nuvens e a chuva.
A Lídia mandou-me uma breve carta e parece que estava aborrecida quando disse: “A felicidade não se encontra em lugar algum”. Ela ainda não recebeu a carta que mandei. Para tia Lina ela escreve que ela não voltará para Mãe Luzia, mas pretende ficar lá mesmo em Nova Odessa. Disse que o Gustavo Karklis está reformando aquela casa onde funcionou a escola, que pretende casar no inverno. Atualmente ela esta morando na casa do Augusto Peluj. Saiu da escola o que na minha opinião é um erro, mas, assim mesmo, desejo que ela seja muito feliz.
Esta é a época melhor da minha vida que é cheia de felicidade, livre e valorosa. Vivo para alcançar um objetivo que me fascina desde a tenra idade que é a aquisição de conhecimento através do estudo. A divisão do meu horário durante o dia é ainda o mesmo que já descrevi uma vez.
Aos domingos vou para a reunião da Igreja Batista e a cada terceira semana eu sou encarregado de dirigir o culto.
Um dentista itinerante o Dr. Scaravasso instalou o seu gabinete dentário na casa do rio Zigismundo – ele é um grande amante da música.

13 / V / 1922

Hoje se comemora aquele dia famoso quando em 1888 os escravos alcançaram a liberdade no Brasil. Outra vez a tia Lina recebeu notícias de Nova Odessa – a Lídia vai casar no dia 20 deste mês. O meu amigo Rodolfo Looks de Rio Branco, também me escreveu.
Vou tentar arrendar estas terras inexploradas do meu pai por 400$000 por ano. O dentista tratou dos meus dentes por 30$000 fez uma coroa e uma obturação.
Um dia espero viajar para a Letônia a terra em que nasci, em cujo benefício desejo trabalhar – a terra onde quero viver e morrer. Quero realizar este desejo na primavera do próximo ano. O Gibeot, de nova Odessa, viajou recentemente.

20 / V / 1922

Este é um dia histórico, por que hoje casa a minha irmã Lídia e também por um outro acontecimento menor, Alberto Books festeja 24 anos. Não sinto vontade de escrever, vou ouvir a voz do meu coração. Desejo as mais doces alegrias para a minha irmã – que para mim é a única de toda esta minha família.

01 / VI / 1922

Outra vez transcorreu um mês. Esta minha luta para estudar, aprender acelera o tempo. A matéria mais difícil, para mim, é a álgebra e depois vem o francês por causa da pronúncia. De Nova Odessa recebi uma carta de Eduardo Karklis e a outra da Ester. O primeiro se mostra muito espiritual por que espiritualidade lá está tomando a força toda; agora vão ter reuniões de orações, 3 vezes por semana, das 12 as 16 lideradas por João Inke.
Convidaram-me para ser professor lá em Rio Novo e eu pedi um honorário de 60$000 por mês pago adiantado. Quem sabe se não serei chamado para lá cumprir esta nobre missão. Como estudante vou indo bem por que assimilo as matérias, mas estou me tornando um tanto sonhador.
Hoje recebi a resposta a minha proposta que fiz para ocupar o cargo de professor em Rio Novo, que é a seguinte:
1) Quero ganhar 720$000 por ano;
2) Receber mensalmente e adiantado;
3) No caso de quebra de contrato, um aviso prévio de 3 meses;
4) O horário das aulas não será maior de 4 horas diárias;
5) Feriados patrióticos e religiosos para descanso.
Eles aceitaram a minha proposta e assim, no fim do mês, vou partir para assumir uma nova vida em uma nova ocupação. Lamento ter de deixar o meu professor, as minhas aulas e os meus amigos, mas espero que tudo seja dirigido pelos desígnios do meu Criador.
Não consegui arrendar aquelas terras como falei; o Italiano quer pagar apenas 100$000 por ano. Se os meus pais me mandarem uma procuração, vou vende-la, já mandei uma carta com esta proposta para eles e a Lídia.

20 / VI / 1922

No dia 17 chegaram a cavalo, de Rio Novo, os meus companheiros Roberto Kreeplim oriundo de Nova Odessa e Alexandre Klavim. Eu havia regressado da aula tarde de noite quando eles já estavam dormindo. Havia pensado neles e eis que agora estão aqui. Isto me surpreendeu agradavelmente e me proporcionou muita alegria. No domingo, todos, fomos assistir ao Culto, na segunda feira passeamos e amanhã eles já vão embora.
A minha ida para o Rio Novo ainda não está segura; vou mandar mais uma carta e esperar a resposta na semana que vem. Através do Roberto que é de Nova Odessa desejo encomendar livros e músicas.

01 / VII / 1922

Já estou em Rio Novo na casa da Kátia Klavim. No dia 27 do mês passado cheguei a cavalo e assim ainda encontrei Roberto. Junto com o João Salit estivemos em Orleans tratando, junto aos homens do Governo, a licença para o funcionamento da Escola. O Superintendente gostou da idéia e prometeu me submeter a uma prova, um exame de capacidade profissional. Já na segunda feira vou iniciar as aulas. Pela pensão e a roupa lavada vou pagar 33$000 por mês.
Em Mãe Luzia vendi:
• O gado por 590$000
• Gastei em Mãe Luzia 70$000
• Mandei para Nova Odessa para pagar aulas 170$000
• Comprei “Obras Classificadas” 100$000
• Comprei um casaco 46$000
• Despesas da viagem 10$000
—————
• Sobrou 200$000

CONTINUA

História de Emílio Andermann – 6ª Parte

História de Emílio Andermann 6ª Parte

M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman

“Leiam também neste mesmo Blog o artigo escrito por Julio Andermann que está em “Crônicas Históricas com o titulo de” Meu pai Carlos Anderman”

Nesta parte o escritor mora em Nova Odessa e tem a oportunidade de conhecer o famoso pastor João Inke e Família.
Nesta parte o autor intercala partes da história da 1ª Guerra Mundial e da formação da Letônia como nação. Apresenta os horrores da ocupação da nação pelas forças comunistas e as barbáries cometidas por eles narradas pelo Pastor Inke.

SEGUNDO CADERNO
NOVA ODESSA – SÃO PAULO

O casamento de Eduardo e Sofia
Há muito tempo o Eduardo Karklis me perguntava desconfiado sobre as

relações deles. Ele ficou admirado por causa da minha ignorância a este

respeito, até que de repente, uma semana atrás, Zenia perguntou a minha

opinião para saber se era aconselhável que a Sofia se unisse com Eduardo
Leeknin.

“Isto será a felicidade dela” eu respondi.
Fiquei muito contente por causa do motivo desta união. Iniciaram-se os preparativos para o dia do casamento; assavam-se bolos, preparava-se comida a base de carne e, por fim como ficou linda aquela festa.
Tive encontro com os meus companheiros e em grupo, nós conversávamos sobre vários assuntos e servíamos estes momentos de companheirismo em toda a plenitude.
Também tiramos fotografias, para ano futuro comemorar este acontecimento.

EM 19-09-1921

Certamente este foi o último domingo no qual eu dirigi o culto na Igreja Batista Leta da Fazenda Velha por que estávamos esperando a breve chegada do Pastor João Inke. Deixarei esta responsabilidade com muita satisfação.
Fui eleito e aceitei esta responsabilidade por que pensava: “Em breve chegará o Pastor João Inke”.
Espero que Deus abençoe este meu trabalho que executei com tanta imperfeição.

JOÃO INKE E A SUA FAMÍLIA (24-09-1921)

Finalmente hoje nós tivemos o prazer de receber esta personalidade que já estávamos aguardando há 10 meses. Jekabson e eu fomos a Campinas ao seu encontro, quando aproveitei a viagem para adquirir livros. Na estação tomamos o mesmo comboio ferro carril a cujo bordo vinham as nossas visitas. Também lá encontrei a minha irmã Lídia e nós dois conversando, nem percebemos a passagem do tempo.
O trem parou em Nova Odessa e na plataforma da estação estavam reunidos muitos letões. Também compareceu a banda musical que tocou a marcha “Riga” tão apreciada pelo nosso ilustre visitante.
Qual a impressão que ele deixou em mim: um homem alto, robusto, com o chapéu na mão, portanto um cavanhaque encanecido; mas com que profundo respeito todos cumprimentavam este visitante que veio da Letônia. O seu filho com 16 anos já tinha uma fisionomia de adulto. A sua senhora e a filha pareciam um pouco gordas.
Depois de uma semana também chegou o seu irmão Ricardo Inke em viagem de férias, pois depois da permanência de uma semana pretendia seguir para a América do Norte.
Para mim este dia deu uma grande alegria em Nova Odessa por que eu admirava este homem e agora o ouvia falar.

A RECEPÇÃO

Depois da Congregação toda já estar reunida na Igreja, entraram os nossos visitantes. Tanto eles, como toda a congregação estava visivelmente emocionada. O Coro cantou um Hino de Saudação. O Strelniek iniciou o culto cumprimentando o Inke e dando as boas vindas em nome da congregação. Depois também as outras uniões da Igreja o saudaram, assim como eu, representando a nossa classe de Estudos Bíblicos.
Ricardo Inke também cumprimentou o irmão com muita humildade. “Eu não sou digno de atar os cordões do seu calçado e em plenitude ele é aquilo que eu sou na insignificância” disse ele e todas as palavras demonstravam sentimentos de todos nós que desejávamos aproximar-nos mais de Deus.
Os dois irmãos viveram juntos na infância – mas com a ida de João para Riga houve a separação.
Finalmente ouvimos o sermão se J. Inke sobre o Tema: “O amor fraternal”.
O culto noturno também foi muito bem frequentado e depois do culto veio aquela outra parte da festa com a mesa posta.

A MINHA FAMÍLIA VIVENDO EM LINHA TELEGRÁFICA

Eu tive um grande prazer de encontrar o velho Gailis, um irmão na fé e um letão respeitável. Nascido em 1846, serviu 3 anos no exército do Tzar e depois foi nomeado escrivão.
Junto com outras 7 famílias imigrara para o Brasil em 1891, um ano depois daqueles que vieram para o Rio Novo e estabeleceram-se em Oratório – depois Ijuí (RS.)
Ele contou que o Rodolfo e a Ida também lá estiveram em visita e eles aderiram ao movimento. Um certo Ozols começou a balbuciar línguas estranhas. Mais tarde ele havia falado que Ricardo e João Inke foram entregues ao satanás para que ele os destruísse, por que eles prejudicaram muito o movimento Pentecostalista: isto mostra que onde houve uma oposição inteligente, eles não conseguiram firmar-se.
O Ozols depois quis publicar notícias nos jornais, mas tendo pouca instrução os escritos dele não foram entendidos pelos redatores que explodiram em gargalhadas.
O velho Gailis diante de tanta confusão resolvera viajar para Rio Branco e Linha Telegráfica para clarear as ideias, aonde chegou em 11-09-1921. Primeiro ele hospedou-se na casa do Graudin com o qual teve uma conversa que o convenceu de que este movimento tinha fundamento na Bíblia.
Depois fora para Linha Telegráfica, que se situava próximo, alguns quilômetros de distância e em lá chegando, encontrou a Ida que o levou para o campo onde todos trabalhavam em mutirão e, ali mesmo apresentou ao Alexandre. Ele então disse: “tarde, tarde demais e etc”.
Em seguida procurou o Rodolfo que o acusou de pertencer à “grande multidão”, mas para ele ficar por lá mesmo. Durante a reunião da Congregação tivera de ficar do lado de fora da fila e da roda e que em situação idêntica, estavam o velho Straus, Ricardo e uma menina.

ALIMENTAÇÃO – eles viviam em coletividade nos moldes do que está escrito nos Atos dos Apóstolos. O desjejum era servido depois do culto matinal; mas o almoço depois do culto e o jantar servido antes do culto noturno. As vinte pessoas presentes faziam a refeição em uma única mesa, a louça e os talheres eram em quantidade insuficiente.

AOS DOMINGOS – jejum – apenas pão com água que todos quebravam com a mão tirando um naco de uma só unidade e a água era bebida de uma só caneca que passavam de mãos em mãos, em torno da mesa de refeições, isto para simular que cada um per si havia arrancado um pedaço do corpo de Cristo e também tomado o seu sangue.

REUNIÕES – o primeiro culto era realizado ainda de madrugada à luz de lampião de querosene, era tranquilo; depois do almoço mais uma reunião com aqueles excessos de dança alucinada. A Ida, o Rodolfo e o Alexandre que eram os profetas, receberam uma ordem espiritual de que deveriam usar túnicas brancas como o fizeram os Apóstolos na antiguidade e para isto já haviam comprado o pano.
TRABALHO – as meninas plantavam arroz; o meu pai limpava um terreno com a foice; o meu irmão Teófilo foi encarregado de cortar o capim e alimentar os animais. O Rodolfo trabalhava fazendo qualquer coisa em casa. Na pocilga havia ainda 3 leitões que ainda poderiam ser consumidos, mas depois a sua criação estava proibida.
Quando Gailis finalmente expressou a sua vontade de viajar para São Paulo em visita ao filho, não quiseram deixar, mas a última palavra era do Rodolfo: “se quiser ir, pode, mas depois não volte mais”, ele sentenciou.
As pessoas afundam no abismo da ignorância, longe do entendimento, distante dos ensinamentos de Deus e a verificação deste fato é a causa da minha dor, dos meus lamentos, dos meus suspiros por que parte deles era constituída de toda minha família e seria muito mais aceitável ter eu sido “amaldiçoado” ao em vez dos meus irmãos, mas em mim acordam esperanças de que, de alguma maneira, eu os poderei convencer para que voltem ao caminho da verdade.
Então, eu me pergunto, como há de ser aquele momento quando eu lá chegar à Linha Telegráfica em visita; vê-los de novo e com eles falarei. Será que terei ânimo para conter as lágrimas – ao contrário do que já me tem acontecido muitas vezes.
Deus que conhece todas as coisas que acontecem, ajude a mim e a eles.

UM ENCONTRO CORDIAL

Estou me sentindo muito contente e feliz, por que tive um encontro com o meu irmão na fé e companheiro, o jovem Inke, que veio em companhia do pai. Hoje a noite teria havido um culto, se não tivesse caído chuva tão necessária para os agricultores porque as precipitações, neste ano, não foram suficientes.
Eles chegaram a pé quando a chuva começou porque o abrigo aqui em casa era mais próximo que o da Igreja. Por causa disto eles junto com o Jekabson chegaram para nos visitar. Esta foi para mim uma surpresa agradável.
O Inke contou sobre aqueles tempos dos bolcheviques, sobre educação na escola, quando, logo em seguida, chegaram também o Leopoldo, junto com a Emma, Olga e Teófilo. Para não desperdiçar este momento cantamos alguns hinos em conjunto e o João Inke leu aquele versículo do Apocalipse: “Mas eu tenho isto contra ti que desprezaste o primeiro amor”, que ele explicou com grande simplicidade que era baseada na sua fé humilde e convincente.

O FILHO DE NATALIA PETERLEVIZ

Nós fomos fazer uma visita na casa dela, ontem de noite. Lá estavam reunidos muitos convidados e parentes, entre eles encontramos o jovem Inke que nos contou a respeito dos desvios espirituais errados; falando da intransigência daquela gente baseada no orgulho por se sentirem donos da verdade.
Mas a parte mais interessante foi à reunião; um culto que foi dirigido pelo velho Inke quando então nós sentimos a presença de Deus através das nossas orações. Mas em vez de sermão tivemos palestras de esclarecimento que também são necessárias por que provocam perguntas para serem esclarecidas.
Todas estas atividades convencem que o Inke é profundamente devotado à causa de Deus e a sua atuação tem sido muito abençoada. Nada ele quer fazer de sua própria iniciativa, mas espera a inspiração divina. As suas falas não contem hipocrisia e sempre são fundamentadas nos ensinamentos da Bíblia. Ele espera em tudo que faz a orientação Divina e se esforça para também a nós ensinar este caminho.
Admitimos na União da Mocidade o jovem Inke e a Emma Inke, Olga, J. Jekabson e A Peterlevic.
Recebi a carta de uma amiga minha chamada Emma, onde ela escreve que está cuidando do seu pai doente. Já há mais de um mês ela está à cabeceira do leito do seu pai e triste, chorando está aguardando o futuro. Mas no fim da leitura percebe-se uma profunda confiança em Deus quando ela testemunha: “Serei feliz sob a proteção de Deus”.

EM 12/10/1921

No culto noturno o Inke continuou a sua narrativa sobre a Grande Guerra Mundial. Aqui transcrevo um pequeno resumo sobre estes acontecimentos: “com esta narrativa não desejo apenas satisfazer a vossa curiosidade, mas desejava, também através desta vivência mostrar um vários episódios, a época em que vivemos”.
Como um marinheiro orienta o seu rumo pela posição do sol assim nós devemos orientar-nos pelas profecias escritas na Bíblia. Para facilitar vou dividir este tema em cinco partes:
I – que vou deixar para explicar em outra ocasião
II – o período Kerenski
III – o período da ocupação alemã
IV – o período dos bolcheviques e o renascimento espiritual
V – a República da Letônia

I PARTE

Em 1916 o outono foi muito difícil para os Batistas na Rússia. A nosso respeito foram espalhadas notícias falsas de que nós éramos amigos dos alemães e por causa disto, perigosos, etc. ignorando a nossa atividade e os esforços que realizamos apoiando as Forças Armadas Russas com a mobilização dos Batistas, em grande número, que lutavam na Linha de Frente. Muitos Batistas foram presos, os templos de oração fechados e proibidas as reuniões. O líder da Confederação Batista, J. A. Frey foi deportado para a Sibéria. Eu mesmo com uso de passaporte antigo me refugiei em Novogorod na Rússia.
Na primavera fui convidado para trabalhar como Pastor dos retirantes e assim viajei visitando os correligionários Batistas espalhados pela zona de conflito, fazendo um trabalho pessoal porque as reuniões continuavam proibidas.
Foi naquela época que um lavrador siberiano, beberão e malandro de nome Rasputin, lentamente conseguiu exercer a sua influência sobre as pessoas mais importantes conseguindo penetrar na Corte e ser nomeado Staretz; sacerdotes que na Rússia antiga ensinavam o temor a Deus e vigiar a prática dos bons costumes.
Na Corte do Tzar da Rússia reinava o desespero, tanto por causa dos insucessos na guerra, como por causa do Príncipe Herdeiro que era de uma constituição muito débil e havia fraturado a coluna e o tal do Rasputin conseguiu impressionar a Corte e se tornou amigo íntimo da Tzarina.
Ele conseguiu aprender a comer com talheres, mas auxiliados pelos dedos. Numa certa ocasião uma dama da corte, depois da refeição, lambeu-lhe dos dedos toda a gordura agarrada pelo manuseio do alimento. Deste detalhe se conclui a que ponto havia chegado à aristocracia na Rússia.
A Guerra já havia causado tantas baixas nas fileiras do exército que para substituí-los, já estavam convocando soldados com menos de 19 anos e mais de 45; então os povoados ficaram vazios de homens e o trabalho pesado tinha de ser executado pelas mulheres.

Quando desconfiavam do surgimento de qualquer ideia de liberdade nas fileiras do exército então era adotado um regime de violência insuportável e foi assim que começou a convulsão.
Nós tínhamos tanto ódio contra esta Rússia antiga e até desejávamos que ela fosse vencida pelos alemães.
No início de 1917 o Rasputin foi assassinado enquanto estava bêbado. Em São Petersburgo começaram a realizar reuniões de protesto até no meio da rua tolerados por causa de um tratado assinado com os aliados, mas quando perceberam que este movimento socialista já estava indo muito longe, então o Governo mandou os Kossakos para dispersar as multidões. No entanto eles não obedeceram às ordens, foram aplaudidos pelo público como amigos. Depois mandaram os “gordavajos” (polícia civil) e agora estes eram impedidos de agir pelos Kossakos, que não permitiram o massacre da multidão desarmada. Então resolveram uniformizar a policia civil, mas sem resultado por que já era tarde.
Consequentemente os amotinados soltaram todos os presos e atearam fogo nas prisões provocando grandes incêndios e as multidões corriam pelas ruas sem qualquer destino.
Eu observei tudo isto em pé sobre uma calçada e fiquei estupefato assistindo este espetáculo e vi como fugiam os guardas como sinal de que todo este sistema antigo tinha desmoronado.
Recentemente o Tzar tinha ido visitar a linha de frente, mas na volta não foi recebido, e quando regressou não o deixaram entrar em São Petersburgo, então o último recurso foi procurar refugio no meio do Exército na linha de frente onde não foi aceito sob a alegação que os nobres da comitiva estavam embriagados. Com urgência mandaram uma Comissão do Congresso ao seu encontro que o obrigou a assinar a carta de renúncia do Trono na intenção de mandá-lo para a Inglaterra onde ele tinha parente, mas não houve tempo para isto por que através de um outro ato foi assinada a nomeação de Kerensky como Chefe do Governo Provisório.

II – O PERÍODO KERENSKI

Ele tinha a formação de socialista moderado e desejava dar a liberdade para todo o povo do Império Russo; para as Forças Armadas e até anistiar os prisioneiros – ocasião na qual J. A. Frey retornou da Sibéria.
O seu governo teve o propósito de convencer o povo com argumentação e não reprimi-lo com o rigor da lei. Desejava continuar a Guerra e para isto ele próprio visitou a linha de frente onde tentou influenciar as tropas com os seus discursos inflamados.
Mas neste ínterim ressuscitou aquela cobiça de liberdade que foi animada pelos espiões alemães e em toda à parte, todos de uma só voz, passaram a exigir o fim da guerra.
Chegou, atravessando a Alemanha de trem, Lenine que iniciou aquela política evasiva, apoiada pelos rublos de ouro que caíram nas suas mãos e daquelas exclamações: “paz e pão” que nos ouvidos da população soavam muito mais agradáveis do que aquele ideal e Kerensky.
Então como participante destes fatos históricos assisti a uma terrível ilusão, por que a ideia da liberdade desvaneceu quando verificaram que não era bem isto que todos queriam. A multidão havia agarrado 3 guardas, que amedrontados suplicavam pelas suas vidas pedindo misericórdia, apelando que tinham mulheres e filhos que com a sua morte ficariam desamparados; mas nada disto adiantou por que os seus crânios foram esmagados a custa de pauladas e pedradas, sendo que um deles tinha cabeça muito dura que resistiu ao massacre, este então foi sangrado a espada.
Em outro local um “prestavo” estava passeando com a família quando foi reconhecido e preso. “Ele deve morrer de pancada” gritava a multidão. Então toda a família se ajoelhou perante os algozes pedindo pelo amor de Deus que a vida dele fosse poupada, mas nada disto adiantou, por que os malfeitores arrebentaram a cabeça dele. A mulher do policial apavorada procurou uma fenda de gelo no rio e nele atirou os filhos suicidando-se em seguida por afogamento.

Numa noite arrombaram a casa de um guarda e o assassinaram. A sua jovem esposa então em desespero vestiu os trajes nupciais do casamento ainda recente, tomou veneno e morreu ao lado do marido. Então o povo viu aquele quadro pungente vendo o resultado da própria loucura.
Na minha função de Pastor visitei os cemitérios para ver se identificava algum desaparecido, então vi filas de guardas mortos por esmagamento de crânio e também, outros carbonizados pelo crime de serem guardas penitenciários, pois quando soltavam os prisioneiros, os prendiam nas celas e atearam fogo na penitenciária.
Voltei para a Riga com a minha identificação vermelha, mas a minha esposa não me recebeu com aquele calor que estava esperando. Perguntei pelo motivo, e assim soube de uma manifestação que aconteceu quando moças ainda meninas apanharam um menino Israelita que fora obrigado a gritar: “viva a liberdade” contra a sua vontade e a dos seus pais; então passei a temer aquelas manifestações de liberdade com receio de ser humilhado. Este último acontecimento encheu de vergonha todo o povo de Riga.
Ato contínuo, a Riga foi ocupada pelos alemães. Os meus filhos ficaram retidos em Vidzeme, onde foram a passeio, longe de nós.

A COMPARAÇÃO DE JOÃO INKE COM SAVANAROLA

Com muito interesse eu li a história da vida de Savanarola, na qual, ficaram inscritas com letras de ouro, para sempre.
O João Inke também conseguiu quebrar a dureza dos corações de milhares de pessoas cheias de maldade e agora que ouço as palavras dele, examino a sua obra escrita, a sua maneira de ser, então com alegria tenho vontade de proclamar: “Ele é igual à Savanarola”. Através da sua atividade se espalhou o mesmo avivamento, por que ele maneja a espada do espírito. A sua pregação não é uma filosofia formal, mas é baseada nos ensinamentos de Cristo e deste modo ele se distingue entre os outros famosos comentaristas.
Ele espera tudo de Deus. Fala de improviso sem consultar qualquer anotação, usando as palavras que Deus lhe inspira na mente através do Espírito Santo. Alegra-me muito o fato de descobrir que ainda existem homens que combatem e vencem a incredulidade de hoje em dia.
Honra e glória a Deus seja dada.

OS LIVROS ESCOLARES

Por muito tempo eu sofri por causa da falta de livros. Quando recebi o dinheiro do Alberto, então comecei a pensar em adquiri-los e para suprir esta falta gastei 50$000 (cinquenta mil reis). Tive sorte em descobrir um “Sebo”, onde consegui livros de estudo bons, de baixo custo, e assim ficou satisfeito esta minha carência.

MINHA VIDA EM 18/10/1921

Há muito tempo não tenho abordado este tema que tive de postergar por falta de tempo disponível.
Hoje chuvisca. Caem pequenas gotas sobre a terra, umedecendo as plantações, que durante este tempo, este prolongado inverno, sofreram secas. Este prolongado tempo de estiagem durou até a entrada da primavera e atrasou a atividade na agricultura. Agora no verão, quando chegou o calor abafado é que aumentou a precipitação.
Toda a primavera trabalhei na preparação da terra, cortando arbustos, arando. Isto feito com a enxada eu abro pequenas covas nas quais o Rodolfo joga sementes, tarefa que vamos terminar hoje. Na outra metade deste terreno já havia sido plantando o milho que já está com um palmo de altura quando ainda nascerão estes dentro de algumas semanas.
Na escola tudo corre normalmente. Com grande entusiasmo estamos estudando matérias escolares e preparando-nos para os exames. Na álgebra nós estamos nas equações com duas incógnitas. Nesta semana não haverá aula, o professor está exausto. Ele sente dores em uma vista e na cabeça; o médico recomendou para que ele diminuísse o ritmo de trabalho.
Nos estudos escolares eu já estou adiantado em muitas lições na frente dos outros alunos. Também estou estudando Latim, Francês e Alemão, mas me aprofundei mais na geometria e no estudo da gramática. Estudo diligentemente com o máximo prazer, pois estou aproveitando qualquer tempo disponível para adquirir mais conhecimento e me entristece profundamente o fato de que desperdicei a minha infância por não ter tido acesso a escola, pois estaria muito mais longe se tivesse iniciado os meus estudos com a idade de 10 anos.

PRIMAVERA

Depois da chuva a natureza ganhou vida. As plantações acordaram e surgem da terra os pequenos brotinhos. De repente como tudo está mudado por que o triste aspecto de terra seca ficou coberto com um manto verdejante, reanimando a vida de todas as criaturas. Os laranjais florescem e as suas árvores parecem buquês de noiva, tornando formosa toda a natureza.

EM 15/09/1921
Casou o Carlos Karklis com Edvige Indrikson

EM 26/09/1921
Faleceu o velho Burmeister vitimado por uma pneumonia.

A MINHA IRMÃ LIDIA

Recebi dela uma carta que ela inicia: “Mais uma vez mando notícias sobre a minha vida amarga”. Ela tem uma vida dura trabalhando como empregada da senhora Ingram por que além de trabalhar estuda, além disto, o seu coração está oprimido por causa de um e outro mal entendido pelos Novaodessenses.
Às vezes de tanto cansaço perde a coragem e até tem vontade de fugir e sente muito o estado de pobreza em que se encontra. Os dentes estavam cariados sem a possibilidade de frequentar um dentista, somente agora ela contratou os serviços de um por 160$000 (cento e sessenta mil reis).
De boa vontade ela gostaria de viajar comigo de volta para Santa Catarina. Como é difícil estudar nestas condições.

PALESTRA DE JOÃO INKE
O AVIVAMENTO ESPIRITUAL NA LETÔNIA

A respeito do avivamento espiritual havido na Letônia, depois da Grande Guerra, nós pensávamos ora com crítica, ora com benevolência. Aqui chegamos a pensar que se tratava de um “fluxo de sentimentos” que como um tornado leva para os ares aqueles que não têm peso, não são firmes na sua fé para ficar com os pés na terra; estes voam, mas depois de certo tempo, são outra vez colocados no chão.
De início, também o Inke disse ter pensado muito sobre o assunto. Estudou profundamente o assunto à luz das Escrituras, mas ele não era daqueles que precipitadamente se jogam de cabeça em águas rasas.
Agora ele está alegre por causa desta mudança de rumo, por que as cartas que ele está recebendo da Letônia fortalecem a convicção de que Deus está conduzindo este despertamento.
Eles já há muito tempo tiveram notícias sobre o movimento espiritualista na Inglaterra, na Alemanha e outros países da Europa. Antigamente eles até lutaram contra este movimento, enquanto ele surgiu, espontaneamente, lá mesmo na Letônia, sem qualquer influencia estrangeira.
Inicialmente ele surgiu na localidade de Siberes e Laikalas junto da fronteira com a Polônia, onde havia pontos de pregação missionária sob a direção de Otto Weber. Ele havia sido batizado há 10 anos atrás, trabalhava ativamente como Professor da Escola Dominical e na evangelização de rua.
Quando o João Inke visitara aquelas localidades, ele perguntou ao Otto Weber se ele não desejaria assumir o pastorado destas Igrejas Batistas. Ele aceitara o convite e trabalhara ativamente provendo o seu próprio sustento.

No mês de agosto de 1918 aquelas Congregações haviam sido santificadas recebendo aquele poder do alto. O Inke continuava separado da família por causa da ocupação do País pelos alemães. Um colportor de denominação Luterana que passara por lá foi o primeiro a dar notícias transmitidas com surpresa e o Inke ficou admirado de como aquela gente sob a direção de Otto Weber chegou a ir tão longe, mas não notara nenhuma maldade na notícia transmitida.
Em seguida recebera uma carta pessoal de Otto Weber que confirmou aquela notícia. Finalmente o próprio Otto Weber procurou Inke pessoalmente e depois de muitos dias de discussão sobre o assunto, ele se convenceu e considerou este movimento idôneo.
Já antes da Grande Guerra o Pastor Inke havia notado a falta de entusiasmo, o esvaziamento espiritual; todos os membros procuravam adquirir riquezas materiais.
A mocidade procurava o luxo e a vida particular de alguns pastores saiu da austeridade prometida no juramento; mencionado os nomes de Kragis, Sermelis, Buceris como exemplo.
Os cultos eram bem assistidos, mas formalmente, sem entusiasmo; mas o período de guerra riscou todas estas situações da existência. O João Inke e outros pequenos grupos lutaram com insistência e alcançaram a misericórdia, por que as grandes reuniões nos templos continuaram a ser proibida.
Com o tempo quando veio uma ordem permitindo a abertura dos templos; ele convocara o Conselho da Congregação e confessou o avivamento e a mudança do rumo doutrinário de sua convicção e até admitiu a possibilidade de se afastar do cargo por esta razão; mas os Conselheiros reconheceram que a sua explicação tinha fundamento na Bíblia.
Também a Congregação havia entendido esta situação, desta resolução; houve um avivamento, reuniões cheias de bênçãos, os corações empedernidos foram convertidos e abençoados.
Este avivamento havia alcançado todas as Congregações Batistas de Vidzeme e depois também de Kurzeme. De todos os lugares chegavam pessoas para mitigar a sede espiritual nesta correnteza; purificavam-se e se consagravam a Deus.

CONTINUAÇÃO DE 12/10/1921

As Forças Armadas da Alemanha e da Rússia, por muito tempo permaneceram estagnadas esperando uma decisão final.
Não acontecia nenhum ataque bélico dos Alemães e parecia que eles estavam esperando que melhorassem as condições da vida em Kurzeme, para então ocupar o território.
Os exércitos permaneceram inativos e em consequência disto lentamente ia se extinguindo o ódio. As duas Forças inimigas iniciaram um período de amizade e congraçamento e até parecia que o Reino de Paz tivesse descido sobre o Campo da Morte.
Os soldados Russos, em pequenos grupos iam visitar os alemães para obterem um “shnaps” de boa qualidade por que não recebiam mais suprimento de “wodka”, por falta desta bebida própria para o consumo humano, eles bebiam até o álcool envenenado, mas nas linhas alemãs havia até conhaque disponível.
Os soldados alemães pagavam estas visitas de cortesia visitando os Russos, mandando oficiais, como o uniforme de praças, para aproveitar o ensejo de espionar a verdadeira situação bélica do inimigo e espalhar boatos.
Num belo dia, inesperadamente, os Russos recuaram abandonando o terreno que defendiam e a principal causa desta ação foi a monotonia aborrecida da tropa estagnada em frente do inimigo sem atividade.
Foram explodidas as pontes e incendiadas os suprimentos bélicos e o bairro de Dinaburgo em Riga foi bombardeado pelos aviões dos retirantes e a artilharia que antes fora por eles ocupado. Aconteceram assaltos e roubos iniciados pelos Russos que fugindo queriam levar qualquer coisa.
No dia seguinte estas posições foram ocupadas pelo orgulhoso Exército Alemão. As tropas deles eram robustas e bem alimentadas; mas os habitantes locais estavam passando fome, apesar dos alemães permitirem a venda do pão e ofereciam, uma vez por dia, uma sopa de centeio feita com farinha velha, sem qualquer acompanhamento.

Construíram em torno de Riga uma cerca eletrificada e ninguém teve a permissão para deixar a cidade. Não havia nada para comprar. Muitos morreram de fome que os alemães apelidaram de “morte provocada pela debilidade da idade”. Muitos perambulavam pálidos e intumescido pela fome. A hora de recolher era às 6 horas da tarde e depois era proibido sair de casa.
Cerca de duas semanas depois da ocupação chegou em visita o kaiser Alemão, acompanhado do príncipe da Bavária (as tropas de ocupação eram Bávaras). J. A Frey chegou em Riga voltando do confinamento em Sibéria e quase foi atingido por uma granada que explodiu por perto no momento que ele estava abrindo a porta e foi jogado para dentro da casa pelo deslocamento do ar, mas sem sofrer qualquer ferimento.


NOVEMBRO DE 1921

Neste verão está muito quente. O sol brilhou, o ar está abafado a ponto de dificultar a respiração. O pensamento está embotado e o corpo cansado parece que foi cozinhado. Nem de noite dormindo a situação melhora e parece que a atmosfera está mais quente ainda.
O estudo ficou difícil, os trabalhos na lavoura estão parados e aproveitamos o estio para capinar o arroz. Estou tendo dificuldade de assimilar as matérias do currículo escolar e por isto tomei algumas aulas particulares para estudar o idioma francês ministradas por João Karklis. Todo o tempo de que disponho eu emprego no estudo dos deveres escolares e, também para escrever este diário.
A Lídia escreveu uma carta mais alegre que muito me animou.

O NOVO GOVERNO LETÃO

Antes da instalação do Governo Provisório, poucas pessoas acreditavam que seria proclamada a República Independente.
A União dos lavradores, aos sussurros estava conspirando e já estava em entendimento com os alemães. No entanto ainda reinava o duro regime deles. Havia soldados alemães por toda parte tomando conta da ordem auxiliada pela Força Pública, mas que proibiam qualquer atividade.
Muitos consideravam este ideal de independência apenas um sonho. Repentinamente foram distribuídos convites para que todos comparecessem ao Teatro Russo, onde seria proclamada a Independência da Letônia. Na reunião de público numeroso foram ouvidos vários oradores e assim foi fundada a República da Letônia.
Elegeram Ulmanis e Cakste como Líderes do Governo Provisório, mas eles não dispunham de Forças Armadas, nem armamentos. Os cidadãos mais proeminentes não se manifestavam por precaução. O Exército Alemão estudou este procedimento durante uma semana e depois, em 26 de novembro entregou as rédeas do Governo à Junta Provisória, em forma de uma notificação.
Esta ordem constava de 2 itens:
1º. O Governo Provisório, sob o comando do General Salit convocaria um Contingente de 6 Batalhões, que foi realizado aceitando voluntários de todas as regiões do País, mas, inexperientes e sem qualquer treinamento militar, quando foram mandados lutar contra os bolchevistas, alguns se acovardaram, alegando que não combateriam compatriotas, se rebelaram contra os oficiais ferindo alguns deles. Atendendo ao apelo do Governo, alguns cruzadores ingleses que estavam no Porto de Riga, bombardearam o quartel amotinado obrigando a rendição, o que é compreensível, pois o bando de adolescentes não estava preparado para entrar em combate.
2º. Seriam respeitados os direitos da minoria étnica alemã radicada na Letônia.

Em 3 de janeiro os bolchevistas ocuparam Riga e o Governo teve de fugir, recuar, para Leipaja levando junto os oficiais e os comandantes.

NOVA ODESSA – 4 DE NOVEMBRO DE 1921 – 5ª FEIRA

Houve uma reunião de liderança da Igreja e pela primeira vez fui convidado a participar, no meio de irmãos mais idosos.
Compareceu toda a Diretoria chegando um depois do outro. Acredito que todos nós desfrutamos desta comunhão de irmandade e do amor fraternal. Expressando o meu sentimento eu diria que me sentia alegre e fortalecido.
O nosso primeiro assunto foi o exame da proposta do Jankevitz que pedia apoio para os Russos em geral, alegando que havia terminado a Guerra e eles estavam na miséria, além do que lá existia seca. O Inke não prometeu nenhuma providência por que não queria envolver-se com incrédulos.
Então veio o pedido a respeito do Sprogis que estava acamado por doença. Para este caso seria aberta uma subscrição voluntária em dinheiro e convocado um mutirão para cuidar da lavoura. Depois do Jankevitz sair, foi criticado por falta de discernimento ele não entendeu que nós não poderíamos confraternizar com os comunistas.
Depois eu falei sobre os acontecimentos da Linha Telegráfica e o João Inke chegou a conclusão que eles receberam as bênçãos; mas faltou liderança dizendo que não tinham tomado alguma atitude e colocou a culpa no meu pai a quem faltara a firmeza na “coluna vertebral”, permitindo que os jovens, por este motivo, afundassem numa situação errada.

OS COMUNISTAS NA LETONIA – J. INKE

No período a partir de julho de 1915 até agosto de 1917 os comunistas não se manifestaram, por que havia um tratado de Paz com os aliados, na qual havia uma cláusula que proibia a mudança do regime com violência e a desocupação da Letônia tinha de ser realizada com tranquilidade política.
O novo Governo havia sido fundado em 18 de novembro de 1918 tendo uma Força Militar de apenas 6 Batalhões, e com uma Força tão insignificante e sem experiência, não era possível, no momento, resistir aos comunistas que foram convocados entre os veteranos da 1ª Grande Guerra.
Os comunistas ocuparam Riga em 3 de janeiro de 1919 e o Governo Provisório teve de recuar para Liepaja, evacuando junto às lideranças políticas, o Estado Maior, e os intelectuais.
Para manter a ordem e entregar a cidade ao adversário foram deixados alguns soldados nos seus postos, mas o primeiro ato dos bolchevistas ao ocuparem a cidade, foi fuzilar sumariamente estes adolescentes inocentes.
Eu estava caminhando pelas ruas da cidade. Vejo andando apressados dois homens liderados por um jovem. Eles estavam armados e o adolescente apressava o seu passo e animava os seus companheiros adultos: “vamos, vamos depressa para quebrar a cara de alguém”. Eles sumiram da minha frente, mas logo lá adiante vi um jovem soldado Letão, vestindo a farda do Governo Provisório, assassinado pela trinca que me antecedeu. O crânio dele estava esfacelado com coronhadas e estava caído de bruços.

Este Governo Bolchevista que tentava dominar a Letônia obedecia ao seu programa que era a sua Lei e cuja única sentença era “a morte”. Eles promulgavam os seus decretos publicados no diário “A Luta” cujos exemplares colavam nas paredes das esquinas, mas era impossível apelar por um direito com base neles por que as ordens se contradiziam.
Foi publicado um Decreto mandando confiscar as roupas dos civis por que as Forças Armadas não tinham uniformes. Cada cidadão somente poderia possuir um par de calçados e duas mudas e o excedente devia ser entregue ao Governo. Decretos iguais eram publicados determinando o confisco de alimentos. As melhores edificações eram requisitadas para o uso do comissariado comunista.
O papel moeda não tinha qualquer lastro ou garantia e era impresso em tiras de papel onde em lugar bem visível o Comissário Bergs mandou escrever: “Quem recusar esta nota bancária será punido com pena de morte”.
As fazendas e as grandes propriedades rurais passaram a ser administradas pelos empregados, que, diariamente, organizavam bailes nos salões daquelas mansões. Enquanto se divertiam deixaram de alimentar e cuidar do gado que por fim eram abatidos e consumidos como carne e em pouco tempo todos estavam à míngua. Por fim confiscaram todas as terras daqueles proprietários.
Conversando entre si diziam uns: “Que importa isto não foi amealhado por nós”; outros diziam: “isto pertence aos fazendeiros” e outros: “Isto tudo pertence ao povo”; mais numa coisa todos eles estavam de acordo quando gritavam: “Morte para os burgueses”; no entanto não havia uma regra que definisse o que era um burguês. Não se sabia onde terminava o proletariado e onde começava a outra classe; a definição do proletário esta sim era: “aquele que somente possuía as duas mãos para trabalhar”. Eles apanhavam os cidadãos mais bem trajados e usavam-nos como animais de tração na ausência de cavalos, para transportar esterco aos campos cultiváveis, conta-se que um proletário sentara na bolea da carroça a qual estavam atrelados os burgueses, como se fosse cocheiro, levando até um chicote.

ONZE DE NOVEMBRO

Esta é uma data gloriosa, por que este é o dia no qual começou a circular o sangue do povo Letão independente. É o dia que foi inscrito com letras de ouro na história mundial trouxe felicidade para todos os corações, que nasceu numa alvorada rubra, iluminada pelo sangue dos heróis. Assim foi dia 11 de novembro de 1918, que hoje comemoramos.

AS ORAÇÕES VESPERTINAS

Na semana passadas nós fomos convidados, em pleno culto, para uma “hora de orações” que seriam convocadas todas as segundas feiras. Foram convidados somente aqueles que não estivessem em paz com a sua consciência. Na segunda feira passada apenas a metade da lotação foi conseguida; mas nesta semana a sala de reuniões estava cheia. João Inke abriu a nossa “hora de oração” com um exemplo, dizendo que os Éfesos foram crentes, mas Paulo desejava que “eles tivessem os olhos iluminados pelo Espírito”.

O PERÍODO DOS BOLCHEVISQUES

Todos os dias eu saia de casa, mas não sabia se iria voltar. Na escola onde eu lecionava, não se estudava mais. Tornou-se um local para brincadeiras.
O programa de ensino estabelecido era: I Rússia; II Letônia; III o Congresso Comunista. No lugar das aulas de ensino do idioma Leto, foi instituído um espetáculo teatral.

O professor de álgebra era um homem de atitude e opinião, e por esta razão ficou sendo odiado e acabou sendo demitido. Eu fui contra esta medida, mas contra mim assumiram a mesma atitude de me demitir também. Eu fiz a minha defesa e na próxima reunião resolveram chamar de volta.
Presenciei também um desfile humilhante e desesperador. Estavam tocando a pé como se fossem animais cerca de 40 pessoas e entre elas cerca de 30 senhoras de alta classe. Foram acusadas de pertenceram à classe burguesa e por este motivo elas foram expulsas de suas mansões que foram confiscadas.
Foi erguido um monumento em praça pública, para o Karl Marx, mas a penúria era tanta que precisaram costurar as bandeiras usando trapos vermelhos. Usavam também as bandeiras da Rússia arrancando as partes azuis e brancas.
O Simão Berg passeava pelas ruas de Riga com um automóvel, mas andava armado com uma pistola, um revolver e um facão.
Em nome daquelas leis que promulgavam, foi preso novamente o J. A. Frey, junto com mais 12 correligionários.

NOVAMENTE 18 DE NOVEMBRO DE 1921

Com muito orgulho eu te saúdo minha querida Letônia, a Pátria onde nasci.
Eu te saúdo como um País livre e soberano. Em ti eu penso como a minha terra, onde viveram os meus antepassados, já há muitas e muitas gerações esta data gloriosa em que sacudistes as algemas das tuas mãos.
Gostaria estar na Letônia neste momento, os ouvir falando jubilosos a respeito da liberdade. Sinto um amor profundo pelo meu povo, que aqueceu o meu coração desde a tenra infância.
Não sei o por que da existência deste amor. Quem acendeu este fogo no meu peito. Senti as saudades e agora me alegro pela comemoração deste dia de liberdade.
Deus abençoe a Letônia. Dievs Sveti Latviju.

NOTÍCIAS DE MÃE LUZIA

A esposa do meu tio João Andermann, em cada carta que me escreve, mostra um insistente desejo de sair de Mãe Luzia.
Agora eles receberam uma proposta de 8.000$000 (oito contos de reis) pela propriedade agrícola e o João (irmão dela) e eu nos alegramos muito por causa disto. Em breve eles chegarão em Nova Odessa.
O João Kaulin e Lily Stekert casaram-se.

O TEMPO DE BOLCHEVIQUES NA LETONIA (J. INKE)

As ruas de Riga iam se tornando cada vez mais sujas, porque os garis não tinham mais tempo para trabalhar, pois passavam o dia em atividade política. O mesmo acontecia com as estações e os vagões da estrada de ferro que estavam ficando imundas.
As grandes lojas de roupas e moda ficaram vazias de mercadoria e compradores. Os armazéns onde antes se podia comprar de tudo agora não tinham mais nada. Não se encontrava farinha e outros comestíveis em lugar algum. As escondidas alguns comerciantes vendiam alimentos, mas por um preço exorbitante. Comia-se até casca de batata.
A farinha de centeio misturada com serragem de madeira era vendida para os cidadãos de primeira classe ou categoria – os comunistas – na quantidade de ½ libra; para os de segunda ¼ de libra e para os terceiros 1/8 de libra. Às vezes este bocadinho era negado; então para sanar a penúria serviam uma canequinha de sopa feita com o cereal.
Muitos eram colocados fora da lei e para estes não havia direito algum, eles não recebiam nada. “Encostar na parede” era um trabalho habitual.
Os dirigentes da partido, comissários, gozavam do direito de andar de automóvel. Um embaixador que fora a Rússia firmar tratado e pedir cooperação, de nome Stuca, na viagem de volta foi conduzido no vagão particular do Tzar, como gesto de boa vontade.

A espionagem, a denúncia e as revistas pessoais ou de domicilio era uma prática geral que se repetia com mais frequência com o correr do tempo eles então reviveram tudo e levavam o que bem queriam.
Não recebiam notícias nem jornais do exterior para saber pó que se passava no mundo. Todas as Igrejas foram nacionalizadas; as maiores usadas como auditório dos “Meetings” políticos e as menores simplesmente para ficarem fechadas.
Os burgueses depois de dilapidados dos bens que possuíam, rasgados e famintos eram obrigados a cavarem trincheiras. Eu próprio, um simples pastor, recebi este castigo, mas pela misericórdia de Deus fui dispensado deste trabalho; que era agilizado a custa de fuzis com baionetas caladas.

Bormanis que foi mobilizado para trabalhar na direção de um hospital num posto de responsabilidade, gozando de um certo prestígio foi a central de polícia para saber do paradeiro de J. A Frey. Ele se apresentou com muita determinação e atitude; rebateu todas aquelas acusações e conseguiu libertá-lo da cadeia na hora, mas o Pastor Planats já havia sido fuzilado.
No único jornal em circulação que era comunista e se chamava “Luta” (Cina) já apareciam notícias que os comunistas estavam fazendo recuo estratégico de suas linhas e estavam abandonando algumas posições na linha de frente onde lutavam contra as forças do Governo provisório.
Apareceram também aviões dos brancos sobrevoando Riga. Em breve verificamos que carroças cheias de mercadorias eram deslocadas para o interior acompanhado de militares vermelhos e quando perguntávamos para onde iam, eles respondiam: “vamos matar os brancos”, mas na verdade estavam fugindo e levando mercadoria confiscada pelos “comissários” que na maioria eram apenas comerciantes inescrupulosos.
No próximo dia verificamos que os líderes bolcheviques haviam fugido para salvarem o seu pêlo sem qualquer pena de deixar as suas conquistas.
Mas convém assinalar que a maioria dos “comissários” não eram Letões e sim membros de outras raças radicadas no país.

Então as colunas dos comunistas eram atacadas até por soldados conduzidas em automóveis e os jovens Letões organizavam patrulhas de ataque de surpresa contra o flanco do inimigo, que se retirava.
ESCOLA

Agora, no mês de novembro, estamos nos preparando para prestar os exames. Relembramos e revisamos todas as matérias estudadas e fiquei muito admirado ao verificar que os meus companheiros de classe não tinham conseguido reter na memória aqueles conhecimentos administrados na escola.
Dava vontade de rir pelas respostas que eles davam ao professor. Se ele, por exemplo, perguntasse ao Rafael: “o que é um golfo”? vinha a resposta: “o golfo é a água que avança no mar”. “Quais são as 5 partes do mundo”? “América, Áustria, Europa, África e Argentina”. O professor repete, fala, mas parece que as crianças não prestam atenção, estão sem interesse e o que é o pior – perderam o respeito ao professor.

A LIDIA CHEGOU DE FÉRIAS

A minha monótona vida foi agradavelmente interrompida. A minha irmã Lídia chegou de férias. Ela veio de surpresa sem eu esperar por ela. Esta na mesma forma, alta, elegante e bonita. Noto uma pequena diferença – ela está muito mais compenetrada, mais amadurecida, mais séria. Parece que ela já consegue entender melhor a vida. Eu a admiro muito por que este conjunto de qualidades abre-lhe uma boa perspectiva para o futuro.
Ela quer continuar os estudos na escola, na qual, durante o último ano e nos exames finais, obtivera boas notas.
Conseguiu tratar os dentes. Deus também deu mais uma benção para a sua vida, sem qualquer solicitação recebe auxílio financeiro de um benfeitor.
Desde pequena ela gosta de pintar e desenhar quadros que é o seu desejo ainda hoje. Em 23 de novembro ela completa 21 anos de idade. Que Deus lhe dê muita paciência e muito êxito.

RECORDAÇÃO DOS MEUS PAIS

Eles casaram em 22 de setembro de 1889. De um pequeno livrinho de recordações intitulado “Não se esqueças” vou transcrever o seguinte que ela própria escreveu:
“Meu nome é EMILIA KANTZBERG. Nasci em dia de chuva em 10 de fevereiro de 1875 no local chamado Skoaka. Desde pequenina eu gostava muita da casinha dos meus pais. Nela havia uma salinha que então, na minha infância, me pareceu tão grande e bonita e se ainda considerarmos o celeiro, o porão e o jardim, então tudo em conjunto parecia ainda muito maior, tão grande que eu sem a companhia da minha mãezinha na tinha coragem de percorrer – “por que quem sabe, eu poderia me perder”- pensei. O tempo ia passando, ano após ano e a minha mãezinha, que muito me amava, me contava, muitas coisas bonitas, e certa ocasião me disse que eu já ia completar 5 anos e estava na hora de aprender o ABC. Eu aceitei esta sugestão com muita alegria pois, já há muito tempo, queria ler aquele volumoso livro de cânticos. O meu pobre pai foi um grande beberrão. Ainda hoje me lembro quanto eu tremia de medo quando ouvia a sua voz enrouquecida falar ao chegar em casa tarde da noite. A minha mãezinha também tinha medo dele a ponto de empalidecer quando ouvia os seus passos e me dizia baixinho “fique quieta por que o teu pai está chegando”. Quase em todos os momentos como um leão enfurecido. Ele agredia qualquer um que tivesse coragem de ficar no seu caminho, mas quando estava sóbrio ele se tornava paciente e amoroso com todos. Freqüentemente eu via a minha mãezinha chorando e em várias ocasiões eu a encontrei de joelhos orando a Deus. Assim desde pequena tomei conhecimento com as preocupações que a vida contém, a dor, como também, a pobreza que freqüentemente batia na nossa porta e assim cheguei aos 8 anos de idade. A minha irmã contraiu matrimônio e eu comecei a freqüentar a escola. Eu, então, tomei conhecimento como isto é terrível ter um pai alcoólatra por que as outras crianças caçoavam de mim e com freqüência ouvia dizer – “o seu pai é um beberrão”. Certa ocasião confessei as minhas mágoas a minha mãezinha na esperança que ela admitisse que o meu pai era um homem mau, mas para a minha admiração ele o defendeu que melhor eu fazia orando a Deus na intenção do meu pai. Este conselho me comoveu profundamente e a partir daquele dia iniciei o meu contato com Deus através da oração, não só em intenção do meu pai, como de mim própria. Naquele tempo teve início o despertar da minha alma e a minha mente fazia várias indagações a respeito de Deus e do céu. Durante horas pensava e repensava a respeito do “juízo final”, acerca do que eu já tinha ouvido falar, e, quando iniciei a leitura do Apocalipse senti tremor sobre o fim dos incrédulos que seriam lançados no fogo eterno. Eu me sentia pecadora e tremia de medo de que, por esta razão, seria jogada lá. Eu aproveitava todas as ocasiões para falar com outras meninas a respeito de Deus e sobre os céus por que me sentia curiosa para saber para onde iria a minha alma depois da morte. Depois dos 10 anos eu não me preocupava mais com a eternidade por que encontrei uma menina que com muita habilidade e malícia me conduziu para o mau caminho. A minha pequena professora me ensinava a dançar, cantar modinhas e pregar mentiras para enganar os meus pais e por isso eu fiquei desobediente e cheia de maldade. A minha mãe muitas vezes me ameaçava, me corrigia e as vezes chorava a meu respeito. Eu encontrava alegria em futilidades, mas quando eu estava na hora do silencio eu sentia que alguma coisa me ameaçava, deixava assustada e na verdade eu não conseguia encontrar a Paz. Já era mocinha adolescente com 14 anos, quando me permitiram, durante alguns meses, morar na casa da minha irmã casada, que naquele tempo habitava em Dinaminde. Naquele lugar nasceu para mim àquela estrela da salvação que foste tu, meu Salvador.
Eu visitei a reunião dos Batistas e então as palavras do sermão caíram no meu coração e entendi, com toda a clareza, que em mim vivia aquele “Adão” e a quem Deus chama “Onde estás”. A partir daquela hora eu encontrei o Senhor Jesus Cristo e ele, desde há oito anos, tem me guiado maravilhosamente”.
Bem próximo da minha partida de Mãe Luzia me lembrei de transcrever para o meu diário esta bela e maravilhosa descrição. Eu conheço a formosura da sua alma e este escrito da um testemunho que eu confirmo cem vezes.
Eu me lembro do seu pensamento inquiridor quando eu estava cheio de dúvidas para me esclarecer, o seu caráter enérgico; mas além disto tudo, a minha mãe era dotada de um coração que poderia servir de exemplo para muitos outros; aquele coração que me amava, cuidava de mim e me criou – este coração que também é o meu.

CONTINUA