História de Emílo Andermann – 8ª Parte – 2º Caderno

História de Emílio Andermann – 8ª Parte

História de Emílio Andermann – 8ª Parte

M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman


“Leiam também neste mesmo Blog o artigo escrito por Julio Andermann que está em “Crônicas Históricas com o titulo de” Meu pai Karlos Anderman”

Nesta parte o escritor começa a dar aulas na Escola Anexa a Igreja Batista Leta de Rio Novo no Município de Orleans onde tem amizades e parentes. Neste período ocorre a famosa Revolta da Palmatória apresentando assim mais uma versão dos acontecimentos. Mais tarde volta prá Mãe Luzia para se aprontar para viajar para os Estados Unidos.

SEGUNDO CADERNO

03 / VII / 1922

Ontem recebi 60$000 de honorários e hoje vou dar a primeira aula. Chegaram 8 crianças e em breve me apresentei e fiquei conhecido de todos os alunos.

09 / VII / 1922

Dividi a turma em duas classes; a primeira dos alunos mais adiantados que já conhecem as 4 operações e a outra daquelas crianças que mal sabem ler, escrever e contar até 10.
Para estas classes darei aulas em separado. Espero que tudo saia bem. Quero trabalhar com todas as minhas forças e até me sacrificar se isto for necessário. O único objetivo é abrir a inteligência e o coração destas crianças para que elas aspirem tudo àquilo que é elevado e valoroso.
Na Igreja o Frederico Leiman dirigiu o culto. O velho Leiman se despediu da Congregação, por isto todos choraram por que ele vai deixar o Rio Novo para viajar com destino a Argentina a convite do filho que mora lá. Fui também visitar o meu tio Karklis.

31 / VII / 1922
A MINHA EXPERIENCIA NA ESCOLA

O mês passado trabalhei como professor. É uma ocupação dignificante, embora ligada a muitas preocupações. Tenho lido muito sobre a pedagogia, mas entre a teoria e a prática encontrei uma grande diferença. Como é difícil encontrar o caminho verdadeiro do ensino. Eu sempre procuro melhorar o meu desempenho, mas percebo que este é um caminho difícil de prosseguir e muitas vezes sinto que estou caminhando na penumbra ou na neblina.
Os meus alunos são muito bons com exceção de um italiano, o Pedro Baio, que é um menino pouco dotado e não consegue acompanhar a classe embora tenha 13 anos de idade. Eduardo e Clara Salit, Cornelia Balod e Elza Zanerip são os meus melhores alunos. Atualmente estamos estudando frações, mas a leitura deles é meio embaraçada. A Cornelia é a mais hábil por que também tem mais escolaridade. A Elza não está tão esperta e desconfio de que ela tem algum problema de saúde ou então que em sua casa a alimentação é muito pobre. Ela frequentemente se desculpa que não tem tempo para estudar. O Eduardo Salit, embora tenha apenas 8 anos, é muito diligente, mas algumas vezes é voluntarioso.
A classe dos iniciantes também progride a passos firmes para frente. Os filhos de Zanerip – João, Otilia e Lídia são bastante talentosos, principalmente na aritmética embora um pouco atrasados no estudo do português e estas dificuldades tenho de vencer.
A pequena Lídia Balod é muito esforçada, mas tive de colocá-la naquela classe iniciante por que sabia muito pouco. Pedrinho e Ângela são italianos, crianças de muito valor, principalmente a Ângela que aproveita muito bem o ensino e é a primeira da classe. Agora estamos decorando a tabuada.
Muitos dos meus alunos são chorões, mas, de um modo geral, eles me estimam e me respeitam. Faço todo o esforço para que o meu trabalho seja perfeito.
Surgem muitas situações interessantes. A pequena Lídia se concentrou tanto no desenho que, distraída, acabou caindo da cadeira. Eu a levantei, todos ficaram rindo, mas a pequena heroína não verteu uma lágrima.
No período de recreio os meninos descobriram num pé de laranjeira um fruto. Todos eles cobiçaram a laranja e iniciaram a escalada para alcançá-la, mas como havia muitos espinhos ficaram presos sem poder sair do lugar. Então houve uma choradeira geral até que os salvei desta situação.

06 / VII / 1922

No desempenho das obrigações e os deveres do professor surgem muitas situações imprevistas que revelam a natureza da criança, a sua personalidade e as suas emoções. Começamos a aula de História do Brasil e estudamos a respeito de Luiz Brito e Antonio Salema que vieram ao Brasil como Governadores. Quando terminei a explicação do assunto, pergunto a Otilia qual era o nome do 4° governador. Ela se levanta rapidamente e disse: “João Cabrito”. Todos nós fomos tolhidos pelo riso, mas a pobre Otilia chorava muito sentida e eu tive dificuldade de dissipar-lhe o pranto.
No comportamento da criança podemos identificar o seu caráter. Eu me viro para frente da classe adiantada e o pequeno João bate com a caneta na cabecinha da irmã. Eu vejo que o seu rostinho está rubro de impaciência e de raiva. Eu interpelo: “o que está acontecendo”? e o Joãozinho responde: “ela não quer me devolver” e começa a chorar.
Esta pequena gente sente tudo, querem parecer fortes e bonitos eles querem agradar o professor. Eles são iguais a plantinhas.


10 / VIII / 1922
O MEU ANIVERSÁRIO

O tempo corre rápido e a existência segue em frente a passos largos. Hoje estou completando 20 anos de idade. Agora já sou um jovem, mas ainda cauteloso, com um olhar desconfiado estou examinando a vida. A minha retina ainda não detectou o meu objetivo, mas de uma coisa tenho a certeza de que trabalharei, durante a minha vida toda, em benefício da humanidade. Sofrerei ofensas, talvez seja perseguido por divulgar a verdade.
Na minha mente surgem planos para trazer benefícios para toda esta gente, todo este povo que são meus irmãos. Não sei quanto tempo vou trabalhar em Rio Novo e quando tiver cumprido a minha missão aqui, não sei que rumo tomarei.
Leio muito e no meu pensamento surgem centenas de sentimentos e pensamentos e, através da minha cabeça, passam centenas de ideias e crescem muitas dúvidas; mas isto enriquece e fortalece todo o meu ser consolidando a minha base.
Não sei por que me conscientizei tão tarde. Em todos os setores eu me desenvolvi muito vagarosamente. Reconheço que não sou um individuo excepcionalmente bem dotado intelectualmente, tudo o que consigo aprender é à custa de muita força de vontade – mas isto pouco importa – para frente.


16 / VIII / 1922
DIA DE ALEGRIA

Ontem chegaram a Rio Mãe Luzia os meus pais vindo da Linha Telegráfica e este foi o meu dia de grande alegria. Até que por fim aquela loucura terminou. A Cornelia Balod chegou na escola e me deu esta notícia com muita alegria, dizendo: “Os Andermann chegaram”! A notícia foi tão boa e tão surpreendente que até custei de acreditar. Depois de indagar de várias pessoas, cheguei à conclusão de que os meus de fato haviam chegado. O João Karklis e a Lídia que casaram na Linha Telegráfica também chegaram, mas para o Rio Novo e se hospedaram na casa do pai dele, o tio Karklis.
Mas os meus como eles estão passando? Aquele grupo se dissipou como uma neblina soprada pelo vento e agora voltaram pobres e doentes. Hoje também recebi uma carta dos meus pais ainda escrita em Linha Telegráfica que, pelo seu conteúdo, provocou uma tempestade no meu pensamento e por vou guardá-la.
Hoje visitei o João e a Tereza. Eles estão tristes e abatidos. Fiz-lhes várias perguntas diretas e as suas respostas foram curtas e incisivas. Indagando se houve alguma mudança na sua vida espiritual – responderam que Rodolfo Andermann, nos últimos tempos, começou a falar com muita força de uma maneira muito estranha. No início houvera dúvida, mas quando ele insistiu, depois de muita desconfiança todos aceitaram de que o que ele dizia era a verdade. Isto certamente se referia aquela questão da dissolução do grupo de fanáticos.
Deixarei a escola por dois dias e vou a Mãe Luzia visitar a minha família.

VISITA A CASA DOS MEUS PAIS

No dia 18, depois da escola, a cavalo viajei para Mãe Luzia. Tomei o cavalo emprestado de Frischenbruder. Foi um dia tão lindo quanto quente e abafado. Cavalguei devagar absorto em vários pensamentos. O cavalo andava lentamente e trotava muito. Depois de passar por Orleans, escureceu, continuei o restante do caminho à noite. Estava tão agitado que o sono nem se aproximava.
Para descansar a velha montaria às vezes parava e me deitava, mas os mosquitos não davam sossego. De manhã bem cedinho cheguei a Mãe Luzia. Esperei os meus pais acordarem enquanto amanhecia e aproximei da casa com o coração angustiado.
A minha mãe foi a primeira a sair e ao me ver começou a chorar de alegria e por muito tempo me beijou e abraçou contra o seu peito. Depois saiu o meu pai sorrindo e até o Julinho saltitava de alegria.
Cumprimentei todos, um a um. A minha mãe me disse que veio ansiosa para me encontrar, mas quando chegou a Mãe Luzia e soube que eu havia ido embora sentira tristeza no coração. Todos demonstraram grande amor, carinho, estavam falantes e o encontro foi jubiloso.
Na mesa da família novamente comíamos juntos como nos velhos tempos. Julinho disse: “O nosso alimento vem através das portas e das janelas”. Eles estão pobres e não tem mais nada: “Pois tudo que eles possuíram, deixaram pela causa do Senhor”, conforme declarou o meu pai.
Quando saíram da Linha Telegráfica de volta para Mãe Luzia os Strauss não se lembraram de devolver nada do que tinham levado e dado para a coletividade. Além disto, eles ficaram com o celeiro cheios de espigas de milho muitos sacos de arroz, 25 bovinos, novas construções e um moinho de farinha e beneficiar arroz. Até a roupa com que regressaram era a mesma com a que tinham ido para lá.
Houve compra de fazendas para a coletividade, mas os da minha família como os mais humildes, não souberam amealhar nada para si próprios; outros se aproveitaram e costuraram roupa até para encher baús.
Lá eles passaram dias negros. Todos os usos e costumes foram copiados da vida diária que os Strauss levavam, por que eles eram os anfitriões. Na mesa conjunta as refeições tinham de ser devoradas com rapidez e silenciosamente. Aqueles que não tinham dentes ou os tinham em mau estado e não tinham aprendido a “engulir” como os Strauss, se alimentavam parcialmente.
A todos eram atribuídos trabalhos e obrigações como tarefa de tempo determinado e havia os “fiscais” encarregados de vigiar o desempenho. Deitavam-se para dormir às 9 horas e a alvorada era tão cedo que muitas vezes, feita a reunião matinal de orações e tomado o café, ainda estava escuro e tinham de aguardar o nascer do dia para irem ao trabalho na lavoura, isto tudo sem receber qualquer recompensa pecuniária.
Logo que a Ida casou-se com o Rodolfo ela tirou o corpo da liderança alegando que agora era uma senhora casada obediente ao marido.

MINHA MÃE

Tornou-se pálida e fraca, surgiram muitos cabelos brancos, perdeu o sono e ficou com o sistema nervoso totalmente abalado. Ela esteve enferma de impaludismo a ponto de querer morrer. Não conseguia comer quase nada, chegou a ficar inchada e já estava cheirando a defunto. Chegou a olhar a morte nos olhos, mas que a sua fé a havia salvado.

O MEU PAI

Ele perdeu quase todos os dentes e parece muito envelhecido. Está amável como nos antigos tempos, sorri e parece feliz. Também ele adoecera de impaludismo.

MELY ZELMA

Ela está admiravelmente desenvolvida. O seu rosto está cheio de sardas e por isto não parece tão bonito. As suas cordas vocais ficaram danificadas irreversivelmente por causa daquela gritaria nas reuniões de fanáticos durante aquele período abominável, mas ainda me deu o testemunho do amor de Jesus e parece estar feliz.

O TEÓFILO

Ele cresceu, mas moderadamente. Está pálido. Os dentes estão em ruínas e a sua vozinha também está danificada por causa daqueles excessos de gritaria da Linha Telegráfica. Também padeceu longo tempo com impaludismo. Queixou-se que teve de trabalhar carregando pesados feixes de rações de capim, por ele mesmo cortados, da roça para local distante onde estavam os estábulos para alimentar os animais; quando lhe faltaram forças devido a enfermidade, a Ida através daquelas línguas o destratara chamando-o de malandro e preguiçoso. Apesar disto está esbelto e bonito, mas muito circunspeto e declarou que lá, naquele lugar, o que ele mais fazia era chorar.

CLAUDIA

Está pálida e parece uma brasileirinha. Também estivera a morte por causa daquela malária e chegou a ficar tão exangue que não conseguira mais caminhar de casa para a cozinha.
Lá nenhuma assistência médica ou de remédio era permitida.

JULINHO

É alegre, despreocupado, esperto e vivo. Também ele se desenvolveu. Já sabe ler, mas não sabe escrever. Ele é saudável e é a minha alegria.

20 / VIII / 1922

Esta chovendo. Fizemos culto em casa. Ainda orava-se em fila ajoelhados no chão com o rosto no assoalho. Não se falavam mais aquelas línguas nem se pulava ou dançava. Só se admitia dançar por motivo de alegria. Ainda se cantavam aquelas cantigas espirituais que foram iniciadas por Rodolfo, e, que já foram passadas para o pentagrama que são cantigas curtas, mas muito espirituais.
À tardinha fui à casa do Zeeberg e arranjei dinheiro e dei 50$000 para ajudar os meus pais. Combinei com João Frischenbruder que ele me daria aulas de álgebra por correspondência.
O Rodolfo parece à mesma coisa de antigamente. Ele foi poupado do trabalho pesado, enquanto os outros trabalhavam na roça, fazia alguma coisa em casa. Foi ele quem construiu o moinho. A minha avó Ana, esta sim sofrera muito, mas agora contente, apenas lamenta que o tio João e a Lina vão embora para Nova Odessa, pois já venderam as terras que possuíam aqui.
Minha mãe falou-me que quando o Rodolfo começou a falar para irmos embora de Linha Telegráfica, então por algum tempo ela deixou de entender e acreditar que isto realmente aconteceria, por que até então, repetidas vezes, todos haviam falado que aquele grupo não se separaria mais. Finalmente acordara como se isto fosse um sonho e que então no seu ouvido soaram as palavras de um poeta que dizia:
“Tudo isto foi apenas um sonho”.
Que não merece consideração”.
‘No domingo à noite iniciei a minha viagem de volta para o Rio Novo. O tio João e a tia Lina vão embora na segunda feira. Também no meu ouvido soava:
“Life ist but a empty dream”
(a vida é apenas um sonho vazio).

07 / IX / 1922

A festa dos 100 anos de independência estão sendo festejados no Brasil com grande entusiasmo. Esta é uma data excepcional. Independência como tu é cara e quanto és bela. Tu solidificas a nacionalidade dos povos que é à base do seu desenvolvimento. Que cada um tenha escrito no seu coração esta palavra “A Liberdade”.
O meu desejo é para que os povos conquistem a verdadeira liberdade, unidade e irmandade.
Os tempos passam, mas permanece a história que é a memória do passado preciosa e sagrada, mas, oh povo Brasileiro, não olha tanto para traz. O teu verdadeiro objetivo é o desenvolvimento no futuro. Avante! Avante!
Seja este o seu grito de ordem neste dia sagrado – sempre Avante!
O João Karklis e a Lídia Tereza que voltaram de Linha Telegráfica para o Rio Novo, agora vão mudar para Mãe Luzia.
Mamãe escreveu uma carta dizendo que está passando bem. Para ajudar, os vizinhos, mandam uma coisa e outra a fim de ajudar neste novo início de vida e avisaram que estão dispostos a suprir tudo que estiver faltando.
Diz que o Julinho está sempre falando que quer vir ao Rio Novo para estudar comigo e que o Teófilo esta roçando campo para plantar.
Neste mês, aqui na escola, iniciamos o estudo da gramática portuguesa. Faremos traduções do Letão para o português, mas os meninos ainda estão estudando a pronúncia.
A minha vida corre pacífica, mas não tenho a paz de espírito por que sou um pesquisador.

17 / IX / 1922

Hoje a Mocidade da Igreja teve uma sessão para tratar de assuntos administrativos. Os jovens trocaram ideias acerca de festejos que acontecerão no próximo mês que abrangerá também o Jubileu de Prata dos 25 anos de existência da Congregação Batista do Rio Novo. Queremos dar muito brilho a esta solenidade. A ideia de que a entrada fosse mediante convite pago, não vingou, por que Alexandre e eu protestamos.
Houve a eleição da nova diretoria e embora eu tivesse recusado por motivos fortes fui eleito o Presidente da Comissão organizadora que terá muito trabalho pela frente.
Também temos de deixar tudo anotado para preservar a história desta Colônia. Houve muita desordem por que muitos conversaram e riam entre si, mas o presidente desta sessão consultava um e outro, mas não conseguiu a sua finalidade principal, que é a de disciplinar a sessão. No próximo ano queremos mais ordem e eficiência nos trabalhos.
Finalmente J. Zanerip propôs que as uniões de jovens, homens e moças, que agora estão separados fosse reunidas em uma só, no que foi apoiado por unanimidade.
Tarde da noite, quando voltei para casa, chovia. Havia muita escuridão, o caminho esteve escorregadio e eu levei dois tombos.

25 / IX / 1922

Na minha vida acontecem muitos milagres e este acontecimento de que irei morar nas dependências do pastor da Igreja foi um deles. Na casa de Alexandre Klavim eu estava muito à vontade por que podia tocar o harmônio nas horas de folga; mas todos os dias eu tinha de gastar 40 a 45 minutos para fazer o percurso de ir e voltar à escola perto da Igreja. Sempre desejei morar naquela casa, mas lá estavam os alemães. Hoje eles se mudaram e imediatamente quero ocupar este espaço vazio. Deles eu comprei várias músicas.
Agora já me encontro morando na casa pastoral. O primo Ernesto trouxe os meus livros e hoje acabei a mudança, eu mesmo, trazendo a minha roupa.
Fui visitar a minha tia Karklis que me cedeu roupa de cama e também providenciou comida. Fui a Orleans e comprei utensílios de cozinha.
Gosto destes aposentos onde eu passei toda a minha infância quando meu pai aqui ainda era o pastor. Vejo quanto à vida muda de rumo, se agita, segue em frente de acordo com a vontade de Deus.

30 / IX / 1922
O CASAMENTO DO PRIMO FILIPE

Terminada a escola, vesti o terno apropriado e fui para a casa dos Karklis. Os convidados vieram chegando e breve, a cavalo, vieram os nubentes de Orleans, com o seu séquito nupcial. Tudo estava enfeitado de flores e mesa estava posta com fartura.
Cantamos, tocamos música e conversamos. Eu não estava alegre por que o meu coração estava lânguido.
Adoro lecionar na escola, mas é difícil ensinar as crianças a ler e quando escrevem também tudo está cheio de erros. Já estou trabalhando há 3 meses, mas os resultados estão aquém do que eu esperava. À noite estudo para me preparar para aquelas provas de suficiência que terei de prestar em Orleans.

08 / X / 1922

Todas as boas coisas surgiram em conjunto. Chegou o missionário A B. Detter que dirigiu o culto e recomendou a Congregação que apoiasse o Carlos Leiman no trabalho dele de pregar o Evangelho em Tubarão. A Igreja prometeu ajudar. Este irmão já realizara várias reuniões em Tubarão mesmo contra a vontade do padre que chegou a solicitar do Chefe de Policia para que isto fosse proibido, mas sem resultado. Tentou insuflar os paroquianos contra, mas também sem êxito. Amanhã de noite ele vai fazer novo culto de evangelização e o nosso coro vai, de trem, para cantar. Informou que houve muito interesse daquele povo.
Hoje de noite fundamos uma União de Mocidade juntando os moços e as moças num grupo único. Houve eleição para 9 membros da Diretoria e para mim coube o posto de regente substituto do coral.

16 / X / 1922
A FESTA DA MOCIDADE

Fui eleito para dirigir estes festejos. Preparei-me cuidadosamente, mas quando o programa teve início eu me senti fraco, cometi vários deslizes; mas o meu desejo foi que a mocidade se aprofundasse mais nas coisas de Deus e volvesse o seu olhar para aperfeiçoar a sua ação no futuro.
O programa foi rico de conteúdo; muitas músicas tocadas, muito canto coral, poesias, tudo entremeado de citações, de forma que o tempo se esgotou e a segunda parte teve que ficar para o próximo domingo. J. K. Frischenbruder teceu muitos comentários a respeito da nossa história.
O templo estava lotado e o público atento ao programa demonstrava de que todos estavam satisfeitos. O meu desejo é de que ele traga muitas bênçãos.

22 / X / 1922

Hoje houve a apresentação da segunda parte do programa. Pedi para que me tirassem da direção dos trabalhos por que, por causa daquela questão da entrada paga, fui mal entendido, mas não me dispensaram. A casa novamente estava lotada e todos aplaudiram e tudo isto me deixou muito contente graças a Deus.

26 / X / 1922

Acompanhado de João Salit fui a Orleans onde um professor me interrogou e disse que iria me encaminhar para Laguna a fim de realizar aquele exame. Eu escolhi o início de dezembro para fazer esta prova por que assim terei mais tempo para me preparar e me sair melhor – isto é muito importante para mim.

NOVEMBRO

Gasto muito pouco com a manutenção da minha vida. O meu salário é muito modesto, mas fazendo economia da para viver. No mês passado comi 3 broas de pão, consumi 10 dúzias de ovos e uma garrafa de leite por dia. Também recebi muita coisa de presente mandada pelos pais dos alunos. Gastei com a alimentação 14$200 (quatorze mil e duzentos reis).

DEZEMBRO

Há bastante tempo, eu, na minha escola, tenho apenas 6 alunos. Até parece que eu sou um professor de aulas particulares. Não tenho muito que fazer. Acabei dando demais liberdade para os alunos e por isso eles se tornaram desobedientes. Chego a conclusão que devo ser mais severo, mais intransigente.
Na nossa escola existe muita alegria, entrei nuns trilhos de dar aulas, como aconteceu em Nova Odessa, onde alegria se tornou em algazarra que assim é prejudicial. Alguns casos de desobediência tive que punir.
Os meus alunos se queixam que tem pouco tempo para estudar, por que tem de trabalhar na lavoura para ajudar aos pais e por isto chegam à escola sem as lições de casa cumpridas. Então se torna difícil repreender; mas às vezes reclamei e impus as tarefas por que, às vezes, não havia saída, pois relaxavam tanto que perdiam o fio da meada, perdiam a vontade de estudar, tornavam-se desobedientes e com preguiça mental.
Vamos começar a estudar o idioma inglês e por isso os alunos ficaram muito animados, mas eles não imaginam como é difícil de se aprender uma língua extra; as primeiras lições receberam com muita boa vontade, mas será que serão insistentes?
A alimentação, para mim, fica cada vez mais barata; o João Salit e outros me mandam comida já preparada e pronta feita em casa. Em outras escolas, este mês já é de férias. Também espero receber estas férias e nelas tratarei de trabalhar outro serviço manual que pretendo executar com muito prazer.
Todos os dias estudo o português por causa daqueles exames que vou prestar, mas tudo me corre bem e estou alegre.

03 / XII / 1922

Ontem recebi carta dos meus pais dizendo que me esperam ansiosamente e em todos os dias falam no meu nome, mas o tempo vai ser curto, porque terei apenas uma semana de férias; mas logo em seguida deste pensamento o Salit me disse que, a partir da próxima semana, posso me ausentar até o 1° de janeiro. Por isto espero, brevemente encontrar com a minha família. Vou ajudá-los nos trabalhos da lavoura e quando voltar vou trazer o Julinho comigo para completar a alfabetização na minha escola. Assim mudam-se os tempos e com eles o destino.
Recebemos a visita de Carlos Leiman que declarou que não vai ficar em Tubarão, mas continuará lá até o levantamento de dados estatísticos.

08 / XII / 1922

Hoje, os meus melhores alunos prestaram os exames anuais onde somei a média das notas mensais:

Gramática
Português História do Brasil Comportamento Aritmética História da Látvia Língua
Leta Ciências
Naturais Geografia
Eduardo Salit 86 74,5 80 77,2 85 78,8 80 75,2
Clara Salit 78 77 89 75,7 65,7 79,8 77 78
Cornelia Balod 80,5 79 89 74 80 74,5 77,5 82,4
Alice Slengman 68 82,6 100 68,4 85 73 75,5 81,4

09 / XII / 1922

Acabaram-se as aulas, entramos em férias; fato este que nos alegrou muito porque depois de um trabalho diligente, o descanso é merecido. Durante a metade do ano nós alcançamos resultados – prêmio pela nossa luta e agora vamos descansar e depois reiniciar a batalha contra ignorância. As crianças cansam com facilidade e este espaço de tempo livre é necessário para repor as energias. Quando eu mesmo adolescente frequentava a Escola de Nova Odessa, então muitas vezes, o estudo me parecia insuportável, monótono e demorado. Lá, todos os alunos trabalhavam na lavoura, inclusive eu; por esta razão, para assimilar as matérias, cansado, ainda assim tinha de estudar até tardes horas da noite. Cheguei a pensar: “será que eu não poderia imitar os outros que apenas trabalham. Por que devo estudar”?
Pensamentos semelhantes certamente se insinuam no pensamento de todas as crianças; então quanto é agradável o descanso.
Quero também fazer uma observação retrospectiva sobre este meu trabalho. No fim do ano apenas 6 alunos continuaram a frequentar a escola: Eduardo Slengman, Lídia Balod – na classe dos iniciantes – e os quatro já mencionados – porque os filhos de Zanerip, depois daquela festa da mocidade, deixaram de estudar. A classe mais adiantada, na aritmética, decorou a tabuada de multiplicação e no final já sabiam trabalhar com frações. Também no aprendizado das gramáticas Leta e Portuguesa, nós passamos por toda a lexicologia. Na geografia estudamos todos os continentes e como já disse, ultimamente iniciamos o estudo do Inglês. Observando os meus alunos do ponto de vista da psicologia, vejo neles algumas falhas inatas. O Eduardo Slengman é chorão; ele é capaz de verter lágrimas por qualquer bobagem e quando o deixava de castigo ele chorava de raiva e sacudia a mesa como um débil mental; mas a sua natureza era muito boa.
Eduardo Salit é um cabeçudo. Ele é muito aquinhoado e o seu poder de memorizar é impressionante. No fim do ano ele perdeu o ânimo e tornou-se desobediente. Eu dou aos meus alunos muita liberdade porque não quero limitar o seu desempenho e a tendência que devem se desenvolver espontaneamente, mas exigi exatidão nos resultados e quando isto não acontecia – muitos alunos perderam o recreio. Estou me separando deles com tristeza e não sei por que motivo espero tanto deles.

23 / XII / 1922

Outra vez estou na casa paterna. Do tio Karklis tomei emprestado o cavalo e do Frischenbruder a sela. Iniciei a jornada cedo de manhã, mas o cavalo era vagaroso e a viagem foi lenta, embora o tempo estivesse nublado e a estrada enxuta. Cumprimentei a todos, mas não me sentia feliz. Ao chegar a Mãe Luzia, junto com os meus irmãos fui tomar banho no velho rio e eles aproveitaram a oportunidade de estarem longe dos pais, então me contaram coisas terríveis que aconteceu com eles na Linha Telegráfica. Quero anotar vários acontecimentos: numa ocasião ao ser distribuída a sobremesa a profeta Ida colocou, no seu prato, uma porção maior de uma guloseima. Uma irmã participante do grupo, depois comentara este fato levando a mal este procedimento. Os espiões certamente contaram a interessada.
Na próxima reunião, por intuição do espírito, a Ida proibira, daquele dia em diante, a cozinhar aquele doce novamente. Através da profetisa Ida aquele espírito, ordenara a Teófilo, que ele devia conseguir ração para os cavalos, então ele subia pela margem do rio para cortar um capim mais viçoso, mas quando trouxe o fardo a velha Strauss mandou que aquele pasto fosse servido para os bezerros. Depois ele teria de entrar na floresta para apanhar tais e quais ervas, então ele entrou no mato onde colheu um novo feixe; mas quando entregou aquela carga, lhe disseram que não era suficiente e ele deveria conseguir mais.
A Ida tomara muita antipatia por ele a ponto de odiá-lo, e naquelas rodas de culto falava mal dele abertamente. Ela dissera de que ele era um glutão que devorava a comida e de que era mal comportado. Além disso, sempre ralhara com ele dizendo que ele era um caso perdido.
Numa outra ocasião o Teófilo estava dormindo sono solto quando acordou com a minha mãe gritando por socorro com todas as forças dizendo que o seu fluxo sanguíneo estava parando na cabeça e de que temia um colapso; mas vendo este desespero a Ida ainda mandou todos pularem em sinal de louvor.
Se alguém do grupo demonstrasse qualquer desanimo e gemesse, então todos os participantes da reunião deveriam gemer também em coro; mas ao contrário, se alguém dos presentes desse um grito desvairado de alegria – todos deveriam acompanhar como loucos. “Gritai com todas forças, por que quem não gritar, perecerá” dizia Ida. Na mesa das refeições a família dos Strauss engolia o alimento com a maior rapidez possível e quando eles terminassem a refeição, todos os outros do grupo deviam agradecer e sair da mesa.
Os membros da minha família não estavam habituados a esta maneira selvagem de se alimentar, então passavam fome. A minha mãe fora submetida a um jejum involuntário por que, período antes do ataque de febre malária estava na hora de comer e não sentia fome, mas depois de passada a crise, não dispunha de alimento fora do horário. Debilitados pela malária, depois todos sentiam muito apetite, mas não dispunham de forças para trabalhar; então eram acusados de “comilões e malandros”. Eles não levavam em consideração o fato de que minha mãe sofrera aquela terrível enfermidade precisava de tempo para convalescer, pois apenas conseguia costurar alguma coisa e isto mesmo a custa de muito esforço.
A Ida a tudo isto inspecionava de um plano superior e iniciara uma campanha de acusação pública contra a minha família naquela roda de reuniões.
Numa ocasião quando a minha irmã Mery Zelma tivera um período de dúvida sobre aquele comportamento e sofrera luta no íntimo da sua alma; então a profeta resolveu esta situação através do espírito, mandando que, dormisse três noites despida, em sua companhia. Ela mesma despira a Mely Zelma as vistas do tio Rodolfo, que foi então convidado a se retirar do aposento ao ser tirada a última peça de roupa íntima.
Passado este episódio, dia seguinte, na reunião daquela roda o espírito mandou que ela mesma, a Ida e o Rodolfo deveriam dormir juntos a partir de então. “Vocês devem lembrar-se do mandamento de Deus que diz” – “aqueles que foram unidos por Deus ninguém deve separar”. “A eles é permitido, por intermédio de Cristo, a se amarem inocentemente como se crianças fossem; aqueles casados no Registro Civil e que durante toda a vida estiveram se prostituindo aqueles não seriam capazes de entender a pureza deste gesto por que trazem aquelas regras bíblicas no coração”. “Dormindo juntos é que se aprende a vencer a maldade” doutrinavam a Ida e o Rodolfo.
Quando toda a comunidade começara a tecer comentários e surgir dúvidas sobre este comportamento, então veio ordem para que todos dormissem juntos. Então estendiam esteiras no assoalho e lençóis e a própria Ida juntava os casais para passarem a noite dormindo juntos, alternadamente; mas ela mesma e o Rodolfo formavam um par constante.
Todos aqueles que não cumprissem as ordens de Ida literalmente era odiados; mas aqueles que cumpriam tudo sem discussão eram os bons.
Uma moça que se chamava Mina, que impressionava pela sua beleza, era terrivelmente invejada, a ponto da Ida proibir os homens a falarem com ela dizendo: “quem falar com ela está na perdição eterna; o homem que falar com ela será tolhido pela ambição da carne, ela é imunda, etc”. mas a Mina não entendia o porquê deste desprezo e continuava orar e a jejuar cada vez mais, mas não conseguia misericórdia.
O Eduardo Selmanis, velho Strauss e minha mãe sofreram muitas injustiças. Numa ocasião trabalhando na lavoura as crianças comentaram entre si sobre os acontecimentos e uma menina, a Olga, dissera: “eu não acredito que este espírito seja de Deus, por causa do que acontece com o Eduardo”, quando, atrás de uma moita surgiu um vulto (talvez Matilde) e já no culto da noite, naquela roda, a Ida sentenciou: “Olga e as outras crianças estão destinadas à perdição e ficarão a mercê do anticristo que os conduzirá e entregará ao “João Louco” para serem perseguidas, mutiladas pelos demônios, transvertidos em porcos e outros animais selvagens”.
Acontece que o meu pai ainda mantém a sua convicção inalterada. Ele defende tanto os acontecimentos da Linha Telegráfica que lamenta ter tido de regressar a Mãe Luzia. Ele está irremediavelmente embutido desta doutrina. Falei muito com ele, mas não discuti nem dei respostas, porque ele é o meu pai que me gerou e eu o estimo e o respeito. Agora ele está me ensinando o Inglês e descobri que ele domina este idioma com perfeição.
O tio Rodolfo retornou para a Linha Telegráfica para apanhar a Ida com quem está casado e vai trazer os sogros e mais outros parentes. Com ele sim, eu falaria palavras ásperas e duras. Não acredito que eles possam viver juntos em paz e estão falando que o Rodolfo vai mudar para o Braço do Norte.
Estou tomando aulas com J. K. Frischenbruder e dei um bom impulso em aprender línguas. Domingo, junto com os meus irmãos, fomos a Escola Dominical Batista. Eu não estava preparado para falar, mas assim mesmo me obrigaram a dirigi-la como também o culto. À tarde vieram os velhos companheiros trazendo os seus instrumentos, então tocamos muitas músicas.
Durante o dia eu trabalho na lavoura o que me parece agradável por que me sinto bastante forte.
Todos os meus irmãos continuaram a se lamentar sobre os acontecimentos da Linha Telegráfica, que não vou anotar, porque tudo isto me magoa e revolta profundamente.
Acabaram-se as férias e ao voltar para Rio Novo levei comigo a irmãzinha Claudia, o violino, a cítara e um pequeno armário para guardar os meus escritos.

NATAL – 25 / XII / 1922

Na Igreja Batista de Rio Novo, iniciamos os festejos ainda a luz do dia para que não entrassem muito pela noite adentro. Pois o Zeeberg que dirigiu o programa e se desempenhou da incumbência com muita beleza.
Todos os meus alunos participaram da apresentação, mas poucos conseguiram o sucesso desejado, mas também não ouve as monótonas falas de esclarecimento. No fim da festa cada aluno recebeu um embrulho com presentes.
No dia seguinte fui a Orleans procurar o meu processo pedindo prova de suficiência para ser professor que foi indeferido, por que faltava anexar outros documentos. O Salit me aconselhou voltar lá outra vez para anexá-los.
Retornei no dia 28, mas apenas consegui o Certificado da Polícia, mas ainda era necessário o Atestado Médico e este somente poderia conseguir em Tubarão como também o Atestado de Vacina contra a varíola. Dormi em Orleans para no dia seguinte, às 6 horas, tomar o trem para Tubarão. Chovia e ainda estava escuro como breu a ponto de mal enxergar o caminho que estava muito escorregadio e foi por sorte que não levei tombo. Cheguei à Estação molhado. Chegando a Tubarão, lá também chovia. Procurei a casa do Dr. Otto Tearschite, mas a empregada me disse que ele já havia ido para o hospital, mas lá chegando, ele também não estava; então todos nós que estávamos esperando soubemos que ele estava em outro local e somente apareceria de tarde.
Durante o dia todo fiquei na varanda do hospital esperando, até que ele chegou de tarde. Então ele me atendeu e disse que o Atestado de Saúde ele me daria, mas a vacina eu teria de tomar em outro local.
Passei a noite no hotel; lá encontrei um suíço engenheiro de profissão, que no desempenho de sua especialidade, havia viajado pelo mundo todo. Era um homem respeitável, de coração aberto, mente científica – falamos sobre arte, política e finanças. Se em toda parte existissem pessoas assim instruídas, com quem trocar ideias eu ficaria respeitado.
De posse dos atestados, voltei para Orleans a fim de completar a documentação; mas então surgiu outra exigência – a da naturalização que também somente poderia ser conseguida em Tubarão.
Em consequência desta exigência, resolvi voltar na outra semana. Na outra investida um funcionário me mandou falar com outro e este para o terceiro, até que fui informado que teria de requerer o documento na Secretaria do Interior do Governo de Santa Catarina; mas aconselharam que eu contratasse os serviços de um advogado. Já tendo despendido 46$000, não me sobrou mais nenhum tostão e voltei sem ter conseguido qualquer êxito. Esperava ansiosamente para prestar aquela prova imediatamente, mas agora, nem sei se isto será possível; por causa disto fico angustiado.
À tarde encontro o Senhor Evaristo – ele me deu esperanças de conseguir o documento, mas com a condição de propagar a sua candidatura para eleição de Comissário.

31 / XII / 1922

Consegui ser eleito delegado da comunidade Leta. Hoje na hora de reunião na Igreja falei em favor do Sr. Evaristo como Superintendente. Defendi a sua candidatura com todo empenho, embora ele não fosse simpático aos mais velhos – mas consegui convencê e finalmente me elegeram como mensageiro desta comissão.

SALVE 1923
VIVER É LUTAR CONTRA AS FORÇAS DAS TREVAS QUE HABITAM EM
NOSSOS CORAÇÕES E NAS NOSSAS MENTES – Ibsen.

Neste ano ainda não escrevi coisa alguma porque até agora nada de especial aconteceu. Por razões desconhecidas, nós os delegados políticos não fomos mandados para Florianópolis; somente tivemos o trabalho de ir e voltar a Orleans.
Escrevi aos meus pais que me mandassem a minha Certidão de Nascimento e alguma orientação sobre a minha naturalização, se a soubessem, mas a resposta que recebi de pouco adiantou. Por causa deste destino adverso vejo que não terei a possibilidade de prestar aquele exame de suficiência.
Depois de um mês de férias reiniciamos as aulas no dia 8.
No dia 17 o Gustavo me mandou uma carta de Conrado Frischenbruder, com a proposta para que o primeiro que fosse viajar para Nova Odessa, levasse a minha irmã Mely Zelma junto. Sobre este assunto escrevi longa carta para a minha família que foi levada em mãos pelo Jacob Karklis. O Conrado resolveu retornar para Nova Odessa e para encaminhá-la junto, esperava que ela chegasse até segunda feira, dia 27, mas ela não apareceu. Claudia então supôs de que ela não viajaria; mas na minha mente estava claro de que ela viajaria.
No dia 31 não houve aula por que tive de ir a Orleans ao encontro dos homens do Governo, a fim de rogar uma licença permitindo o funcionamento da escola. Quando voltei encontrei a Mely Zelma e também o Julinho que já estavam com a Claudia o que me causou um misto de alegria e admiração.
Mely Zelma disse os pais terem-lhe permitido viajar. O tio Rodolfo como o guia espiritual daquela seita opôs forte resistência ao plano. Falou que depois de voltar de Linha Telegráfica ele se empenhou para apanhar todos os bens materiais só para ele. Que as suas pregações ainda continuavam estranhas.
Tive a impressão que estava vendo a Mely Zelma pela última vez. A despedida é sempre dolorosa, dolorosa, dolorosa. Ela cresceu está esbelta e muito linda. Agora em Mãe Luzia, além dos meus pais só resta o irmão Teófilo.
Lemos que no Rio Grande do Sul estourou uma revolução e o Município de Orleans também se rebelou; isto porque o nosso povo não suporta mais o Governo dos Nunes que cercado pelos irmãos e parentes é os líderes. O tal de Evaristo em Orleans não passa de um simples moço de recados que apenas sabe fazer promessas que acaba não cumprindo. Ultimamente eles criaram muitos impostos novos.

18 / II / 1923

Os italianos, em grande número, foram ao povoado de Orleans, armados cercaram o edifício e obrigaram-no a assinar uma carta de renúncia ao cargo. Mas sorrateiramente telegrafou para Florianópolis dizendo que o povo havia se levantado contra o Governo e no mesmo dia foi mandado um pelotão de soldados armados comandados por um tenente.
Esta renúncia tinha sido exigida pelo outro Partido Político, inimigo daquele no poder, mas que também eram pessoas respeitáveis; com a chegada dos soldados, a promessa da renúncia não foi cumprida.
Por isto a revolta continuou na segunda feira, dia 19; a partir do meio dia todos os colonos foram avisados para comparecerem e informados que a cavalo, devia dirigir-se a Orleans. Neste dia à noite, na Igreja Batista estava programada uma reunião extraordinária para a discussão dos assuntos da mocidade e devido ao levante, não pudemos acender as lâmpadas e a reunião não se realizou; mas do lado de fora do Templo, estávamos vendo que, silenciosamente, uma grande multidão se reunia.
Na minha mente surgiram vários pensamentos. Fiquei admirado pelo fato de que, assim repentinamente, sem qualquer agitação ou propaganda, um tão grande número de pessoas entusiasmado conseguiu reunir-se em torno do mesmo problema, espontaneamente.
Os principais agitadores eram os Poloneses que até prometiam vingar-se contra os omissos. Eu me aconselhei com o Salit e o Karp que era melhor que eu também aderisse à causa.
Os Letões sob o pretexto de apanhar armas e devidamente guarnecidos, cerca de 8 pessoas e às 13 horas partimos para o local da contenda, numa linda noite iluminada pelas estrelas, que brilhavam em qualquer espaço do céu que se olhasse. Nós marchamos trocando ideias tentando prever os acontecimentos.
Em frente do Moinho do Arthur Paegle, vimos postados guardas armados que nos animavam: “sempre em frente por que não vamos deixar recuar até a revolução da contenda”. Isto me soava estranho e eu já estava arrependido de ter ido tão longe. Sentamos no chão para descansar as pernas. Soubemos que no nosso grupo havia uns 250 homens que estavam dormindo no mato.
Corria o boato de que mais dois vagões da Estrada de Ferro haviam trazido soldados: “mas nós os aniquilaremos com os tamancos” diziam. Outros falavam que, no espaço entre nós e Orleans havia mais de 1500 homens em ordem de combate que eram chefiados por líderes competentes. Foi nos recomendado, que daquela hora em diante, deveríamos obedecer à voz de comando. Para onde se olhasse havia homens ostensivamente armados.
Chegaram mais outros Letões que nos cumprimentaram e mostraram satisfação pelo grande número de pessoas reunidas.
Por todo lado era comentado o motivo desta revolta que eram os impostos insuportáveis e desumanos com que o Governo havia sufocado a população. Alguns faziam caçoada; outros contavam prosa de valentia, mas eu pensei, como é ignorante este povo; se ao menos tivessem o cuidado de virem desarmados.
Eu sentenciei intimamente: “Quando o primeiro soldado der um tiro, todos eles fugirão pisoteando-se uns aos outros”. O maior parte deste povo veio obrigado ou enganado, por que piquetes armados entravam nas casas e conseguiam as adesões, sob ameaça.
O Vilis Elbert tinha a mesma opinião que eu e falou: “que a maior bobagem foi terem trazido armas – isto sim – deviam ter vindo apenas com a força moral, porque os fuzis dos soldados têm muito mais alcance e melhor pontaria do que as nossas espingardas pica-pau”.
Amanheceu. O nosso chefe Franklin comando: “avante”! Para principiar já foi difícil acordar todo o mundo. Os mais pobres, por estarem mal alimentados, sentiam-se mais fracos por que estavam mais tempo sem comer. Com uma imensa dificuldade acabamos reunindo todos e iniciamos o movimento para frente até o local determinado. Ocupamos uma quina da cidade, perto do rio, onde existiam umas casas e neste local deveríamos esperar novas ordens.
Agora a luz do dia conseguimos ver melhor os nossos companheiros. Lá estavam idosos que se moviam lentamente, mulatos desinteressados, poloneses de tez muito pálida, os italianos firmes e fortes, os letões de estatura elevada. Todos estavam abaixados porque o sol já começava a esquentar.
De surpresa chegaram a cavalo 3 homens; o primeiro montava uma mulinha muito bem tratada e encilhada, mas o cavaleiro parecia cansado. Ele impressionava pelo seu porte imponente, era robusto e de estatura elevada, uma fisionomia bonita e uma atitude determinada. Chamava-se João Gusman, era comerciante e um dos dirigentes. A sua fala era mansa e amável – era popular, logo que chegou foi cercado e cumprimentado por todos. Ele falou que nós iríamos entrar em Orleans às 10 horas e o sinal para o avanço seriam três tiros para o alto. Informou ainda que na cidade não havia mais de um Pelotão de 15 soldados comandados por um tenente e 8 policiais, que não ousariam resistir.
Então ele animou a tropa dizendo: “Nós temos de limpar Orleans destes canalhas”. Ele prometeu matar dois novilhos para dar alimento para todos. Dito isto ele foi embora, mas o seu pronunciamento nos animou e impacientemente estávamos esperando a hora marcada.
Todos os caminhos estavam guardados e não deixavam recuar. Um dos companheiros do grupo que entrou no mato para procurar um local e satisfazer as suas necessidades pessoais, quase foi morto.
Lá pelas 9 horas chegaram 8 soldados armados. Eles vinham marchando em nossa direção e isso foi suficiente para a nossa coragem desabar. A multidão não esboçou sequer um movimento. Agora os soldados vinham em marche, marche, alto e se aferravam ao chão, apontando as armas em nossa direção. A multidão começou a esconder as armas e muitos já às jogavam no mato. Franklin, o nosso líder gritou: “Eu sou o líder, sou o líder, e por isto tenho de fugir para não ser preso”.
Eu tranquilo fiquei parado próximo de uma casa; mas dos outros poucos ficaram nos locais combinados. A maioria fugia pela capoeira estalando os galhos secos que pisavam. Alguns fugiam pelas cercas que quebravam e outros – simplesmente pela estrada, a cavalo correndo e galope somente parando depois de chegar a casa.
Imediatamente os soldados cercaram os remanescentes e os desarmaram. O canivete que eu portava – joguei fora. Depois cuidadosamente os soldados juntaram as armas espalhadas pelo chão. Eu pedi ao tenente para me dispensar por que não tinha vindo voluntariamente e, além disto, era o professor da comunidade. Também foram soltos outros entre eles Auras e seu filho.
As armas foram juntadas em um monte. Ali havia pistolas Mauser revolveres, espingardas e facões. Os presos foram levados para Orleans. Na casa do Paegle encontrei outros companheiros então resolvemos subir no morro para ver o que aconteceria com os outros grupos. Estavam chegando prisioneiros uns depois dos outros. Eles andavam vagarosamente de cabeça baixa e pareciam desolados. O primeiro grupo apanhou de palmatória e todos perderam suas armas. Assim ficamos observando até às 11 horas e nada mais acontecendo fomos embora para as nossas casas.
O tempo estava muito quente. Estava cansado e faminto, mas achei graça e ri pelo fato de homens tomarem atitudes tão irrefletidas e bobas.
Mas o que aconteceu com o segundo grupo? Entre eles se encontravam alguns letões. Sobre eles os soldados marcharam às 10 horas. O tenente convidou um representante para parlamentar, não havendo resposta gritaram “mãos ao alto” no que foram atendidos e desarmados em seguida. Muitos fugiram, entre eles o dirigente principal, o Galdino. Prenderam o João Ghisoni; mas deste segundo grupo, ninguém apanhou de palmatória.

A FESTA DA IGREJA EM 20 / III / 1923

Fui encarregado de dirigir os festejos. Alguns rapazes enfeitaram a sala da Congregação com folhas de palmito. O programa curto e só constituído por cantos corais.
Ao abrir os festejos eu lembrei o mandamento de Deus: “Tu deveras alegrar-te nas festas; tu e o teu filho, a tua filha, o teu servo, a tua serva, o teu levita, o teu agregado, o órfão, a viúva e todos que estão atrás do teu portão”. Frischenbruder falou sobre a mansidão que devemos aprender de Cristo. O Slengman falou sobre o Seminário Batista de Riga no seu primeiro ano de atividade. O Auras nos mostrou os frutos da nossa Igreja que cresceram em forma de missionários que foram trabalhar no campo Batista, oriundos do Rio Novo.

MAIO DE 1923

Um bom espaço de tempo já passou como se fosse nas asas do vento; desejo anotar alguns acontecimentos.

10 / V / 1923

Hoje é um dia de festividade que passamos num piquenique junto da verde natureza. Na parte da manhã apresentamos um programa nas dependências da Igreja. Os adolescentes, com muita coragem declamaram poesias, mas os jovens da classe Bíblica nada apresentaram. O Julinho se apavorou e ficou olhando para o espaço sem encarar o público e não conseguiu declamar. Depois fizemos brincadeiras e jogos de correr, como costumavam fazer os jovens Batistas nas horas de lazer e ficarmos conversando em grupo.

21 / V / 1923

Hoje é dia de Pentecostes que nós transformamos em festa de louvor através de cânticos. Isto está acontecendo pela primeira vez no Rio Novo em virtude do estímulo de João Zeeberg. Para esta apresentação preparamo-nos durante bastante tempo ensaiando.
Chegaram visitas de Nova Odessa – São Paulo – o Alexandre Arajuns e o Teodoro Klavim, que a mim também visitaram. De Mãe Luzia vieram Osvaldo Klava e o Alberto Books e estes encontros trouxeram felicidade para todos.
Eu tive a satisfação de dirigir o programa dos festejos. O coro da mocidade cantou 13 hinos; também ouvimos solos. Acompanhados do harmônio, dois violinos tocaram dueto de uma musica de Weber e outras composições. É pena que nós não tivéssemos tido a oportunidade de ouvir um artista “virtuose” para elevar ainda mais a apresentação destes números.

11 / VI / 1923

Despedi-me de Alexandre Arajums que está voltando para Nova Odessa cuja visita foi muito agradável e deixa saudades. Pelas suas mãos mandei cartas para a Lídia e o Eduardo. Mandei para o João Karklis 20$ para pagar vários livros que encomendei.
Na escola estamos fazendo uma recapitulação de todas as matérias para os exames de fim do mês.

16 / VI / 1923

Recebi uma carta do meu tio Balkit, dos EUA com a promessa de me ajudar na minha emigração para aquele país que em mim despertou sentimentos estranhos. “Será verdade que um dia vou morar naquele país rico”? para mim seria um acontecimento oportuno. Foram também convidadas a minha tia Paulina e a minha avó Ana, mas não sei se elas vão aceitar; mas para mim não quero outra coisa.


22 / VII / 1922
O FALECIMENTO DE ALBERTO GRIKIS

Esbelto, jovem, estatura elevada, um olhar expressivo e despreocupado, foi meu vizinho e se dedicava a lavoura. Ele já estava há bastante tempo sofrendo de uma moléstia crônica que deixou o seu rosto cinzento, mas agora apanhou influenza que apagou a vida dele. Antes de fechar os olhos para sempre, despedira-se de cada um individualmente expressando a esperança de um novo encontro no céu.
Hoje acompanhamo-lo para o local do descanso final. Frischenbruder falou palavras de consolação, mas todos os presentes verteram lágrimas de saudades por aquele que partiu.

A PREOCUPAÇÃO DO MEU PAI

Ele me escreveu que falou com o Escrivão público para ver se conseguia uma Certidão da minha idade, que seria elaborada como se eu tivesse nascido no Brasil e assim garantir o meu Passaporte para minha viagem para a América. Foi feliz nesta tentativa e a Certidão da Minha Idade e a minha carta onde eu expressava a minha vontade de viajar, ele mandara para o Balkit, ficando estabelecida à data de 26 de outubro, mas não tenho certeza de que vou conseguir me preparar até lá; se não – terei de viajar em 1924, por que nesta data parte o determinado navio da Companhia em que vou viajar.
A Mely Zelma também escreveu uma carta de São Paulo dizendo que está trabalhando na casa de patrões alemães, servindo à mesa. Ela goza muita liberdade e ganha 70$000 por mês.

O PEQUENO EUGENIO SALIT

Tudo parecia correr muito bem; toda manhã o Eduardo e Clara vinham para a Escola, sempre alegres e as suas presenças me traziam algo muito querido ansiosamente esperado. Mas hoje é sexta feira. O tempo está desagradável, mas assim mesmo a aula na Escola foi iniciada. Aguardo apreensivo a chegada deles, mas eles não vinham… e nada. Hoje acordei muito cedo, de noite havia sonhado com cavaleiros e depois que acordei não consegui mais dormir. Pensei, alguma coisa aconteceu a minha mãe… a ausência deles continua. Chega a cavalo o Oscar Karp. O rosto dele está fechado e ele diz sussurrando: “na família do Salit morreu o caçula”.
Um calafrio percorreu o meu corpo todo; ainda fiz algumas perguntas, então ele contou que, na véspera, o menino tivera muita saúde. Comecei a imaginar o que teria acontecido, então o Karp acrescentou que o menino havia jantado com muito apetite, mas de noite perdera o fôlego. Tentaram salvá-lo de toda maneira a despeito disto ficou sem fala, assim o Criador havia decidido de outra maneira. Ao raiar o dia o pequeno anjo partiu e os seus pais e irmãos ficaram chorando inconsolavelmente.
O Karp tinha vindo especialmente trazer um pedido dos pais para eu presidir a despedida nos funerais; eu entendi esta dor por que sentia tanto a morte dele como se fosse a de um irmão meu.
Como é cruel o destino, ainda no dia 29 de agosto à tarde nos festejos da colheita o Salit disse: “No próximo ano nós esperamos todo o bem, mas se Deus resolver ao contrário, seja feita a sua vontade”, enquanto o pequenino estava deitado no colo de sua mãe e de fato, Deus tinha outro plano para este pequeno garotinho.
Certa ocasião, numa visita que fiz na casa do Karp, observei a Clara carregando o pequeno menino. Em outra feita o pai dele o chamou de “soldadinho” e acrescentou que ele era um filho muito corajoso.
Durma sossegado o sono eterno, oh pequeno herói.

OS FUNERAIS NO DOMINGO

Sopra um vento frio. Escuras nuvens perambulam pelo céu. Nos elevados cumes da Serra do mar certamente está nevando. Estruturei a fala da despedida cujo tema foi a “fragilidade da vida”, enquanto pensava, o meu coração estava triste e as lágrimas desciam espontaneamente.
Às 3 horas da tarde, compareci na casa do Salit onde já estavam reunidas as pessoas da comunidade. Entro na sala e encontro o Salit em pé, encostado em um umbral da porta com a cabeça pendente apoiada nas mãos. Ele está pálido e chora. A mãe do menino amparada no meio de outras mulheres chora se lamentando em voz baixa.
Um caixãozinho branco está colocado no canto da sala e no seu interior dorme o pequeno Eugenio cuja alma já partiu deste mundo. As faces gordinhas, o rostinho redondo; as mãozinhas cruzadas sobre o peitinho, fortes e bem torneadas deixaram de brincar; os lábios ainda rosados; os olhinhos semicerrados; os cabelinhos dourados ainda cobrem a testa alva e resoluta.
Entramos em outra sala a Clara faz um ramo de rosas. Quanta fragilidade cerca a vida humana. O fotógrafo ainda retrata o pequeno viajante na sua despedida. Em seguida falo uma pequena despedida, enquanto todos choram solidários com os pais e irmãos, que com muito custo consentiram o cortejo fúnebre. O Salit caminhava debilitado e tão desesperado disse: “Tudo isto para nós foi como um sonho; todos nós éramos tão saudáveis e por isto ninguém esperava esta separação tão repentina… ele era tão querido correndo no nosso meio que a sua figura havia se tornado imprescindível”.
A mãe, a cavalo, acompanha a marcha e chora em voz alta. No cemitério depois de uma pequena cerimônia com mensagem de consolação e o cântico de vários hinos que fazem parte do ritual fúnebre dos Batistas que acreditam na imortalidade da alma, mais uma vez olhamos o que sobrou deste menino e cuja alma subiu ao céu como se fosse um anjo. No ato da última separação, os pais ainda seguram as mãozinhas inertes, enquanto os irmãos acariciam a testa num gesto de despedida, porque um crente não morre; ele parte primeiro para nos esperar no Céu, embora a dor da despedida seja cruel e ao som do hino “Adeus, Adeus”, deitamos a pequena urna no seio da terra. Pouco tempo depois sobre a sepultura havia um montinho sobre o qual colocamos flores.
Escurece, a noite vem chegando, o vento sussurra e o coração está tão triste, mas permanece a fé na esperança que algum dia, todo nós, estaremos juntos lá no alto.
E você estava tão linda… Os teus cabelos castanhos escuros cobriam a nuca. Dentro da sua vestimenta preta com uma gola branca, quanto, quanto você estava bonita. Tu és um anjo que veio do além que está andando aqui entre nós… tu não és uma mocinha… para mim tu és sagrada e o teu ser indescritível me arrebata com estes olhos tristes cheios de lágrimas – tudo isto impressionou os meus sentidos que também me faziam chorar.
Chegando em casa, depois do jantar, li o poema de Sanmartins “As primeiras saudades” e nesta hora estava desejando que a minha mãe estivesse aqui, pertinho de mim, assim eu contaria para ela toda esta minha frustração, com a minha testa quente encostada no seu peito e ela, solidária, me indicaria o remédio que me curasse.

11 DE AGOSTO DE 1923

Nunca dantes havia imaginado que os Rionevenses me tinham tanta dedicação; jamais uma tal prova de simpatia. Souberam a data do meu aniversário.
À tarde intercalei o estudo da literatura dos EUA com a leitura do poema de Longfelow intitulado “Evangeline”; poesia que retrata a vida com tanta beleza e depois, a sua rápida destruição que emocionou. Fui dormir cedo me lembrando que no dia seguinte teria de acordar mais cedo para corrigir os cadernos dos meus alunos. Deitado na cama na hora de conciliar o sono, meio sonhando soltei o pensamento, quando escuto passos lá fora. Tive a impressão que os bovinos do vizinho haviam rompido a cerca e agora teria de levantar-me para enxotá-los.
Mas de improviso, tão repentino como se fosse o estouro de uma “schrapnell”, foi interrompido o silêncio da noite com um ataque de uma Banda de Música tocando uma marcha e chegou aos meus ouvidos uma melodia arrebatadora. Eu acompanhava no meu pensamento cada nota e cada harmonia, desta música e absorvida por ela, continuava deitado cismando: “Tomara que eles continuassem a tocar em frente da minha janela para toda a eternidade”. Finalmente levantei porque o dever social assim me obrigou a vestir-me para receber os companheiros músicos e aqueles outros que os acompanharam.
Acendi a lâmpada de querosene, abro a porta e vou para o pátio onde muita gente está me esperando. Os músicos terminaram a Serenata e os alunos da minha escola foram os primeiros que vieram me cumprimentar, depois recebo o abraço de todos individualmente.
Trouxeram para me alegrar bolos, flores e outros presentes. Peço a todos que entrem na minha humilde casa.
Aceso o lume do fogão da cozinha para ferver a água e fazer o café. Os músicos tocam outra vez postados em torno da mesa, depois na melhor tradição Batista Leta formamos um grupo e começamos a cantar. Coado o café foi logo despejado em xícaras para degustado, animar as conversas. Encontrei com Elvira Stroberg, que sendo parente de Karp, veio de Varpa para uma visita. Fiz-lhe muitas perguntas sobre a Rússia onde ela estivera vivendo o tempo todo antes de vir para o Brasil. É uma senhora prudente e muito instruída.
Depois da meia noite a festa terminou e os meus amigos se despediram. Eu me senti enaltecido e muito agradecido a esta gente pelo trabalho que tiveram para demonstrar esta simpatia e o Julinho e eu, durante a semana inteira, tínhamos guloseimas para degustar.

O MEU IRMÃOZINHO

Desde o primeiro encontro que eu tive com o Julinho fiquei convencido de que ele andava doente; mas pensei que poderia ser o “mal da terra”. Ele tomou os remédios e não melhorou. Comíamos bem, fazíamos ginásticas, banhávamo-nos no rio e apesar disto continuava pálido, esquecido, doente, mirrado, franco. Então comecei a imaginar que ele era “onanista”, mas esta suposição eu escondi por que pensava: “mas se ele é inocente então isto vai alterar a sua personalidade”. Comecei insistindo sobre os maus hábitos; primeiro falei sobre a embriaguez alcoólica, depois, em outra ocasião, sobre a dependência do cigarro; mais tarde adverti sobre o uso de drogas – o ópio e os seus derivados e por fim disse que os meninos ainda podiam praticar um vício ainda mais terrível que era o “onanismo”. Perguntei: “você toca nos órgãos sexuais”? e ele respondeu “sim” e caiu no pranto. Com voz enérgica perguntei: “quem te ensinou esta anormalidade”? e ele respondeu “ninguém”. “Desde quando você adquiriu este vício”? resposta: “Desde a Linha Telegráfica”. Então ele prometeu que iria se corrigir. Ainda lhe falei que para deixar este mau comportamento, de uma só vez, ele deveria ter muita determinação e força de vontade para conseguir êxito. Expliquei as consequências desta prática e como ele deveria se comportar para vencer o vício.
Depois de algumas semanas o menino outra vez acordou com os olhos empapuçados e eu ralhei com ele. Novamente ele prometeu chorando que não iria incidir no erro. Para completar o esclarecimento resolvi falar tudo sobre o ciclo de procriação embora ele somente tivesse 7 anos de idade e principalmente sobre as relações sexuais entre o homem e a mulher.
Fiz tudo que estava no meu alcance para lhe mostrar as consequências terríveis do onanismo. O Julio então melhorou sensivelmente, ficou mais alegre e bem disposto, mas não passou muito tempo que ele novamente escorregou. Outra vez com firmeza falei com ele que ficou muito triste e confessou que havia praticado esta anormalidade 3 vezes. Como é difícil lutar contra os maus costumes?
O Julinho descrito neste parágrafo sou eu, o tradutor destas linhas, agora com 72 anos de idade e sou irmão caçula do diarista. O Emílio, igual ao meu pai Carlos, eram dominados por conclusões muito radicais e se cingiam ao aspecto unilateral das coisas. A verdadeira causa da minha fragilidade na infância apareceu em 1928 em Vara. Lá os Letões tinham o hábito de comer sementes de abóbora assadas no forno que depois descascavam e consumiam gulosamente. Também eu participei desta dieta e no dia seguinte, ao satisfazer as minhas necessidades fisiológicas eu senti como se os meus intestinos estivessem saindo. Ao me virar vejo um monte de uma fita branca, picotada. Ao chegar em casa contei o acontecido ao meu tio Abolim que era o farmacêutico do local e prestava os primeiros socorros aos Colonos de Varpa e ele me disse que se tratava de uma tênia, ou solitária, que era um verme que se alojava no intestino e poderia ter até 7 metros de comprimento e indagou se eu havia visto a cabeça, a única, que ele possuía. Ao responder que eu não sabia ele me tratou desta parasita como se ele ainda estivesse no seu habitat. Depois me deu fortificantes e fiquei totalmente curado. Não acredito que eu tivesse tocado em qualquer parte do meu corpo mais do que outro menino qualquer, mas para justificar a minha lerdeza foi achar uma causa imaginária.

EU VOU PARTIR

Partirei no momento em que todos estiverem dormindo e reinará o silencio da noite, quando as estrelas estiverem brilhando nos céus… e tu sonharás com elas, mas não comigo por que não saberás que estou partindo do Rio Novo. Não saberás que no meu pensamento levarei a imagem da tua beleza e que tu serás para mim o motivo de muita ansiedade e de milhares de lembranças. Tu não saberás que vou embora por tua causa e não terás percebido que o teu espírito gentil já envolveu o meu coração; não saberás que já inundaste a minha alma com a tua mais elevada simpatia – se eu morrer – não saberás por que nada te contarei, mas levarei comigo toda esta paixão.
Imediatamente não vou conseguir emigrar para os EUA; poderia ainda continuar aqui por mais algum tempo atendendo ao desejo desta coletividade; mas vou embora por que não consigo deixar de te amar. As esperanças que tenho são impossíveis de realizar e as terei de enterrar profundamente na sepultura do esquecimento. Esta situação também está prejudicando a minha saúde, por que não sinto o paladar do alimento, o meu sono é leve e interrupto e creio que já basta deste amor impossível. Vou partir quando tudo estiver em silêncio e a escuridão da noite cobrir os montes de Rio Novo, sem ter tido a coragem de te dizer que te amo.

História de Emílio Andermann – 6ª Parte

História de Emílio Andermann 6ª Parte

M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman

“Leiam também neste mesmo Blog o artigo escrito por Julio Andermann que está em “Crônicas Históricas com o titulo de” Meu pai Carlos Anderman”

Nesta parte o escritor mora em Nova Odessa e tem a oportunidade de conhecer o famoso pastor João Inke e Família.
Nesta parte o autor intercala partes da história da 1ª Guerra Mundial e da formação da Letônia como nação. Apresenta os horrores da ocupação da nação pelas forças comunistas e as barbáries cometidas por eles narradas pelo Pastor Inke.

SEGUNDO CADERNO
NOVA ODESSA – SÃO PAULO

O casamento de Eduardo e Sofia
Há muito tempo o Eduardo Karklis me perguntava desconfiado sobre as

relações deles. Ele ficou admirado por causa da minha ignorância a este

respeito, até que de repente, uma semana atrás, Zenia perguntou a minha

opinião para saber se era aconselhável que a Sofia se unisse com Eduardo
Leeknin.

“Isto será a felicidade dela” eu respondi.
Fiquei muito contente por causa do motivo desta união. Iniciaram-se os preparativos para o dia do casamento; assavam-se bolos, preparava-se comida a base de carne e, por fim como ficou linda aquela festa.
Tive encontro com os meus companheiros e em grupo, nós conversávamos sobre vários assuntos e servíamos estes momentos de companheirismo em toda a plenitude.
Também tiramos fotografias, para ano futuro comemorar este acontecimento.

EM 19-09-1921

Certamente este foi o último domingo no qual eu dirigi o culto na Igreja Batista Leta da Fazenda Velha por que estávamos esperando a breve chegada do Pastor João Inke. Deixarei esta responsabilidade com muita satisfação.
Fui eleito e aceitei esta responsabilidade por que pensava: “Em breve chegará o Pastor João Inke”.
Espero que Deus abençoe este meu trabalho que executei com tanta imperfeição.

JOÃO INKE E A SUA FAMÍLIA (24-09-1921)

Finalmente hoje nós tivemos o prazer de receber esta personalidade que já estávamos aguardando há 10 meses. Jekabson e eu fomos a Campinas ao seu encontro, quando aproveitei a viagem para adquirir livros. Na estação tomamos o mesmo comboio ferro carril a cujo bordo vinham as nossas visitas. Também lá encontrei a minha irmã Lídia e nós dois conversando, nem percebemos a passagem do tempo.
O trem parou em Nova Odessa e na plataforma da estação estavam reunidos muitos letões. Também compareceu a banda musical que tocou a marcha “Riga” tão apreciada pelo nosso ilustre visitante.
Qual a impressão que ele deixou em mim: um homem alto, robusto, com o chapéu na mão, portanto um cavanhaque encanecido; mas com que profundo respeito todos cumprimentavam este visitante que veio da Letônia. O seu filho com 16 anos já tinha uma fisionomia de adulto. A sua senhora e a filha pareciam um pouco gordas.
Depois de uma semana também chegou o seu irmão Ricardo Inke em viagem de férias, pois depois da permanência de uma semana pretendia seguir para a América do Norte.
Para mim este dia deu uma grande alegria em Nova Odessa por que eu admirava este homem e agora o ouvia falar.

A RECEPÇÃO

Depois da Congregação toda já estar reunida na Igreja, entraram os nossos visitantes. Tanto eles, como toda a congregação estava visivelmente emocionada. O Coro cantou um Hino de Saudação. O Strelniek iniciou o culto cumprimentando o Inke e dando as boas vindas em nome da congregação. Depois também as outras uniões da Igreja o saudaram, assim como eu, representando a nossa classe de Estudos Bíblicos.
Ricardo Inke também cumprimentou o irmão com muita humildade. “Eu não sou digno de atar os cordões do seu calçado e em plenitude ele é aquilo que eu sou na insignificância” disse ele e todas as palavras demonstravam sentimentos de todos nós que desejávamos aproximar-nos mais de Deus.
Os dois irmãos viveram juntos na infância – mas com a ida de João para Riga houve a separação.
Finalmente ouvimos o sermão se J. Inke sobre o Tema: “O amor fraternal”.
O culto noturno também foi muito bem frequentado e depois do culto veio aquela outra parte da festa com a mesa posta.

A MINHA FAMÍLIA VIVENDO EM LINHA TELEGRÁFICA

Eu tive um grande prazer de encontrar o velho Gailis, um irmão na fé e um letão respeitável. Nascido em 1846, serviu 3 anos no exército do Tzar e depois foi nomeado escrivão.
Junto com outras 7 famílias imigrara para o Brasil em 1891, um ano depois daqueles que vieram para o Rio Novo e estabeleceram-se em Oratório – depois Ijuí (RS.)
Ele contou que o Rodolfo e a Ida também lá estiveram em visita e eles aderiram ao movimento. Um certo Ozols começou a balbuciar línguas estranhas. Mais tarde ele havia falado que Ricardo e João Inke foram entregues ao satanás para que ele os destruísse, por que eles prejudicaram muito o movimento Pentecostalista: isto mostra que onde houve uma oposição inteligente, eles não conseguiram firmar-se.
O Ozols depois quis publicar notícias nos jornais, mas tendo pouca instrução os escritos dele não foram entendidos pelos redatores que explodiram em gargalhadas.
O velho Gailis diante de tanta confusão resolvera viajar para Rio Branco e Linha Telegráfica para clarear as ideias, aonde chegou em 11-09-1921. Primeiro ele hospedou-se na casa do Graudin com o qual teve uma conversa que o convenceu de que este movimento tinha fundamento na Bíblia.
Depois fora para Linha Telegráfica, que se situava próximo, alguns quilômetros de distância e em lá chegando, encontrou a Ida que o levou para o campo onde todos trabalhavam em mutirão e, ali mesmo apresentou ao Alexandre. Ele então disse: “tarde, tarde demais e etc”.
Em seguida procurou o Rodolfo que o acusou de pertencer à “grande multidão”, mas para ele ficar por lá mesmo. Durante a reunião da Congregação tivera de ficar do lado de fora da fila e da roda e que em situação idêntica, estavam o velho Straus, Ricardo e uma menina.

ALIMENTAÇÃO – eles viviam em coletividade nos moldes do que está escrito nos Atos dos Apóstolos. O desjejum era servido depois do culto matinal; mas o almoço depois do culto e o jantar servido antes do culto noturno. As vinte pessoas presentes faziam a refeição em uma única mesa, a louça e os talheres eram em quantidade insuficiente.

AOS DOMINGOS – jejum – apenas pão com água que todos quebravam com a mão tirando um naco de uma só unidade e a água era bebida de uma só caneca que passavam de mãos em mãos, em torno da mesa de refeições, isto para simular que cada um per si havia arrancado um pedaço do corpo de Cristo e também tomado o seu sangue.

REUNIÕES – o primeiro culto era realizado ainda de madrugada à luz de lampião de querosene, era tranquilo; depois do almoço mais uma reunião com aqueles excessos de dança alucinada. A Ida, o Rodolfo e o Alexandre que eram os profetas, receberam uma ordem espiritual de que deveriam usar túnicas brancas como o fizeram os Apóstolos na antiguidade e para isto já haviam comprado o pano.
TRABALHO – as meninas plantavam arroz; o meu pai limpava um terreno com a foice; o meu irmão Teófilo foi encarregado de cortar o capim e alimentar os animais. O Rodolfo trabalhava fazendo qualquer coisa em casa. Na pocilga havia ainda 3 leitões que ainda poderiam ser consumidos, mas depois a sua criação estava proibida.
Quando Gailis finalmente expressou a sua vontade de viajar para São Paulo em visita ao filho, não quiseram deixar, mas a última palavra era do Rodolfo: “se quiser ir, pode, mas depois não volte mais”, ele sentenciou.
As pessoas afundam no abismo da ignorância, longe do entendimento, distante dos ensinamentos de Deus e a verificação deste fato é a causa da minha dor, dos meus lamentos, dos meus suspiros por que parte deles era constituída de toda minha família e seria muito mais aceitável ter eu sido “amaldiçoado” ao em vez dos meus irmãos, mas em mim acordam esperanças de que, de alguma maneira, eu os poderei convencer para que voltem ao caminho da verdade.
Então, eu me pergunto, como há de ser aquele momento quando eu lá chegar à Linha Telegráfica em visita; vê-los de novo e com eles falarei. Será que terei ânimo para conter as lágrimas – ao contrário do que já me tem acontecido muitas vezes.
Deus que conhece todas as coisas que acontecem, ajude a mim e a eles.

UM ENCONTRO CORDIAL

Estou me sentindo muito contente e feliz, por que tive um encontro com o meu irmão na fé e companheiro, o jovem Inke, que veio em companhia do pai. Hoje a noite teria havido um culto, se não tivesse caído chuva tão necessária para os agricultores porque as precipitações, neste ano, não foram suficientes.
Eles chegaram a pé quando a chuva começou porque o abrigo aqui em casa era mais próximo que o da Igreja. Por causa disto eles junto com o Jekabson chegaram para nos visitar. Esta foi para mim uma surpresa agradável.
O Inke contou sobre aqueles tempos dos bolcheviques, sobre educação na escola, quando, logo em seguida, chegaram também o Leopoldo, junto com a Emma, Olga e Teófilo. Para não desperdiçar este momento cantamos alguns hinos em conjunto e o João Inke leu aquele versículo do Apocalipse: “Mas eu tenho isto contra ti que desprezaste o primeiro amor”, que ele explicou com grande simplicidade que era baseada na sua fé humilde e convincente.

O FILHO DE NATALIA PETERLEVIZ

Nós fomos fazer uma visita na casa dela, ontem de noite. Lá estavam reunidos muitos convidados e parentes, entre eles encontramos o jovem Inke que nos contou a respeito dos desvios espirituais errados; falando da intransigência daquela gente baseada no orgulho por se sentirem donos da verdade.
Mas a parte mais interessante foi à reunião; um culto que foi dirigido pelo velho Inke quando então nós sentimos a presença de Deus através das nossas orações. Mas em vez de sermão tivemos palestras de esclarecimento que também são necessárias por que provocam perguntas para serem esclarecidas.
Todas estas atividades convencem que o Inke é profundamente devotado à causa de Deus e a sua atuação tem sido muito abençoada. Nada ele quer fazer de sua própria iniciativa, mas espera a inspiração divina. As suas falas não contem hipocrisia e sempre são fundamentadas nos ensinamentos da Bíblia. Ele espera em tudo que faz a orientação Divina e se esforça para também a nós ensinar este caminho.
Admitimos na União da Mocidade o jovem Inke e a Emma Inke, Olga, J. Jekabson e A Peterlevic.
Recebi a carta de uma amiga minha chamada Emma, onde ela escreve que está cuidando do seu pai doente. Já há mais de um mês ela está à cabeceira do leito do seu pai e triste, chorando está aguardando o futuro. Mas no fim da leitura percebe-se uma profunda confiança em Deus quando ela testemunha: “Serei feliz sob a proteção de Deus”.

EM 12/10/1921

No culto noturno o Inke continuou a sua narrativa sobre a Grande Guerra Mundial. Aqui transcrevo um pequeno resumo sobre estes acontecimentos: “com esta narrativa não desejo apenas satisfazer a vossa curiosidade, mas desejava, também através desta vivência mostrar um vários episódios, a época em que vivemos”.
Como um marinheiro orienta o seu rumo pela posição do sol assim nós devemos orientar-nos pelas profecias escritas na Bíblia. Para facilitar vou dividir este tema em cinco partes:
I – que vou deixar para explicar em outra ocasião
II – o período Kerenski
III – o período da ocupação alemã
IV – o período dos bolcheviques e o renascimento espiritual
V – a República da Letônia

I PARTE

Em 1916 o outono foi muito difícil para os Batistas na Rússia. A nosso respeito foram espalhadas notícias falsas de que nós éramos amigos dos alemães e por causa disto, perigosos, etc. ignorando a nossa atividade e os esforços que realizamos apoiando as Forças Armadas Russas com a mobilização dos Batistas, em grande número, que lutavam na Linha de Frente. Muitos Batistas foram presos, os templos de oração fechados e proibidas as reuniões. O líder da Confederação Batista, J. A. Frey foi deportado para a Sibéria. Eu mesmo com uso de passaporte antigo me refugiei em Novogorod na Rússia.
Na primavera fui convidado para trabalhar como Pastor dos retirantes e assim viajei visitando os correligionários Batistas espalhados pela zona de conflito, fazendo um trabalho pessoal porque as reuniões continuavam proibidas.
Foi naquela época que um lavrador siberiano, beberão e malandro de nome Rasputin, lentamente conseguiu exercer a sua influência sobre as pessoas mais importantes conseguindo penetrar na Corte e ser nomeado Staretz; sacerdotes que na Rússia antiga ensinavam o temor a Deus e vigiar a prática dos bons costumes.
Na Corte do Tzar da Rússia reinava o desespero, tanto por causa dos insucessos na guerra, como por causa do Príncipe Herdeiro que era de uma constituição muito débil e havia fraturado a coluna e o tal do Rasputin conseguiu impressionar a Corte e se tornou amigo íntimo da Tzarina.
Ele conseguiu aprender a comer com talheres, mas auxiliados pelos dedos. Numa certa ocasião uma dama da corte, depois da refeição, lambeu-lhe dos dedos toda a gordura agarrada pelo manuseio do alimento. Deste detalhe se conclui a que ponto havia chegado à aristocracia na Rússia.
A Guerra já havia causado tantas baixas nas fileiras do exército que para substituí-los, já estavam convocando soldados com menos de 19 anos e mais de 45; então os povoados ficaram vazios de homens e o trabalho pesado tinha de ser executado pelas mulheres.

Quando desconfiavam do surgimento de qualquer ideia de liberdade nas fileiras do exército então era adotado um regime de violência insuportável e foi assim que começou a convulsão.
Nós tínhamos tanto ódio contra esta Rússia antiga e até desejávamos que ela fosse vencida pelos alemães.
No início de 1917 o Rasputin foi assassinado enquanto estava bêbado. Em São Petersburgo começaram a realizar reuniões de protesto até no meio da rua tolerados por causa de um tratado assinado com os aliados, mas quando perceberam que este movimento socialista já estava indo muito longe, então o Governo mandou os Kossakos para dispersar as multidões. No entanto eles não obedeceram às ordens, foram aplaudidos pelo público como amigos. Depois mandaram os “gordavajos” (polícia civil) e agora estes eram impedidos de agir pelos Kossakos, que não permitiram o massacre da multidão desarmada. Então resolveram uniformizar a policia civil, mas sem resultado por que já era tarde.
Consequentemente os amotinados soltaram todos os presos e atearam fogo nas prisões provocando grandes incêndios e as multidões corriam pelas ruas sem qualquer destino.
Eu observei tudo isto em pé sobre uma calçada e fiquei estupefato assistindo este espetáculo e vi como fugiam os guardas como sinal de que todo este sistema antigo tinha desmoronado.
Recentemente o Tzar tinha ido visitar a linha de frente, mas na volta não foi recebido, e quando regressou não o deixaram entrar em São Petersburgo, então o último recurso foi procurar refugio no meio do Exército na linha de frente onde não foi aceito sob a alegação que os nobres da comitiva estavam embriagados. Com urgência mandaram uma Comissão do Congresso ao seu encontro que o obrigou a assinar a carta de renúncia do Trono na intenção de mandá-lo para a Inglaterra onde ele tinha parente, mas não houve tempo para isto por que através de um outro ato foi assinada a nomeação de Kerensky como Chefe do Governo Provisório.

II – O PERÍODO KERENSKI

Ele tinha a formação de socialista moderado e desejava dar a liberdade para todo o povo do Império Russo; para as Forças Armadas e até anistiar os prisioneiros – ocasião na qual J. A. Frey retornou da Sibéria.
O seu governo teve o propósito de convencer o povo com argumentação e não reprimi-lo com o rigor da lei. Desejava continuar a Guerra e para isto ele próprio visitou a linha de frente onde tentou influenciar as tropas com os seus discursos inflamados.
Mas neste ínterim ressuscitou aquela cobiça de liberdade que foi animada pelos espiões alemães e em toda à parte, todos de uma só voz, passaram a exigir o fim da guerra.
Chegou, atravessando a Alemanha de trem, Lenine que iniciou aquela política evasiva, apoiada pelos rublos de ouro que caíram nas suas mãos e daquelas exclamações: “paz e pão” que nos ouvidos da população soavam muito mais agradáveis do que aquele ideal e Kerensky.
Então como participante destes fatos históricos assisti a uma terrível ilusão, por que a ideia da liberdade desvaneceu quando verificaram que não era bem isto que todos queriam. A multidão havia agarrado 3 guardas, que amedrontados suplicavam pelas suas vidas pedindo misericórdia, apelando que tinham mulheres e filhos que com a sua morte ficariam desamparados; mas nada disto adiantou por que os seus crânios foram esmagados a custa de pauladas e pedradas, sendo que um deles tinha cabeça muito dura que resistiu ao massacre, este então foi sangrado a espada.
Em outro local um “prestavo” estava passeando com a família quando foi reconhecido e preso. “Ele deve morrer de pancada” gritava a multidão. Então toda a família se ajoelhou perante os algozes pedindo pelo amor de Deus que a vida dele fosse poupada, mas nada disto adiantou, por que os malfeitores arrebentaram a cabeça dele. A mulher do policial apavorada procurou uma fenda de gelo no rio e nele atirou os filhos suicidando-se em seguida por afogamento.

Numa noite arrombaram a casa de um guarda e o assassinaram. A sua jovem esposa então em desespero vestiu os trajes nupciais do casamento ainda recente, tomou veneno e morreu ao lado do marido. Então o povo viu aquele quadro pungente vendo o resultado da própria loucura.
Na minha função de Pastor visitei os cemitérios para ver se identificava algum desaparecido, então vi filas de guardas mortos por esmagamento de crânio e também, outros carbonizados pelo crime de serem guardas penitenciários, pois quando soltavam os prisioneiros, os prendiam nas celas e atearam fogo na penitenciária.
Voltei para a Riga com a minha identificação vermelha, mas a minha esposa não me recebeu com aquele calor que estava esperando. Perguntei pelo motivo, e assim soube de uma manifestação que aconteceu quando moças ainda meninas apanharam um menino Israelita que fora obrigado a gritar: “viva a liberdade” contra a sua vontade e a dos seus pais; então passei a temer aquelas manifestações de liberdade com receio de ser humilhado. Este último acontecimento encheu de vergonha todo o povo de Riga.
Ato contínuo, a Riga foi ocupada pelos alemães. Os meus filhos ficaram retidos em Vidzeme, onde foram a passeio, longe de nós.

A COMPARAÇÃO DE JOÃO INKE COM SAVANAROLA

Com muito interesse eu li a história da vida de Savanarola, na qual, ficaram inscritas com letras de ouro, para sempre.
O João Inke também conseguiu quebrar a dureza dos corações de milhares de pessoas cheias de maldade e agora que ouço as palavras dele, examino a sua obra escrita, a sua maneira de ser, então com alegria tenho vontade de proclamar: “Ele é igual à Savanarola”. Através da sua atividade se espalhou o mesmo avivamento, por que ele maneja a espada do espírito. A sua pregação não é uma filosofia formal, mas é baseada nos ensinamentos de Cristo e deste modo ele se distingue entre os outros famosos comentaristas.
Ele espera tudo de Deus. Fala de improviso sem consultar qualquer anotação, usando as palavras que Deus lhe inspira na mente através do Espírito Santo. Alegra-me muito o fato de descobrir que ainda existem homens que combatem e vencem a incredulidade de hoje em dia.
Honra e glória a Deus seja dada.

OS LIVROS ESCOLARES

Por muito tempo eu sofri por causa da falta de livros. Quando recebi o dinheiro do Alberto, então comecei a pensar em adquiri-los e para suprir esta falta gastei 50$000 (cinquenta mil reis). Tive sorte em descobrir um “Sebo”, onde consegui livros de estudo bons, de baixo custo, e assim ficou satisfeito esta minha carência.

MINHA VIDA EM 18/10/1921

Há muito tempo não tenho abordado este tema que tive de postergar por falta de tempo disponível.
Hoje chuvisca. Caem pequenas gotas sobre a terra, umedecendo as plantações, que durante este tempo, este prolongado inverno, sofreram secas. Este prolongado tempo de estiagem durou até a entrada da primavera e atrasou a atividade na agricultura. Agora no verão, quando chegou o calor abafado é que aumentou a precipitação.
Toda a primavera trabalhei na preparação da terra, cortando arbustos, arando. Isto feito com a enxada eu abro pequenas covas nas quais o Rodolfo joga sementes, tarefa que vamos terminar hoje. Na outra metade deste terreno já havia sido plantando o milho que já está com um palmo de altura quando ainda nascerão estes dentro de algumas semanas.
Na escola tudo corre normalmente. Com grande entusiasmo estamos estudando matérias escolares e preparando-nos para os exames. Na álgebra nós estamos nas equações com duas incógnitas. Nesta semana não haverá aula, o professor está exausto. Ele sente dores em uma vista e na cabeça; o médico recomendou para que ele diminuísse o ritmo de trabalho.
Nos estudos escolares eu já estou adiantado em muitas lições na frente dos outros alunos. Também estou estudando Latim, Francês e Alemão, mas me aprofundei mais na geometria e no estudo da gramática. Estudo diligentemente com o máximo prazer, pois estou aproveitando qualquer tempo disponível para adquirir mais conhecimento e me entristece profundamente o fato de que desperdicei a minha infância por não ter tido acesso a escola, pois estaria muito mais longe se tivesse iniciado os meus estudos com a idade de 10 anos.

PRIMAVERA

Depois da chuva a natureza ganhou vida. As plantações acordaram e surgem da terra os pequenos brotinhos. De repente como tudo está mudado por que o triste aspecto de terra seca ficou coberto com um manto verdejante, reanimando a vida de todas as criaturas. Os laranjais florescem e as suas árvores parecem buquês de noiva, tornando formosa toda a natureza.

EM 15/09/1921
Casou o Carlos Karklis com Edvige Indrikson

EM 26/09/1921
Faleceu o velho Burmeister vitimado por uma pneumonia.

A MINHA IRMÃ LIDIA

Recebi dela uma carta que ela inicia: “Mais uma vez mando notícias sobre a minha vida amarga”. Ela tem uma vida dura trabalhando como empregada da senhora Ingram por que além de trabalhar estuda, além disto, o seu coração está oprimido por causa de um e outro mal entendido pelos Novaodessenses.
Às vezes de tanto cansaço perde a coragem e até tem vontade de fugir e sente muito o estado de pobreza em que se encontra. Os dentes estavam cariados sem a possibilidade de frequentar um dentista, somente agora ela contratou os serviços de um por 160$000 (cento e sessenta mil reis).
De boa vontade ela gostaria de viajar comigo de volta para Santa Catarina. Como é difícil estudar nestas condições.

PALESTRA DE JOÃO INKE
O AVIVAMENTO ESPIRITUAL NA LETÔNIA

A respeito do avivamento espiritual havido na Letônia, depois da Grande Guerra, nós pensávamos ora com crítica, ora com benevolência. Aqui chegamos a pensar que se tratava de um “fluxo de sentimentos” que como um tornado leva para os ares aqueles que não têm peso, não são firmes na sua fé para ficar com os pés na terra; estes voam, mas depois de certo tempo, são outra vez colocados no chão.
De início, também o Inke disse ter pensado muito sobre o assunto. Estudou profundamente o assunto à luz das Escrituras, mas ele não era daqueles que precipitadamente se jogam de cabeça em águas rasas.
Agora ele está alegre por causa desta mudança de rumo, por que as cartas que ele está recebendo da Letônia fortalecem a convicção de que Deus está conduzindo este despertamento.
Eles já há muito tempo tiveram notícias sobre o movimento espiritualista na Inglaterra, na Alemanha e outros países da Europa. Antigamente eles até lutaram contra este movimento, enquanto ele surgiu, espontaneamente, lá mesmo na Letônia, sem qualquer influencia estrangeira.
Inicialmente ele surgiu na localidade de Siberes e Laikalas junto da fronteira com a Polônia, onde havia pontos de pregação missionária sob a direção de Otto Weber. Ele havia sido batizado há 10 anos atrás, trabalhava ativamente como Professor da Escola Dominical e na evangelização de rua.
Quando o João Inke visitara aquelas localidades, ele perguntou ao Otto Weber se ele não desejaria assumir o pastorado destas Igrejas Batistas. Ele aceitara o convite e trabalhara ativamente provendo o seu próprio sustento.

No mês de agosto de 1918 aquelas Congregações haviam sido santificadas recebendo aquele poder do alto. O Inke continuava separado da família por causa da ocupação do País pelos alemães. Um colportor de denominação Luterana que passara por lá foi o primeiro a dar notícias transmitidas com surpresa e o Inke ficou admirado de como aquela gente sob a direção de Otto Weber chegou a ir tão longe, mas não notara nenhuma maldade na notícia transmitida.
Em seguida recebera uma carta pessoal de Otto Weber que confirmou aquela notícia. Finalmente o próprio Otto Weber procurou Inke pessoalmente e depois de muitos dias de discussão sobre o assunto, ele se convenceu e considerou este movimento idôneo.
Já antes da Grande Guerra o Pastor Inke havia notado a falta de entusiasmo, o esvaziamento espiritual; todos os membros procuravam adquirir riquezas materiais.
A mocidade procurava o luxo e a vida particular de alguns pastores saiu da austeridade prometida no juramento; mencionado os nomes de Kragis, Sermelis, Buceris como exemplo.
Os cultos eram bem assistidos, mas formalmente, sem entusiasmo; mas o período de guerra riscou todas estas situações da existência. O João Inke e outros pequenos grupos lutaram com insistência e alcançaram a misericórdia, por que as grandes reuniões nos templos continuaram a ser proibida.
Com o tempo quando veio uma ordem permitindo a abertura dos templos; ele convocara o Conselho da Congregação e confessou o avivamento e a mudança do rumo doutrinário de sua convicção e até admitiu a possibilidade de se afastar do cargo por esta razão; mas os Conselheiros reconheceram que a sua explicação tinha fundamento na Bíblia.
Também a Congregação havia entendido esta situação, desta resolução; houve um avivamento, reuniões cheias de bênçãos, os corações empedernidos foram convertidos e abençoados.
Este avivamento havia alcançado todas as Congregações Batistas de Vidzeme e depois também de Kurzeme. De todos os lugares chegavam pessoas para mitigar a sede espiritual nesta correnteza; purificavam-se e se consagravam a Deus.

CONTINUAÇÃO DE 12/10/1921

As Forças Armadas da Alemanha e da Rússia, por muito tempo permaneceram estagnadas esperando uma decisão final.
Não acontecia nenhum ataque bélico dos Alemães e parecia que eles estavam esperando que melhorassem as condições da vida em Kurzeme, para então ocupar o território.
Os exércitos permaneceram inativos e em consequência disto lentamente ia se extinguindo o ódio. As duas Forças inimigas iniciaram um período de amizade e congraçamento e até parecia que o Reino de Paz tivesse descido sobre o Campo da Morte.
Os soldados Russos, em pequenos grupos iam visitar os alemães para obterem um “shnaps” de boa qualidade por que não recebiam mais suprimento de “wodka”, por falta desta bebida própria para o consumo humano, eles bebiam até o álcool envenenado, mas nas linhas alemãs havia até conhaque disponível.
Os soldados alemães pagavam estas visitas de cortesia visitando os Russos, mandando oficiais, como o uniforme de praças, para aproveitar o ensejo de espionar a verdadeira situação bélica do inimigo e espalhar boatos.
Num belo dia, inesperadamente, os Russos recuaram abandonando o terreno que defendiam e a principal causa desta ação foi a monotonia aborrecida da tropa estagnada em frente do inimigo sem atividade.
Foram explodidas as pontes e incendiadas os suprimentos bélicos e o bairro de Dinaburgo em Riga foi bombardeado pelos aviões dos retirantes e a artilharia que antes fora por eles ocupado. Aconteceram assaltos e roubos iniciados pelos Russos que fugindo queriam levar qualquer coisa.
No dia seguinte estas posições foram ocupadas pelo orgulhoso Exército Alemão. As tropas deles eram robustas e bem alimentadas; mas os habitantes locais estavam passando fome, apesar dos alemães permitirem a venda do pão e ofereciam, uma vez por dia, uma sopa de centeio feita com farinha velha, sem qualquer acompanhamento.

Construíram em torno de Riga uma cerca eletrificada e ninguém teve a permissão para deixar a cidade. Não havia nada para comprar. Muitos morreram de fome que os alemães apelidaram de “morte provocada pela debilidade da idade”. Muitos perambulavam pálidos e intumescido pela fome. A hora de recolher era às 6 horas da tarde e depois era proibido sair de casa.
Cerca de duas semanas depois da ocupação chegou em visita o kaiser Alemão, acompanhado do príncipe da Bavária (as tropas de ocupação eram Bávaras). J. A Frey chegou em Riga voltando do confinamento em Sibéria e quase foi atingido por uma granada que explodiu por perto no momento que ele estava abrindo a porta e foi jogado para dentro da casa pelo deslocamento do ar, mas sem sofrer qualquer ferimento.


NOVEMBRO DE 1921

Neste verão está muito quente. O sol brilhou, o ar está abafado a ponto de dificultar a respiração. O pensamento está embotado e o corpo cansado parece que foi cozinhado. Nem de noite dormindo a situação melhora e parece que a atmosfera está mais quente ainda.
O estudo ficou difícil, os trabalhos na lavoura estão parados e aproveitamos o estio para capinar o arroz. Estou tendo dificuldade de assimilar as matérias do currículo escolar e por isto tomei algumas aulas particulares para estudar o idioma francês ministradas por João Karklis. Todo o tempo de que disponho eu emprego no estudo dos deveres escolares e, também para escrever este diário.
A Lídia escreveu uma carta mais alegre que muito me animou.

O NOVO GOVERNO LETÃO

Antes da instalação do Governo Provisório, poucas pessoas acreditavam que seria proclamada a República Independente.
A União dos lavradores, aos sussurros estava conspirando e já estava em entendimento com os alemães. No entanto ainda reinava o duro regime deles. Havia soldados alemães por toda parte tomando conta da ordem auxiliada pela Força Pública, mas que proibiam qualquer atividade.
Muitos consideravam este ideal de independência apenas um sonho. Repentinamente foram distribuídos convites para que todos comparecessem ao Teatro Russo, onde seria proclamada a Independência da Letônia. Na reunião de público numeroso foram ouvidos vários oradores e assim foi fundada a República da Letônia.
Elegeram Ulmanis e Cakste como Líderes do Governo Provisório, mas eles não dispunham de Forças Armadas, nem armamentos. Os cidadãos mais proeminentes não se manifestavam por precaução. O Exército Alemão estudou este procedimento durante uma semana e depois, em 26 de novembro entregou as rédeas do Governo à Junta Provisória, em forma de uma notificação.
Esta ordem constava de 2 itens:
1º. O Governo Provisório, sob o comando do General Salit convocaria um Contingente de 6 Batalhões, que foi realizado aceitando voluntários de todas as regiões do País, mas, inexperientes e sem qualquer treinamento militar, quando foram mandados lutar contra os bolchevistas, alguns se acovardaram, alegando que não combateriam compatriotas, se rebelaram contra os oficiais ferindo alguns deles. Atendendo ao apelo do Governo, alguns cruzadores ingleses que estavam no Porto de Riga, bombardearam o quartel amotinado obrigando a rendição, o que é compreensível, pois o bando de adolescentes não estava preparado para entrar em combate.
2º. Seriam respeitados os direitos da minoria étnica alemã radicada na Letônia.

Em 3 de janeiro os bolchevistas ocuparam Riga e o Governo teve de fugir, recuar, para Leipaja levando junto os oficiais e os comandantes.

NOVA ODESSA – 4 DE NOVEMBRO DE 1921 – 5ª FEIRA

Houve uma reunião de liderança da Igreja e pela primeira vez fui convidado a participar, no meio de irmãos mais idosos.
Compareceu toda a Diretoria chegando um depois do outro. Acredito que todos nós desfrutamos desta comunhão de irmandade e do amor fraternal. Expressando o meu sentimento eu diria que me sentia alegre e fortalecido.
O nosso primeiro assunto foi o exame da proposta do Jankevitz que pedia apoio para os Russos em geral, alegando que havia terminado a Guerra e eles estavam na miséria, além do que lá existia seca. O Inke não prometeu nenhuma providência por que não queria envolver-se com incrédulos.
Então veio o pedido a respeito do Sprogis que estava acamado por doença. Para este caso seria aberta uma subscrição voluntária em dinheiro e convocado um mutirão para cuidar da lavoura. Depois do Jankevitz sair, foi criticado por falta de discernimento ele não entendeu que nós não poderíamos confraternizar com os comunistas.
Depois eu falei sobre os acontecimentos da Linha Telegráfica e o João Inke chegou a conclusão que eles receberam as bênçãos; mas faltou liderança dizendo que não tinham tomado alguma atitude e colocou a culpa no meu pai a quem faltara a firmeza na “coluna vertebral”, permitindo que os jovens, por este motivo, afundassem numa situação errada.

OS COMUNISTAS NA LETONIA – J. INKE

No período a partir de julho de 1915 até agosto de 1917 os comunistas não se manifestaram, por que havia um tratado de Paz com os aliados, na qual havia uma cláusula que proibia a mudança do regime com violência e a desocupação da Letônia tinha de ser realizada com tranquilidade política.
O novo Governo havia sido fundado em 18 de novembro de 1918 tendo uma Força Militar de apenas 6 Batalhões, e com uma Força tão insignificante e sem experiência, não era possível, no momento, resistir aos comunistas que foram convocados entre os veteranos da 1ª Grande Guerra.
Os comunistas ocuparam Riga em 3 de janeiro de 1919 e o Governo Provisório teve de recuar para Liepaja, evacuando junto às lideranças políticas, o Estado Maior, e os intelectuais.
Para manter a ordem e entregar a cidade ao adversário foram deixados alguns soldados nos seus postos, mas o primeiro ato dos bolchevistas ao ocuparem a cidade, foi fuzilar sumariamente estes adolescentes inocentes.
Eu estava caminhando pelas ruas da cidade. Vejo andando apressados dois homens liderados por um jovem. Eles estavam armados e o adolescente apressava o seu passo e animava os seus companheiros adultos: “vamos, vamos depressa para quebrar a cara de alguém”. Eles sumiram da minha frente, mas logo lá adiante vi um jovem soldado Letão, vestindo a farda do Governo Provisório, assassinado pela trinca que me antecedeu. O crânio dele estava esfacelado com coronhadas e estava caído de bruços.

Este Governo Bolchevista que tentava dominar a Letônia obedecia ao seu programa que era a sua Lei e cuja única sentença era “a morte”. Eles promulgavam os seus decretos publicados no diário “A Luta” cujos exemplares colavam nas paredes das esquinas, mas era impossível apelar por um direito com base neles por que as ordens se contradiziam.
Foi publicado um Decreto mandando confiscar as roupas dos civis por que as Forças Armadas não tinham uniformes. Cada cidadão somente poderia possuir um par de calçados e duas mudas e o excedente devia ser entregue ao Governo. Decretos iguais eram publicados determinando o confisco de alimentos. As melhores edificações eram requisitadas para o uso do comissariado comunista.
O papel moeda não tinha qualquer lastro ou garantia e era impresso em tiras de papel onde em lugar bem visível o Comissário Bergs mandou escrever: “Quem recusar esta nota bancária será punido com pena de morte”.
As fazendas e as grandes propriedades rurais passaram a ser administradas pelos empregados, que, diariamente, organizavam bailes nos salões daquelas mansões. Enquanto se divertiam deixaram de alimentar e cuidar do gado que por fim eram abatidos e consumidos como carne e em pouco tempo todos estavam à míngua. Por fim confiscaram todas as terras daqueles proprietários.
Conversando entre si diziam uns: “Que importa isto não foi amealhado por nós”; outros diziam: “isto pertence aos fazendeiros” e outros: “Isto tudo pertence ao povo”; mais numa coisa todos eles estavam de acordo quando gritavam: “Morte para os burgueses”; no entanto não havia uma regra que definisse o que era um burguês. Não se sabia onde terminava o proletariado e onde começava a outra classe; a definição do proletário esta sim era: “aquele que somente possuía as duas mãos para trabalhar”. Eles apanhavam os cidadãos mais bem trajados e usavam-nos como animais de tração na ausência de cavalos, para transportar esterco aos campos cultiváveis, conta-se que um proletário sentara na bolea da carroça a qual estavam atrelados os burgueses, como se fosse cocheiro, levando até um chicote.

ONZE DE NOVEMBRO

Esta é uma data gloriosa, por que este é o dia no qual começou a circular o sangue do povo Letão independente. É o dia que foi inscrito com letras de ouro na história mundial trouxe felicidade para todos os corações, que nasceu numa alvorada rubra, iluminada pelo sangue dos heróis. Assim foi dia 11 de novembro de 1918, que hoje comemoramos.

AS ORAÇÕES VESPERTINAS

Na semana passadas nós fomos convidados, em pleno culto, para uma “hora de orações” que seriam convocadas todas as segundas feiras. Foram convidados somente aqueles que não estivessem em paz com a sua consciência. Na segunda feira passada apenas a metade da lotação foi conseguida; mas nesta semana a sala de reuniões estava cheia. João Inke abriu a nossa “hora de oração” com um exemplo, dizendo que os Éfesos foram crentes, mas Paulo desejava que “eles tivessem os olhos iluminados pelo Espírito”.

O PERÍODO DOS BOLCHEVISQUES

Todos os dias eu saia de casa, mas não sabia se iria voltar. Na escola onde eu lecionava, não se estudava mais. Tornou-se um local para brincadeiras.
O programa de ensino estabelecido era: I Rússia; II Letônia; III o Congresso Comunista. No lugar das aulas de ensino do idioma Leto, foi instituído um espetáculo teatral.

O professor de álgebra era um homem de atitude e opinião, e por esta razão ficou sendo odiado e acabou sendo demitido. Eu fui contra esta medida, mas contra mim assumiram a mesma atitude de me demitir também. Eu fiz a minha defesa e na próxima reunião resolveram chamar de volta.
Presenciei também um desfile humilhante e desesperador. Estavam tocando a pé como se fossem animais cerca de 40 pessoas e entre elas cerca de 30 senhoras de alta classe. Foram acusadas de pertenceram à classe burguesa e por este motivo elas foram expulsas de suas mansões que foram confiscadas.
Foi erguido um monumento em praça pública, para o Karl Marx, mas a penúria era tanta que precisaram costurar as bandeiras usando trapos vermelhos. Usavam também as bandeiras da Rússia arrancando as partes azuis e brancas.
O Simão Berg passeava pelas ruas de Riga com um automóvel, mas andava armado com uma pistola, um revolver e um facão.
Em nome daquelas leis que promulgavam, foi preso novamente o J. A. Frey, junto com mais 12 correligionários.

NOVAMENTE 18 DE NOVEMBRO DE 1921

Com muito orgulho eu te saúdo minha querida Letônia, a Pátria onde nasci.
Eu te saúdo como um País livre e soberano. Em ti eu penso como a minha terra, onde viveram os meus antepassados, já há muitas e muitas gerações esta data gloriosa em que sacudistes as algemas das tuas mãos.
Gostaria estar na Letônia neste momento, os ouvir falando jubilosos a respeito da liberdade. Sinto um amor profundo pelo meu povo, que aqueceu o meu coração desde a tenra infância.
Não sei o por que da existência deste amor. Quem acendeu este fogo no meu peito. Senti as saudades e agora me alegro pela comemoração deste dia de liberdade.
Deus abençoe a Letônia. Dievs Sveti Latviju.

NOTÍCIAS DE MÃE LUZIA

A esposa do meu tio João Andermann, em cada carta que me escreve, mostra um insistente desejo de sair de Mãe Luzia.
Agora eles receberam uma proposta de 8.000$000 (oito contos de reis) pela propriedade agrícola e o João (irmão dela) e eu nos alegramos muito por causa disto. Em breve eles chegarão em Nova Odessa.
O João Kaulin e Lily Stekert casaram-se.

O TEMPO DE BOLCHEVIQUES NA LETONIA (J. INKE)

As ruas de Riga iam se tornando cada vez mais sujas, porque os garis não tinham mais tempo para trabalhar, pois passavam o dia em atividade política. O mesmo acontecia com as estações e os vagões da estrada de ferro que estavam ficando imundas.
As grandes lojas de roupas e moda ficaram vazias de mercadoria e compradores. Os armazéns onde antes se podia comprar de tudo agora não tinham mais nada. Não se encontrava farinha e outros comestíveis em lugar algum. As escondidas alguns comerciantes vendiam alimentos, mas por um preço exorbitante. Comia-se até casca de batata.
A farinha de centeio misturada com serragem de madeira era vendida para os cidadãos de primeira classe ou categoria – os comunistas – na quantidade de ½ libra; para os de segunda ¼ de libra e para os terceiros 1/8 de libra. Às vezes este bocadinho era negado; então para sanar a penúria serviam uma canequinha de sopa feita com o cereal.
Muitos eram colocados fora da lei e para estes não havia direito algum, eles não recebiam nada. “Encostar na parede” era um trabalho habitual.
Os dirigentes da partido, comissários, gozavam do direito de andar de automóvel. Um embaixador que fora a Rússia firmar tratado e pedir cooperação, de nome Stuca, na viagem de volta foi conduzido no vagão particular do Tzar, como gesto de boa vontade.

A espionagem, a denúncia e as revistas pessoais ou de domicilio era uma prática geral que se repetia com mais frequência com o correr do tempo eles então reviveram tudo e levavam o que bem queriam.
Não recebiam notícias nem jornais do exterior para saber pó que se passava no mundo. Todas as Igrejas foram nacionalizadas; as maiores usadas como auditório dos “Meetings” políticos e as menores simplesmente para ficarem fechadas.
Os burgueses depois de dilapidados dos bens que possuíam, rasgados e famintos eram obrigados a cavarem trincheiras. Eu próprio, um simples pastor, recebi este castigo, mas pela misericórdia de Deus fui dispensado deste trabalho; que era agilizado a custa de fuzis com baionetas caladas.

Bormanis que foi mobilizado para trabalhar na direção de um hospital num posto de responsabilidade, gozando de um certo prestígio foi a central de polícia para saber do paradeiro de J. A Frey. Ele se apresentou com muita determinação e atitude; rebateu todas aquelas acusações e conseguiu libertá-lo da cadeia na hora, mas o Pastor Planats já havia sido fuzilado.
No único jornal em circulação que era comunista e se chamava “Luta” (Cina) já apareciam notícias que os comunistas estavam fazendo recuo estratégico de suas linhas e estavam abandonando algumas posições na linha de frente onde lutavam contra as forças do Governo provisório.
Apareceram também aviões dos brancos sobrevoando Riga. Em breve verificamos que carroças cheias de mercadorias eram deslocadas para o interior acompanhado de militares vermelhos e quando perguntávamos para onde iam, eles respondiam: “vamos matar os brancos”, mas na verdade estavam fugindo e levando mercadoria confiscada pelos “comissários” que na maioria eram apenas comerciantes inescrupulosos.
No próximo dia verificamos que os líderes bolcheviques haviam fugido para salvarem o seu pêlo sem qualquer pena de deixar as suas conquistas.
Mas convém assinalar que a maioria dos “comissários” não eram Letões e sim membros de outras raças radicadas no país.

Então as colunas dos comunistas eram atacadas até por soldados conduzidas em automóveis e os jovens Letões organizavam patrulhas de ataque de surpresa contra o flanco do inimigo, que se retirava.
ESCOLA

Agora, no mês de novembro, estamos nos preparando para prestar os exames. Relembramos e revisamos todas as matérias estudadas e fiquei muito admirado ao verificar que os meus companheiros de classe não tinham conseguido reter na memória aqueles conhecimentos administrados na escola.
Dava vontade de rir pelas respostas que eles davam ao professor. Se ele, por exemplo, perguntasse ao Rafael: “o que é um golfo”? vinha a resposta: “o golfo é a água que avança no mar”. “Quais são as 5 partes do mundo”? “América, Áustria, Europa, África e Argentina”. O professor repete, fala, mas parece que as crianças não prestam atenção, estão sem interesse e o que é o pior – perderam o respeito ao professor.

A LIDIA CHEGOU DE FÉRIAS

A minha monótona vida foi agradavelmente interrompida. A minha irmã Lídia chegou de férias. Ela veio de surpresa sem eu esperar por ela. Esta na mesma forma, alta, elegante e bonita. Noto uma pequena diferença – ela está muito mais compenetrada, mais amadurecida, mais séria. Parece que ela já consegue entender melhor a vida. Eu a admiro muito por que este conjunto de qualidades abre-lhe uma boa perspectiva para o futuro.
Ela quer continuar os estudos na escola, na qual, durante o último ano e nos exames finais, obtivera boas notas.
Conseguiu tratar os dentes. Deus também deu mais uma benção para a sua vida, sem qualquer solicitação recebe auxílio financeiro de um benfeitor.
Desde pequena ela gosta de pintar e desenhar quadros que é o seu desejo ainda hoje. Em 23 de novembro ela completa 21 anos de idade. Que Deus lhe dê muita paciência e muito êxito.

RECORDAÇÃO DOS MEUS PAIS

Eles casaram em 22 de setembro de 1889. De um pequeno livrinho de recordações intitulado “Não se esqueças” vou transcrever o seguinte que ela própria escreveu:
“Meu nome é EMILIA KANTZBERG. Nasci em dia de chuva em 10 de fevereiro de 1875 no local chamado Skoaka. Desde pequenina eu gostava muita da casinha dos meus pais. Nela havia uma salinha que então, na minha infância, me pareceu tão grande e bonita e se ainda considerarmos o celeiro, o porão e o jardim, então tudo em conjunto parecia ainda muito maior, tão grande que eu sem a companhia da minha mãezinha na tinha coragem de percorrer – “por que quem sabe, eu poderia me perder”- pensei. O tempo ia passando, ano após ano e a minha mãezinha, que muito me amava, me contava, muitas coisas bonitas, e certa ocasião me disse que eu já ia completar 5 anos e estava na hora de aprender o ABC. Eu aceitei esta sugestão com muita alegria pois, já há muito tempo, queria ler aquele volumoso livro de cânticos. O meu pobre pai foi um grande beberrão. Ainda hoje me lembro quanto eu tremia de medo quando ouvia a sua voz enrouquecida falar ao chegar em casa tarde da noite. A minha mãezinha também tinha medo dele a ponto de empalidecer quando ouvia os seus passos e me dizia baixinho “fique quieta por que o teu pai está chegando”. Quase em todos os momentos como um leão enfurecido. Ele agredia qualquer um que tivesse coragem de ficar no seu caminho, mas quando estava sóbrio ele se tornava paciente e amoroso com todos. Freqüentemente eu via a minha mãezinha chorando e em várias ocasiões eu a encontrei de joelhos orando a Deus. Assim desde pequena tomei conhecimento com as preocupações que a vida contém, a dor, como também, a pobreza que freqüentemente batia na nossa porta e assim cheguei aos 8 anos de idade. A minha irmã contraiu matrimônio e eu comecei a freqüentar a escola. Eu, então, tomei conhecimento como isto é terrível ter um pai alcoólatra por que as outras crianças caçoavam de mim e com freqüência ouvia dizer – “o seu pai é um beberrão”. Certa ocasião confessei as minhas mágoas a minha mãezinha na esperança que ela admitisse que o meu pai era um homem mau, mas para a minha admiração ele o defendeu que melhor eu fazia orando a Deus na intenção do meu pai. Este conselho me comoveu profundamente e a partir daquele dia iniciei o meu contato com Deus através da oração, não só em intenção do meu pai, como de mim própria. Naquele tempo teve início o despertar da minha alma e a minha mente fazia várias indagações a respeito de Deus e do céu. Durante horas pensava e repensava a respeito do “juízo final”, acerca do que eu já tinha ouvido falar, e, quando iniciei a leitura do Apocalipse senti tremor sobre o fim dos incrédulos que seriam lançados no fogo eterno. Eu me sentia pecadora e tremia de medo de que, por esta razão, seria jogada lá. Eu aproveitava todas as ocasiões para falar com outras meninas a respeito de Deus e sobre os céus por que me sentia curiosa para saber para onde iria a minha alma depois da morte. Depois dos 10 anos eu não me preocupava mais com a eternidade por que encontrei uma menina que com muita habilidade e malícia me conduziu para o mau caminho. A minha pequena professora me ensinava a dançar, cantar modinhas e pregar mentiras para enganar os meus pais e por isso eu fiquei desobediente e cheia de maldade. A minha mãe muitas vezes me ameaçava, me corrigia e as vezes chorava a meu respeito. Eu encontrava alegria em futilidades, mas quando eu estava na hora do silencio eu sentia que alguma coisa me ameaçava, deixava assustada e na verdade eu não conseguia encontrar a Paz. Já era mocinha adolescente com 14 anos, quando me permitiram, durante alguns meses, morar na casa da minha irmã casada, que naquele tempo habitava em Dinaminde. Naquele lugar nasceu para mim àquela estrela da salvação que foste tu, meu Salvador.
Eu visitei a reunião dos Batistas e então as palavras do sermão caíram no meu coração e entendi, com toda a clareza, que em mim vivia aquele “Adão” e a quem Deus chama “Onde estás”. A partir daquela hora eu encontrei o Senhor Jesus Cristo e ele, desde há oito anos, tem me guiado maravilhosamente”.
Bem próximo da minha partida de Mãe Luzia me lembrei de transcrever para o meu diário esta bela e maravilhosa descrição. Eu conheço a formosura da sua alma e este escrito da um testemunho que eu confirmo cem vezes.
Eu me lembro do seu pensamento inquiridor quando eu estava cheio de dúvidas para me esclarecer, o seu caráter enérgico; mas além disto tudo, a minha mãe era dotada de um coração que poderia servir de exemplo para muitos outros; aquele coração que me amava, cuidava de mim e me criou – este coração que também é o meu.

CONTINUA

História de Emílio Andermann – Sua Juventude

2ª PARTE

M E M Ó R I A S

De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman

A VIAGEM DE PAPAI

No mês de maio o meu pai iniciou os preparativos para fazer uma viagem para Ijuí no Rio Grande do Sul, onde também havia uma Colônia Leta. Preparou a sua mochila de viagem e carregou junto uma porção de tratados e outra literatura espiritual. A sua mala pesava uma arroba (15 quilos). Eu o acompanhei até Campinas [nome antigo de Araranguá] e ao se despedir ele me osculou. Eu estava desconsolado, com o coração pesado quando eu voltava para casa. Em casa havia fartura por que a época da colheita já havia terminado.
Certamente a peregrinação dele se realizou lentamente, de casa em casa, onde ele reunia gente e pregava o Evangelho e durante muito tempo nós não recebemos notícias dele.
Seu destino era Ijuí; mas viajando ele certa noite sonhou e foi aconselhado que fosse melhor ele tomar outro rumo. Já no dia seguinte seguindo o conselho, ele tomou o rumo contrário e assim passo depois de passo, finalmente alcançou Blumenau.
Naquele local ele fora muito bem recebido. Teve oportunidade de pregar e, em algumas reuniões leu aqueles prospectos sobre o Pentecostalismo. Na sua viagem de volta ele viera de navio e apareceu novamente em casa em 7 de julho.

IMPRESSÃO

Depois que ele voltou para casa ele retornou a normalidade tranquila da vida, mas em Blumenau num local chamado Linha Telegráfica [Localidade próxima a Massaranduba] ele deixara uma ótima impressão. Muita gente que estava cochilando em pecados, então começaram a acordar e suplicar a Deus pela misericórdia divina. Houve um avivamento e eles se reuniam com mais frequência e por mais tempo em reuniões de oração que se tornou um hábito agradável.
Eles também liam a Bíblia com mais frequência procurando no Novo Testamento aquelas preciosas promessas. Tornaram-se cada vez mais inflamados; oravam com insistência de todo o coração e, afinal, faziam encontros de oração todos os dias depois dos trabalhos, quando clamavam de Deus a santificação, mas este excesso de pedir em tom de exigência fizeram muitos se afastarem, por que estas fervorosas orações estavam se tornando exageradas.
Mas a parcela que ficou fiel continuou na mesma rotina de orações, até, que depois de algum tempo, quando eles já se sentiam cansados, veio a tão desejada santificação sobre alguns do grupo. Estes rolando pelo chão balbuciavam sons estranhos. Esta desesperada insistência se transformou em uma grande alegria. Então todos num culto de louvor agradeceram a Deus a benção recebida.
No entanto a maioria do grupo ainda não tinha recebido aquela graça e estes continuaram a orar insistentemente, arrependeram-se dos pecados, acertaram as desavenças com os vizinhos e em breve todos receberam a graça do batismo pelo Espírito Santo.
Uma mulher de nome Elisabeth num certo culto anunciara: “Hoje eu retiro esta máscara de hipocrisia e lhes dou a boa notícia de que sou Profetiza”. Ela fora muito bem dotada para falar. Também recebera o batismo do Espírito o Alexandre Silmanis, que, mais tarde, ele mesmo contou: “Quando eu recebi o batismo do Espírito fui obrigado a falar língua estranha sem poder parar. Ainda depois, quando em casa dava alimento para os animais domésticos, falava sem parar e os meus pais pensaram que eu havia perdido o juízo”.

Finalmente recebeu o batismo do Espírito uma mulher chamada da Ida [Ida Strauss], que, depois, ocupou o lugar de profetiza.
Os pastores Graudim com a sua família também apoiaram este movimento. Somente depois de muito tempo empregado em orações recebeu esta benção e abominou toda a sua obra anterior. Todos eles receberam o dom de falar línguas, mas ninguém recebeu o dom de traduzir, interpretar. Então com grande insistência pediram a Deus que mandasse o dom de interpretar e em breve surgiram alguns que falavam traduzindo palavra após palavra.

NOS CAMINHOS DA PERDIÇÃO

Este relato de agitação extrema em breve induziu a perda do rumo certo. Em uma fervorosa hora de oração a profetiza Elizabeth do assoalho pulou em pé e começou a saltitar gesticulando com as mãos. No início isto levantou admiração e dúvidas, mas, quando descobriram na Bíblia que Davi dançou (cap. 7 v. 4-8) então todos se acalmaram e convencidos; agitados pelo uso de línguas estranhas em grupo iniciaram a dança convictos que haviam recebido o mesmo poder do Salmista.
É compreensível que este desvio de rumo deixou a maioria temerosa que começou a discordar e passaram a fazer oposição. Brevemente foram apelidados “espiritualistas”, “saltitantes” etc. Os seguidores desta seita então se sentiram abandonados, os seus insistentes convites e pregações, não surtiam efeito e o balbuciar destas línguas estranhas não eram apreciadas. O grupo de fanáticos, cada vez menor, se isolava e para manter o fervor, instituíram vários cultos ao dia. Já não trabalhavam mais. Os que mais usavam a palavra eram o Alexandre e a Ida e por isto eram respeitados como profetas e os líderes do movimento.
Surgiram ideias de que a vinda de Jesus estava próxima. Agora seria a “meia noite” e aqueles que não se arrependessem esgotariam o seu tempo de pedir o perdão.
Vários dos seguidores receberam ordem, através da boca dos profetas, de que deveriam vender as suas propriedades, deixar o local onde viviam e ir para Linha Telegráfica para viver comunitariamente na propriedade de Strauss. Todas estas ordens foram cumpridas principalmente por que o dia do juízo final estaria próximo.

O MEU TRABALHO

Enquanto o meu pai estava viajando eu tive que enfrentar muito trabalho. O nosso gado arrebentava a cerca para fugir do pasto e tive de reformar a cerca. Convidei para me ajudar o João Klava, mas ele, por descuido, jogou um mourão sobre o meu pé e por causa deste acidente durante muito tempo não pude caminhar. Sentava na cama e copiava alguns apontamentos selecionados dos livros.
Eu aproveitava cada momento; quando não estava trabalhando então em casa lia livros ou escrevia. Eu tinha uma sede alucinada pela ciência. A minha maior ambição era freqüentar uma escola. No meu coração havia tanta iniciativa, tanto sentimento, tanta convicção e vontade própria que os meus pais tiveram muito trabalho em me dominar.

A MÚSICA

Copiava muitas músicas, também tentei compor alguma coisa daquilo que eu guardava na memória. Então em nossa casa se hospedou uma brasileira, ela cantava em português e eu copiava a letra e a música. Mesmo antes de saber tocar um instrumento tentava compor.
Aprendi a tocar violino com Ricardo Feldberg; aos domingos junto com os companheiros que eu esperava com seus instrumentos que eu lhes ensinava tocar.

NOSSA VIDA ESPIRITUAL

Os assuntos de religião aos poucos iam perdendo o meu interesse, por que eram muito monótonos. Nos domingos de manhã os cultos se realizavam na casa do Klava. Ele próprio dirigia todos os cultos. Por que era membro da Igreja eu assistia a reunião quase todos dos domingos.
O meu pai dirigia um outro culto na casa do meu avô nos domingos à tarde; então ele lia ou esclarecia alguma tradução Pentecostalista. Estes cultos eram bem frequentados, mas eu raramente comparecia, por que estava ocupado com os companheiros tocando música. Por isto fui advertido.
A tia Marta e William Butler casaram-se no dia 2 de maio. Esta notícia nos surpreendeu e trouxe muita alegria.

OS GAFANHOTOS

Em outubro começaram a chegar, em revoada, os gafanhotos. Eles se deslocavam em grande quantidade daqui para acolá. Eles acabaram com a lavoura e as pastagens. No fim do mês eles se estabeleceram no local e começaram a deitar ovos enchendo totalmente toda a terra. O povo do local ficou muito preocupado. Alguns araram os campos para enterrá-los, mas apesar destes esforços, um mês depois, eles já nasceram sabendo saltar e tinham tamanho de uma mosca. Eles ficavam em bandos e se deslocavam de um lado para o outro e aonde chegavam comiam tudo que era vegetal. Iniciou-se uma dura luta contra eles; cavavam-se valos e quando eles lá chegavam, cobríamos com terra. Aspergíamos os gafanhotos com água fervente, batíamos com vassouras, mas apesar deste esforço muitos vingaram e se tornaram adultos. Enquanto cresciam eles mudavam a pele várias vezes.

3 DE JULHO DE 1917

Hoje junto com o Alberto e Eugenio fomos cercar o cemitério dos Letos. Pode-se entender claramente que entre estes amigos eu me sentia à vontade. Fazíamos brincadeiras que retribuímos de uns para outros sem qualquer contrariedade. Ao entardecer eu convidei a minha irmã Lídia para irmos à casa da Lina [ Lina Akeldamis] para apanhar livros e no caminho encontramos companheiros e eu não poderia me sentir melhor.

26 DE JULHO DE 1917

O Homem, o que significa pertencer ao gênero humano? Que exista uma alma imortal – certamente é verdade; mas por que ele às vezes é tão feliz e também pode ser tão triste ou até se tornar zangado. E por quê? Esta indagação pode ser respondida por qualquer criança:- “quando a mãe lhe aplica uma surra”.

30 DE JULHO DE 1917

Hoje como de costume eu trabalhei com um arado puxado por boi “Amoru” e uma vaca “Lidi”. Depois do almoço fui tocar o harmônio na hora do descanso e ao entardecer fui à colina medir o local onde iríamos plantar o parreiral.

1 DE AGOSTO DE 1918

Também eu gostaria de entrar no Reino dos Céus, mas pelo que parece o São Pedro já antecipadamente fechou a porta para mim. Apesar deste sentimento, semanalmente tenho orado a Deus, mas sem resultado. Vou tentar de novo para ver se consigo mover o destino, mas não tenho bem idéia como iniciar a prece.

ANO DE 1918

Não guardei nenhuma recordação sobre o início deste ano. As primeiras tenho a partir do mês de julho. Parece que este espaço de tempo passou despercebido para mim. No início deste ano nós trabalhamos muito na erradicação dos gafanhotos. Neste ano eu sofri muito e cai numa grande melancolia por causa de um amor frustrado. Eu fiquei muito absorvido por questão de patriotismo. Pensei muito sobre o sofrimento do meu povo e por causa das más noticias que recebemos sobre o infortúnio da Letônia que me amargavam o coração. Neste ano também cresci muito. O meu corpo foi temperado e talvez torturado pelo excesso de trabalho na lavoura que eu, sozinho dirigi e orientei. O meu pensamento também ficou mais racional. Eu deixei o sentimento de orgulho de lado e no seu lugar assumir o sofrimento, que, certamente, ainda mais, prejudicou o meu desenvolvimento físico.
O início da minha vida foi difícil, triste e até desesperado, cheio de dúvidas de toda espécie.

2 DE AGOSTO DE 1918

Voltando de um banho no Rio, observei que no nosso pasto se encontravam cavalos estranhos. Conclui que seriam visitas do Rio Novo, mas entrando na cozinha encontrei uma família inteira de crianças e adolescentes. Era a família de Zanerip em viagem para o Rio Novo. Faleceu o marido da pobre viúva há alguns anos atrás, agora ela por motivos de convivência social, vendeu a sua colônia em Campinas [Nome antigo de Araranguá] e está se mudando para Rio Novo.

A VIAGEM EM BUSCA DO VIOLINO

O meu pai na sua primeira viagem Missionária, por causa do peso da mochila, deixou o violino em “Manoel Alves”. Eu desejava com muito empenho trazê-lo de volta por que sentia muito a sua falta. Então selei ‘Bigi” e cavalguei para Campinas aonde cheguei às 8 horas. Parei perto da casa de Sudmalis e lá deixei o cavalo que estava muito cansado; mas eu mesmo resolvi ir a pé para o local onde estava o violino. Atravessei o Rio e pela margem fui em frente. Pensei que este local estaria perto, mas o sol se deitou, ficou escuro e eu continuei andando. Encontrei um transeunte e perguntei onde se encontrava o tal lugar e ele me respondeu que ainda teria que caminhar 4 horas, me aconselhando que fosse melhor eu pernoitar na casa de alguém. Passei a noite na casa de um alemão e ao alvorecer continuei a viagem. Ainda não tinha comido nada e em volta ainda tudo estava escuro. Em toda parte havia florestas, apenas algumas clareiras queimadas próximas ao rio. Toda redondeza era muito plana e a terra parecia muito boa.
Às 11 horas cheguei ao destino, mas lá em informaram que o homem havia mudado. Tomei informações e continuei andando. A estrada passava entre brejos cercados de floresta virgem e as rãs faziam um barulho infernal, havia muitos mosquitos e outros insetos próprios dos brejos. Sentia a tortura da sede.
Depois do brejo a estrada começou a subir na montanha, mas eu quase não tinha forças para escalar. Cheguei à crista e me sentei para repousar – em toda a volta uma vista maravilhosa. Até aonde a vista abrangia somente havia mata virgem. Em toda a volta havia planície, mas a certa distância apareceu uma outra montanha que parecia um navio navegando num mar verde. Não tive tempo de apreciar toda esta beleza, tinha que continuar para conseguir comida.

Finalmente encontrei uma venda onde comi com fartura e assim, com as forças restauradas, segui caminho. Apressei o passo quanto podia pela estrada aberta no meio do mato.
De repente parei: um jovem tigre saltou na minha frente fechando o caminho. Eu puxei o revólver, mas enquanto isto o tigre novamente sumiu na floresta. O local onde se encontrava o violino se localizava perto do mar.
Apanhei o instrumento e apressado percorri o caminho de volta até que, tarde da noite, cheguei à casa do Sudmalis; muito cansado, mas satisfeito por ter tido esta aventura.

O MOVIMENTO NA LINHA TELEGRÁFICA

Freqüentemente recebíamos notícias de que aquela gente simplesmente saíra dos trilhos. Todo este movimento Pentecostalista foi apelidado de movimento de Carlos Andermann e assim colocaram sobre os seus ombros toda a responsabilidade. O meu pai realmente deu o primeiro empurrão e deixou o movimento tomar o impulso próprio. Sendo gente de poucas letras, não lhe escreviam pessoalmente e as notícias que os outros mandavam, nestas ele não acreditava. Depois o movimento tomou regras próprias, sem qualquer fundamento na Bíblia. Todos acreditavam fielmente naquilo que os profetas diziam. Aquela dança iniciada pela Elisabeth tornou-se um ritual pagão alucinado. Todos então saltitavam, e louvar de maneira estranha com gritaria tornou-se hábito.
Os profetas também instituíram a confissão de pecados de uns para outros. Então quando se iniciavam as reuniões neste estado de espírito, assistir aos cultos sentados sobre bancos já não era mais possível e assim a assistência sentava diretamente no chão para depois, uns simplesmente deitados de bruços e outros ajoelhados de quatro, com as nádegas para cima e o rosto colado ao chão, orarem preces fervorosas. Formavam um círculo e aquele adepto que desejava confessar os pecados, ou exercer o dom de línguas estranhas, este ficava no centro do grupo.
A confissão dos pecados se dividia em duas categorias; os primeiros contando as transgressões mais recentes que aconteciam na vida diária; a outra que narrava os pecados da vida pregressa, a partir das primeiras lembranças da infância.
Aquele que confessasse os pecados cotidianos ao terminar a fala, de joelhos, devia engatinhar junto a cada um do circulo e pedir perdão. Depois do primeiro confessante, mais dois deviam se submeter ao mesmo ritual para totalizar o número de três penitentes. (Não sei explicar por que). Depois que os três terminavam esta parte do culto, em seguida, estes três oravam a Deus antes dos outros, na mesma sequencia de um, dois e três. Terminada esta fase da cerimônia, toda a congregação orava de um em um. Este ritual às vezes durava uma semana inteira.

Eram os profetas que determinavam o tempo necessário para cada penitente confessar. Antes da comunhão, todo o grupo, de um a um, tinha de confessar os pecados e rastejar o círculo todo pedindo o perdão. Em seguida o profeta lavava os pés dos homens e a profetiza, das mulheres.
Na ceia do Senhor cada crente quebrava o seu naco de pão, pois assim todos teriam partido o Corpo de Cristo. Eles proibiram as relações matrimoniais entre os casados; por que, muito em breve aconteceria à vinda de Cristo. As crianças pequenas e os adolescentes também tinham de participar obrigatoriamente destas tempestuosas reuniões. Finalmente como profetas foram selecionados Ida e Alexandre por que tinham mais dom de falar línguas estranhas. No seu estado de transe disseram coisas que seriam possíveis de acontecer.
Profetizavam que a influência do “anticristo” estava se expandindo no mundo. Que Ricardo Inkis seria um dos membros deste aglomerado de 666. Diziam que os Batistas que seguissem o Ricardo não seriam perdoados e que ele como “anticristo” os perseguiria; bem entendido que seria o Ricardo e os Batistas. Que eles os lançariam no cárcere deixariam morrer de fome, fritariam em frigideiras; exilariam os crentes para ilhas longínquas do oceano, nus e sem alimento.
Que não se precisava trabalhar mais, por que no início do ano de 1919 o Senhor desceria das nuvens para arrebatar os crentes. Além disso, profetizaram que 3 do grupo morreriam e a crença no recado era tanta que, de antemão, prepararam os caixões para enterrar os apontados.
Em outra ocasião 6 deles foram mandados para a Igreja Batista de Rio Branco onde seriam assassinados pela Congregação. Estes “carneiros de sacrifício” se despediram dos outros companheiros com grande tristeza e o coração pesado. Por uma estrada enlameada eles seguiram para Rio Branco, mas os irmãos da Congregação Batista os receberam com muita gentileza.
Também deram uma surra no João Strauss por que ele desejara dormir com a esposa. Profetizaram também que iria acontecer um terremoto e uma enchente que, no entanto não sucedeu, mas estes enganos eram interpretados como prova de fé a que Deus os havia submetido. Cada vez com mais frequência apregoavam que o tempo para arrependimento estava findando.

O Pastor P. Graudin de Rio Branco foi visitar o grupo para dizer por que o “espírito” lhe mostrara um caminho diferente, mas ele foi exortado e isto lhe amargurou o coração. A mensagem que não deixaram transmitir fora de que: “Tivera uma revelação que todos deviam voltar ao trabalho, por que ainda restava tempo para isto”.
Outra característica da seita era a de que, para batizar, o novo adepto, eles imergiam três vezes.
E assim eles perdidos doutrinariamente oscilaram entre uma crença e outra, afundando cada vez mais na ignorância, até serem envolvidos pela escuridão.

OUTRA VEZ NA MÚSICA

Fiz tantos exercícios estudando o harmônio que já conseguia tocar os hinos. A Congregação Batista este ano festejava o jubileu dos 25 anos. Nosso grupo de músicos preparou um programa festivo. Ensaiamos muito, compramos instrumentos melhores; eu também comprei um violão, no qual fazia exercícios de escalas e de posições.
Neste caderno anoto algumas melodias que me soavam nos ouvidos, mas que devem constituir fragmentos das músicas que tocávamos e cantávamos na Igreja.

A ESCALADA DO MORRO REDONDO EM 04.11.1918

Junto com o grupo de adolescentes, resolvemos ir para redondezas do “Rio Cedro” onde se situava uma montanha denominada “Morro Redondo” com a intenção subir as suas encostas. Fazia um dia muito bonito; já de manhãzinha nós marcamos encontro na cabeceira da nova estrada de rodagem. Todos estávamos alegres e animados, felizes e contentes. Iniciamos a caminhada e depois de 3 horas de progressão alcançamos o Rio Cedro. Então nós tínhamos de deixar o caminho e embrenhar na mata virgem para chegar à base da montanha. Foi uma empreitada difícil. Nós tínhamos que abrir picada através do mato cheio de cipós e de espinhos. A floresta estava tão fechada que nós não sabíamos para onde estávamos indo.
Resolvemos que um dos nossos companheiros deveria escalar uma árvore para estabelecer o rumo certo. Isto ajudou e depois de mais 2 horas de caminhada chegamos ao pé da montanha. A montanha estava coberta por árvores gigantescas, com algumas clareiras onde caíram barreiras e apenas sobrou a nua rocha, que, olhada de baixo, parecia uma testa coberta de cabelos.
Gritamos “hurra’ e iniciamos a escalada”. Em fila indiana apressados vencíamos a ladeira íngreme, com muito vozerio e gritaria. Chegando ao topo da montanha fizemos a nossa refeição – estávamos famintos como feras. Depois atingimos o cume da rocha mais alta. Que vista deslumbrante.
Lá em baixo se abriam em leque planícies. Os rios, como se fosse barbantes corriam em meandros sinuosos. As dunas das praias do mar longínquas brilhavam como prata, envolvendo o oceano azul. Observamos. As casas pareciam caixinhas de fósforos, as lavouras e os pastos como manchas dentro da floresta. Nova Veneza parecia estar próxima, logo ao pé do morro e levantando a vista além, a visão se perde nas montanhas longínquas onde se situa Rio Novo – então senti saudades.
Então volvemos o olhar para o outro lado, e lá, até o ponto que a vista alcança somente percebemos a mata virgem interminável. Ali a mão destruidora do homem ainda não chegou; toda a exuberante vegetação lá cresce no seu estado natural.

Deflagramos alguns tiros que ecoavam pelos contrafortes. Depois começamos a rolar pedras que caiam pelas encostas íngremes das encostas rochosas se espatifando lá em baixo. Estávamos felizes, também despreocupados, pois não tínhamos temor das rochas por onde passava o caminho. Não houve acidente grave, pois apenas um dos companheiros escorregou e caiu na água.

O JUBILEU DOS 25 ANOS DA IGREJA BATISTA
EM 09-10-1918
A Congregação Batista de Mãe Luzia foi fundada em 9 de outubro de 1893. Daquela época até hoje já passaram 25 anos e esta festa era de Jubileu. O culto festivo teve lugar na casa de Jacob Klava. Tocamos música, cantamos, ouvimos o sermão e algumas narrativas da história.

DO MEU DIÁRIO – FINS DE OUTUBRO

Nesta tarde eu senti profundamente o fato de que estavam se aproximando os últimos dias de vida do meu avô Ans. Ele me pareceu tão idoso, tão pálido; e de repente percebi que, depois de mais alguns anos, não poderei mais contempla-lo. Ele terá de nos deixar e isto será muito triste para todos. Ele é o nosso ascendente, nosso patriarca.
Deus abençoou muito a vida dele e fazendo que tivesse tantos filhos. Quando ele partir, no seu lugar ficarão muitos descendentes jovens e fortes. Esta idade irá aumentar até o seu último suspiro. Ele partirá, mas não de todo; no seu lugar ficaremos nós.

6 DE NOVEMBRO DE 1918

Fui assistir à aula de música. No meu coração surgiram tristezas que eu não conseguia controlar – surgiram imperceptivelmente se instalaram. Não conseguiria descreve-las; se fosse capaz de realizar este intento então dividi-las-ia com outros. Sendo impossível – com que satisfação eu deixaria Mãe Luzia para percorrer o longínquo mundo e encontrar um lugar onde eu pudesse esquecer a minha querida “A”. Estou convencido que este local não existe por que onde quer que esteja me lembrarei da sua imagem. Apesar disto tudo o eu gostaria mesmo é conquistá-la.
Assim a minha puberdade trouxe dois assuntos para minha consideração; primeiro a ideia da morte, quando observei o meu avô; e, a segunda a possibilidade de me ausentar de Mãe Luzia.

16 DE NOVEMBRO DE 1918

A Grande Guerra Mundial acaba de terminar!!!! Paz! Paz! Finalmente a Letônia está livre podendo ter governo independente. Isto me deixa muito feliz. O povo Letão nunca gozou de liberdade… Mas agora chegam notícias de que poderá livrar-se de quem a dominou. Ao se aproximar o fim do conflito, eu já havia imaginado que isso pudesse acontecer.

Continua