História de Emílio Andermann – 8ª Parte
História de Emílio Andermann – 8ª Parte
M E M Ó R I A S
De Emílio Andermann
Traduzido do Letão
por Julio Andermann
Digitado por Laurisa Maria Corrêa
Anotações por Viganth Arvido Purim
Material gentilmente cedido por Alice Gulbis Anderman
“Leiam também neste mesmo Blog o artigo escrito por Julio Andermann que está em “Crônicas Históricas com o titulo de” Meu pai Karlos Anderman”
Nesta parte o escritor começa a dar aulas na Escola Anexa a Igreja Batista Leta de Rio Novo no Município de Orleans onde tem amizades e parentes. Neste período ocorre a famosa Revolta da Palmatória apresentando assim mais uma versão dos acontecimentos. Mais tarde volta prá Mãe Luzia para se aprontar para viajar para os Estados Unidos.
SEGUNDO CADERNO
03 / VII / 1922
Ontem recebi 60$000 de honorários e hoje vou dar a primeira aula. Chegaram 8 crianças e em breve me apresentei e fiquei conhecido de todos os alunos.
09 / VII / 1922
Dividi a turma em duas classes; a primeira dos alunos mais adiantados que já conhecem as 4 operações e a outra daquelas crianças que mal sabem ler, escrever e contar até 10.
Para estas classes darei aulas em separado. Espero que tudo saia bem. Quero trabalhar com todas as minhas forças e até me sacrificar se isto for necessário. O único objetivo é abrir a inteligência e o coração destas crianças para que elas aspirem tudo àquilo que é elevado e valoroso.
Na Igreja o Frederico Leiman dirigiu o culto. O velho Leiman se despediu da Congregação, por isto todos choraram por que ele vai deixar o Rio Novo para viajar com destino a Argentina a convite do filho que mora lá. Fui também visitar o meu tio Karklis.
31 / VII / 1922
A MINHA EXPERIENCIA NA ESCOLA
O mês passado trabalhei como professor. É uma ocupação dignificante, embora ligada a muitas preocupações. Tenho lido muito sobre a pedagogia, mas entre a teoria e a prática encontrei uma grande diferença. Como é difícil encontrar o caminho verdadeiro do ensino. Eu sempre procuro melhorar o meu desempenho, mas percebo que este é um caminho difícil de prosseguir e muitas vezes sinto que estou caminhando na penumbra ou na neblina.
Os meus alunos são muito bons com exceção de um italiano, o Pedro Baio, que é um menino pouco dotado e não consegue acompanhar a classe embora tenha 13 anos de idade. Eduardo e Clara Salit, Cornelia Balod e Elza Zanerip são os meus melhores alunos. Atualmente estamos estudando frações, mas a leitura deles é meio embaraçada. A Cornelia é a mais hábil por que também tem mais escolaridade. A Elza não está tão esperta e desconfio de que ela tem algum problema de saúde ou então que em sua casa a alimentação é muito pobre. Ela frequentemente se desculpa que não tem tempo para estudar. O Eduardo Salit, embora tenha apenas 8 anos, é muito diligente, mas algumas vezes é voluntarioso.
A classe dos iniciantes também progride a passos firmes para frente. Os filhos de Zanerip – João, Otilia e Lídia são bastante talentosos, principalmente na aritmética embora um pouco atrasados no estudo do português e estas dificuldades tenho de vencer.
A pequena Lídia Balod é muito esforçada, mas tive de colocá-la naquela classe iniciante por que sabia muito pouco. Pedrinho e Ângela são italianos, crianças de muito valor, principalmente a Ângela que aproveita muito bem o ensino e é a primeira da classe. Agora estamos decorando a tabuada.
Muitos dos meus alunos são chorões, mas, de um modo geral, eles me estimam e me respeitam. Faço todo o esforço para que o meu trabalho seja perfeito.
Surgem muitas situações interessantes. A pequena Lídia se concentrou tanto no desenho que, distraída, acabou caindo da cadeira. Eu a levantei, todos ficaram rindo, mas a pequena heroína não verteu uma lágrima.
No período de recreio os meninos descobriram num pé de laranjeira um fruto. Todos eles cobiçaram a laranja e iniciaram a escalada para alcançá-la, mas como havia muitos espinhos ficaram presos sem poder sair do lugar. Então houve uma choradeira geral até que os salvei desta situação.
06 / VII / 1922
No desempenho das obrigações e os deveres do professor surgem muitas situações imprevistas que revelam a natureza da criança, a sua personalidade e as suas emoções. Começamos a aula de História do Brasil e estudamos a respeito de Luiz Brito e Antonio Salema que vieram ao Brasil como Governadores. Quando terminei a explicação do assunto, pergunto a Otilia qual era o nome do 4° governador. Ela se levanta rapidamente e disse: “João Cabrito”. Todos nós fomos tolhidos pelo riso, mas a pobre Otilia chorava muito sentida e eu tive dificuldade de dissipar-lhe o pranto.
No comportamento da criança podemos identificar o seu caráter. Eu me viro para frente da classe adiantada e o pequeno João bate com a caneta na cabecinha da irmã. Eu vejo que o seu rostinho está rubro de impaciência e de raiva. Eu interpelo: “o que está acontecendo”? e o Joãozinho responde: “ela não quer me devolver” e começa a chorar.
Esta pequena gente sente tudo, querem parecer fortes e bonitos eles querem agradar o professor. Eles são iguais a plantinhas.
10 / VIII / 1922
O MEU ANIVERSÁRIO
O tempo corre rápido e a existência segue em frente a passos largos. Hoje estou completando 20 anos de idade. Agora já sou um jovem, mas ainda cauteloso, com um olhar desconfiado estou examinando a vida. A minha retina ainda não detectou o meu objetivo, mas de uma coisa tenho a certeza de que trabalharei, durante a minha vida toda, em benefício da humanidade. Sofrerei ofensas, talvez seja perseguido por divulgar a verdade.
Na minha mente surgem planos para trazer benefícios para toda esta gente, todo este povo que são meus irmãos. Não sei quanto tempo vou trabalhar em Rio Novo e quando tiver cumprido a minha missão aqui, não sei que rumo tomarei.
Leio muito e no meu pensamento surgem centenas de sentimentos e pensamentos e, através da minha cabeça, passam centenas de ideias e crescem muitas dúvidas; mas isto enriquece e fortalece todo o meu ser consolidando a minha base.
Não sei por que me conscientizei tão tarde. Em todos os setores eu me desenvolvi muito vagarosamente. Reconheço que não sou um individuo excepcionalmente bem dotado intelectualmente, tudo o que consigo aprender é à custa de muita força de vontade – mas isto pouco importa – para frente.
16 / VIII / 1922
DIA DE ALEGRIA
Ontem chegaram a Rio Mãe Luzia os meus pais vindo da Linha Telegráfica e este foi o meu dia de grande alegria. Até que por fim aquela loucura terminou. A Cornelia Balod chegou na escola e me deu esta notícia com muita alegria, dizendo: “Os Andermann chegaram”! A notícia foi tão boa e tão surpreendente que até custei de acreditar. Depois de indagar de várias pessoas, cheguei à conclusão de que os meus de fato haviam chegado. O João Karklis e a Lídia que casaram na Linha Telegráfica também chegaram, mas para o Rio Novo e se hospedaram na casa do pai dele, o tio Karklis.
Mas os meus como eles estão passando? Aquele grupo se dissipou como uma neblina soprada pelo vento e agora voltaram pobres e doentes. Hoje também recebi uma carta dos meus pais ainda escrita em Linha Telegráfica que, pelo seu conteúdo, provocou uma tempestade no meu pensamento e por vou guardá-la.
Hoje visitei o João e a Tereza. Eles estão tristes e abatidos. Fiz-lhes várias perguntas diretas e as suas respostas foram curtas e incisivas. Indagando se houve alguma mudança na sua vida espiritual – responderam que Rodolfo Andermann, nos últimos tempos, começou a falar com muita força de uma maneira muito estranha. No início houvera dúvida, mas quando ele insistiu, depois de muita desconfiança todos aceitaram de que o que ele dizia era a verdade. Isto certamente se referia aquela questão da dissolução do grupo de fanáticos.
Deixarei a escola por dois dias e vou a Mãe Luzia visitar a minha família.
VISITA A CASA DOS MEUS PAIS
No dia 18, depois da escola, a cavalo viajei para Mãe Luzia. Tomei o cavalo emprestado de Frischenbruder. Foi um dia tão lindo quanto quente e abafado. Cavalguei devagar absorto em vários pensamentos. O cavalo andava lentamente e trotava muito. Depois de passar por Orleans, escureceu, continuei o restante do caminho à noite. Estava tão agitado que o sono nem se aproximava.
Para descansar a velha montaria às vezes parava e me deitava, mas os mosquitos não davam sossego. De manhã bem cedinho cheguei a Mãe Luzia. Esperei os meus pais acordarem enquanto amanhecia e aproximei da casa com o coração angustiado.
A minha mãe foi a primeira a sair e ao me ver começou a chorar de alegria e por muito tempo me beijou e abraçou contra o seu peito. Depois saiu o meu pai sorrindo e até o Julinho saltitava de alegria.
Cumprimentei todos, um a um. A minha mãe me disse que veio ansiosa para me encontrar, mas quando chegou a Mãe Luzia e soube que eu havia ido embora sentira tristeza no coração. Todos demonstraram grande amor, carinho, estavam falantes e o encontro foi jubiloso.
Na mesa da família novamente comíamos juntos como nos velhos tempos. Julinho disse: “O nosso alimento vem através das portas e das janelas”. Eles estão pobres e não tem mais nada: “Pois tudo que eles possuíram, deixaram pela causa do Senhor”, conforme declarou o meu pai.
Quando saíram da Linha Telegráfica de volta para Mãe Luzia os Strauss não se lembraram de devolver nada do que tinham levado e dado para a coletividade. Além disto, eles ficaram com o celeiro cheios de espigas de milho muitos sacos de arroz, 25 bovinos, novas construções e um moinho de farinha e beneficiar arroz. Até a roupa com que regressaram era a mesma com a que tinham ido para lá.
Houve compra de fazendas para a coletividade, mas os da minha família como os mais humildes, não souberam amealhar nada para si próprios; outros se aproveitaram e costuraram roupa até para encher baús.
Lá eles passaram dias negros. Todos os usos e costumes foram copiados da vida diária que os Strauss levavam, por que eles eram os anfitriões. Na mesa conjunta as refeições tinham de ser devoradas com rapidez e silenciosamente. Aqueles que não tinham dentes ou os tinham em mau estado e não tinham aprendido a “engulir” como os Strauss, se alimentavam parcialmente.
A todos eram atribuídos trabalhos e obrigações como tarefa de tempo determinado e havia os “fiscais” encarregados de vigiar o desempenho. Deitavam-se para dormir às 9 horas e a alvorada era tão cedo que muitas vezes, feita a reunião matinal de orações e tomado o café, ainda estava escuro e tinham de aguardar o nascer do dia para irem ao trabalho na lavoura, isto tudo sem receber qualquer recompensa pecuniária.
Logo que a Ida casou-se com o Rodolfo ela tirou o corpo da liderança alegando que agora era uma senhora casada obediente ao marido.
MINHA MÃE
Tornou-se pálida e fraca, surgiram muitos cabelos brancos, perdeu o sono e ficou com o sistema nervoso totalmente abalado. Ela esteve enferma de impaludismo a ponto de querer morrer. Não conseguia comer quase nada, chegou a ficar inchada e já estava cheirando a defunto. Chegou a olhar a morte nos olhos, mas que a sua fé a havia salvado.
O MEU PAI
Ele perdeu quase todos os dentes e parece muito envelhecido. Está amável como nos antigos tempos, sorri e parece feliz. Também ele adoecera de impaludismo.
MELY ZELMA
Ela está admiravelmente desenvolvida. O seu rosto está cheio de sardas e por isto não parece tão bonito. As suas cordas vocais ficaram danificadas irreversivelmente por causa daquela gritaria nas reuniões de fanáticos durante aquele período abominável, mas ainda me deu o testemunho do amor de Jesus e parece estar feliz.
O TEÓFILO
Ele cresceu, mas moderadamente. Está pálido. Os dentes estão em ruínas e a sua vozinha também está danificada por causa daqueles excessos de gritaria da Linha Telegráfica. Também padeceu longo tempo com impaludismo. Queixou-se que teve de trabalhar carregando pesados feixes de rações de capim, por ele mesmo cortados, da roça para local distante onde estavam os estábulos para alimentar os animais; quando lhe faltaram forças devido a enfermidade, a Ida através daquelas línguas o destratara chamando-o de malandro e preguiçoso. Apesar disto está esbelto e bonito, mas muito circunspeto e declarou que lá, naquele lugar, o que ele mais fazia era chorar.
CLAUDIA
Está pálida e parece uma brasileirinha. Também estivera a morte por causa daquela malária e chegou a ficar tão exangue que não conseguira mais caminhar de casa para a cozinha.
Lá nenhuma assistência médica ou de remédio era permitida.
JULINHO
É alegre, despreocupado, esperto e vivo. Também ele se desenvolveu. Já sabe ler, mas não sabe escrever. Ele é saudável e é a minha alegria.
20 / VIII / 1922
Esta chovendo. Fizemos culto em casa. Ainda orava-se em fila ajoelhados no chão com o rosto no assoalho. Não se falavam mais aquelas línguas nem se pulava ou dançava. Só se admitia dançar por motivo de alegria. Ainda se cantavam aquelas cantigas espirituais que foram iniciadas por Rodolfo, e, que já foram passadas para o pentagrama que são cantigas curtas, mas muito espirituais.
À tardinha fui à casa do Zeeberg e arranjei dinheiro e dei 50$000 para ajudar os meus pais. Combinei com João Frischenbruder que ele me daria aulas de álgebra por correspondência.
O Rodolfo parece à mesma coisa de antigamente. Ele foi poupado do trabalho pesado, enquanto os outros trabalhavam na roça, fazia alguma coisa em casa. Foi ele quem construiu o moinho. A minha avó Ana, esta sim sofrera muito, mas agora contente, apenas lamenta que o tio João e a Lina vão embora para Nova Odessa, pois já venderam as terras que possuíam aqui.
Minha mãe falou-me que quando o Rodolfo começou a falar para irmos embora de Linha Telegráfica, então por algum tempo ela deixou de entender e acreditar que isto realmente aconteceria, por que até então, repetidas vezes, todos haviam falado que aquele grupo não se separaria mais. Finalmente acordara como se isto fosse um sonho e que então no seu ouvido soaram as palavras de um poeta que dizia:
“Tudo isto foi apenas um sonho”.
Que não merece consideração”.
‘No domingo à noite iniciei a minha viagem de volta para o Rio Novo. O tio João e a tia Lina vão embora na segunda feira. Também no meu ouvido soava:
“Life ist but a empty dream”
(a vida é apenas um sonho vazio).
07 / IX / 1922
A festa dos 100 anos de independência estão sendo festejados no Brasil com grande entusiasmo. Esta é uma data excepcional. Independência como tu é cara e quanto és bela. Tu solidificas a nacionalidade dos povos que é à base do seu desenvolvimento. Que cada um tenha escrito no seu coração esta palavra “A Liberdade”.
O meu desejo é para que os povos conquistem a verdadeira liberdade, unidade e irmandade.
Os tempos passam, mas permanece a história que é a memória do passado preciosa e sagrada, mas, oh povo Brasileiro, não olha tanto para traz. O teu verdadeiro objetivo é o desenvolvimento no futuro. Avante! Avante!
Seja este o seu grito de ordem neste dia sagrado – sempre Avante!
O João Karklis e a Lídia Tereza que voltaram de Linha Telegráfica para o Rio Novo, agora vão mudar para Mãe Luzia.
Mamãe escreveu uma carta dizendo que está passando bem. Para ajudar, os vizinhos, mandam uma coisa e outra a fim de ajudar neste novo início de vida e avisaram que estão dispostos a suprir tudo que estiver faltando.
Diz que o Julinho está sempre falando que quer vir ao Rio Novo para estudar comigo e que o Teófilo esta roçando campo para plantar.
Neste mês, aqui na escola, iniciamos o estudo da gramática portuguesa. Faremos traduções do Letão para o português, mas os meninos ainda estão estudando a pronúncia.
A minha vida corre pacífica, mas não tenho a paz de espírito por que sou um pesquisador.
17 / IX / 1922
Hoje a Mocidade da Igreja teve uma sessão para tratar de assuntos administrativos. Os jovens trocaram ideias acerca de festejos que acontecerão no próximo mês que abrangerá também o Jubileu de Prata dos 25 anos de existência da Congregação Batista do Rio Novo. Queremos dar muito brilho a esta solenidade. A ideia de que a entrada fosse mediante convite pago, não vingou, por que Alexandre e eu protestamos.
Houve a eleição da nova diretoria e embora eu tivesse recusado por motivos fortes fui eleito o Presidente da Comissão organizadora que terá muito trabalho pela frente.
Também temos de deixar tudo anotado para preservar a história desta Colônia. Houve muita desordem por que muitos conversaram e riam entre si, mas o presidente desta sessão consultava um e outro, mas não conseguiu a sua finalidade principal, que é a de disciplinar a sessão. No próximo ano queremos mais ordem e eficiência nos trabalhos.
Finalmente J. Zanerip propôs que as uniões de jovens, homens e moças, que agora estão separados fosse reunidas em uma só, no que foi apoiado por unanimidade.
Tarde da noite, quando voltei para casa, chovia. Havia muita escuridão, o caminho esteve escorregadio e eu levei dois tombos.
25 / IX / 1922
Na minha vida acontecem muitos milagres e este acontecimento de que irei morar nas dependências do pastor da Igreja foi um deles. Na casa de Alexandre Klavim eu estava muito à vontade por que podia tocar o harmônio nas horas de folga; mas todos os dias eu tinha de gastar 40 a 45 minutos para fazer o percurso de ir e voltar à escola perto da Igreja. Sempre desejei morar naquela casa, mas lá estavam os alemães. Hoje eles se mudaram e imediatamente quero ocupar este espaço vazio. Deles eu comprei várias músicas.
Agora já me encontro morando na casa pastoral. O primo Ernesto trouxe os meus livros e hoje acabei a mudança, eu mesmo, trazendo a minha roupa.
Fui visitar a minha tia Karklis que me cedeu roupa de cama e também providenciou comida. Fui a Orleans e comprei utensílios de cozinha.
Gosto destes aposentos onde eu passei toda a minha infância quando meu pai aqui ainda era o pastor. Vejo quanto à vida muda de rumo, se agita, segue em frente de acordo com a vontade de Deus.
30 / IX / 1922
O CASAMENTO DO PRIMO FILIPE
Terminada a escola, vesti o terno apropriado e fui para a casa dos Karklis. Os convidados vieram chegando e breve, a cavalo, vieram os nubentes de Orleans, com o seu séquito nupcial. Tudo estava enfeitado de flores e mesa estava posta com fartura.
Cantamos, tocamos música e conversamos. Eu não estava alegre por que o meu coração estava lânguido.
Adoro lecionar na escola, mas é difícil ensinar as crianças a ler e quando escrevem também tudo está cheio de erros. Já estou trabalhando há 3 meses, mas os resultados estão aquém do que eu esperava. À noite estudo para me preparar para aquelas provas de suficiência que terei de prestar em Orleans.
08 / X / 1922
Todas as boas coisas surgiram em conjunto. Chegou o missionário A B. Detter que dirigiu o culto e recomendou a Congregação que apoiasse o Carlos Leiman no trabalho dele de pregar o Evangelho em Tubarão. A Igreja prometeu ajudar. Este irmão já realizara várias reuniões em Tubarão mesmo contra a vontade do padre que chegou a solicitar do Chefe de Policia para que isto fosse proibido, mas sem resultado. Tentou insuflar os paroquianos contra, mas também sem êxito. Amanhã de noite ele vai fazer novo culto de evangelização e o nosso coro vai, de trem, para cantar. Informou que houve muito interesse daquele povo.
Hoje de noite fundamos uma União de Mocidade juntando os moços e as moças num grupo único. Houve eleição para 9 membros da Diretoria e para mim coube o posto de regente substituto do coral.
16 / X / 1922
A FESTA DA MOCIDADE
Fui eleito para dirigir estes festejos. Preparei-me cuidadosamente, mas quando o programa teve início eu me senti fraco, cometi vários deslizes; mas o meu desejo foi que a mocidade se aprofundasse mais nas coisas de Deus e volvesse o seu olhar para aperfeiçoar a sua ação no futuro.
O programa foi rico de conteúdo; muitas músicas tocadas, muito canto coral, poesias, tudo entremeado de citações, de forma que o tempo se esgotou e a segunda parte teve que ficar para o próximo domingo. J. K. Frischenbruder teceu muitos comentários a respeito da nossa história.
O templo estava lotado e o público atento ao programa demonstrava de que todos estavam satisfeitos. O meu desejo é de que ele traga muitas bênçãos.
22 / X / 1922
Hoje houve a apresentação da segunda parte do programa. Pedi para que me tirassem da direção dos trabalhos por que, por causa daquela questão da entrada paga, fui mal entendido, mas não me dispensaram. A casa novamente estava lotada e todos aplaudiram e tudo isto me deixou muito contente graças a Deus.
26 / X / 1922
Acompanhado de João Salit fui a Orleans onde um professor me interrogou e disse que iria me encaminhar para Laguna a fim de realizar aquele exame. Eu escolhi o início de dezembro para fazer esta prova por que assim terei mais tempo para me preparar e me sair melhor – isto é muito importante para mim.
NOVEMBRO
Gasto muito pouco com a manutenção da minha vida. O meu salário é muito modesto, mas fazendo economia da para viver. No mês passado comi 3 broas de pão, consumi 10 dúzias de ovos e uma garrafa de leite por dia. Também recebi muita coisa de presente mandada pelos pais dos alunos. Gastei com a alimentação 14$200 (quatorze mil e duzentos reis).
DEZEMBRO
Há bastante tempo, eu, na minha escola, tenho apenas 6 alunos. Até parece que eu sou um professor de aulas particulares. Não tenho muito que fazer. Acabei dando demais liberdade para os alunos e por isso eles se tornaram desobedientes. Chego a conclusão que devo ser mais severo, mais intransigente.
Na nossa escola existe muita alegria, entrei nuns trilhos de dar aulas, como aconteceu em Nova Odessa, onde alegria se tornou em algazarra que assim é prejudicial. Alguns casos de desobediência tive que punir.
Os meus alunos se queixam que tem pouco tempo para estudar, por que tem de trabalhar na lavoura para ajudar aos pais e por isto chegam à escola sem as lições de casa cumpridas. Então se torna difícil repreender; mas às vezes reclamei e impus as tarefas por que, às vezes, não havia saída, pois relaxavam tanto que perdiam o fio da meada, perdiam a vontade de estudar, tornavam-se desobedientes e com preguiça mental.
Vamos começar a estudar o idioma inglês e por isso os alunos ficaram muito animados, mas eles não imaginam como é difícil de se aprender uma língua extra; as primeiras lições receberam com muita boa vontade, mas será que serão insistentes?
A alimentação, para mim, fica cada vez mais barata; o João Salit e outros me mandam comida já preparada e pronta feita em casa. Em outras escolas, este mês já é de férias. Também espero receber estas férias e nelas tratarei de trabalhar outro serviço manual que pretendo executar com muito prazer.
Todos os dias estudo o português por causa daqueles exames que vou prestar, mas tudo me corre bem e estou alegre.
03 / XII / 1922
Ontem recebi carta dos meus pais dizendo que me esperam ansiosamente e em todos os dias falam no meu nome, mas o tempo vai ser curto, porque terei apenas uma semana de férias; mas logo em seguida deste pensamento o Salit me disse que, a partir da próxima semana, posso me ausentar até o 1° de janeiro. Por isto espero, brevemente encontrar com a minha família. Vou ajudá-los nos trabalhos da lavoura e quando voltar vou trazer o Julinho comigo para completar a alfabetização na minha escola. Assim mudam-se os tempos e com eles o destino.
Recebemos a visita de Carlos Leiman que declarou que não vai ficar em Tubarão, mas continuará lá até o levantamento de dados estatísticos.
08 / XII / 1922
Hoje, os meus melhores alunos prestaram os exames anuais onde somei a média das notas mensais:
Gramática
Português História do Brasil Comportamento Aritmética História da Látvia Língua
Leta Ciências
Naturais Geografia
Eduardo Salit 86 74,5 80 77,2 85 78,8 80 75,2
Clara Salit 78 77 89 75,7 65,7 79,8 77 78
Cornelia Balod 80,5 79 89 74 80 74,5 77,5 82,4
Alice Slengman 68 82,6 100 68,4 85 73 75,5 81,4
09 / XII / 1922
Acabaram-se as aulas, entramos em férias; fato este que nos alegrou muito porque depois de um trabalho diligente, o descanso é merecido. Durante a metade do ano nós alcançamos resultados – prêmio pela nossa luta e agora vamos descansar e depois reiniciar a batalha contra ignorância. As crianças cansam com facilidade e este espaço de tempo livre é necessário para repor as energias. Quando eu mesmo adolescente frequentava a Escola de Nova Odessa, então muitas vezes, o estudo me parecia insuportável, monótono e demorado. Lá, todos os alunos trabalhavam na lavoura, inclusive eu; por esta razão, para assimilar as matérias, cansado, ainda assim tinha de estudar até tardes horas da noite. Cheguei a pensar: “será que eu não poderia imitar os outros que apenas trabalham. Por que devo estudar”?
Pensamentos semelhantes certamente se insinuam no pensamento de todas as crianças; então quanto é agradável o descanso.
Quero também fazer uma observação retrospectiva sobre este meu trabalho. No fim do ano apenas 6 alunos continuaram a frequentar a escola: Eduardo Slengman, Lídia Balod – na classe dos iniciantes – e os quatro já mencionados – porque os filhos de Zanerip, depois daquela festa da mocidade, deixaram de estudar. A classe mais adiantada, na aritmética, decorou a tabuada de multiplicação e no final já sabiam trabalhar com frações. Também no aprendizado das gramáticas Leta e Portuguesa, nós passamos por toda a lexicologia. Na geografia estudamos todos os continentes e como já disse, ultimamente iniciamos o estudo do Inglês. Observando os meus alunos do ponto de vista da psicologia, vejo neles algumas falhas inatas. O Eduardo Slengman é chorão; ele é capaz de verter lágrimas por qualquer bobagem e quando o deixava de castigo ele chorava de raiva e sacudia a mesa como um débil mental; mas a sua natureza era muito boa.
Eduardo Salit é um cabeçudo. Ele é muito aquinhoado e o seu poder de memorizar é impressionante. No fim do ano ele perdeu o ânimo e tornou-se desobediente. Eu dou aos meus alunos muita liberdade porque não quero limitar o seu desempenho e a tendência que devem se desenvolver espontaneamente, mas exigi exatidão nos resultados e quando isto não acontecia – muitos alunos perderam o recreio. Estou me separando deles com tristeza e não sei por que motivo espero tanto deles.
23 / XII / 1922
Outra vez estou na casa paterna. Do tio Karklis tomei emprestado o cavalo e do Frischenbruder a sela. Iniciei a jornada cedo de manhã, mas o cavalo era vagaroso e a viagem foi lenta, embora o tempo estivesse nublado e a estrada enxuta. Cumprimentei a todos, mas não me sentia feliz. Ao chegar a Mãe Luzia, junto com os meus irmãos fui tomar banho no velho rio e eles aproveitaram a oportunidade de estarem longe dos pais, então me contaram coisas terríveis que aconteceu com eles na Linha Telegráfica. Quero anotar vários acontecimentos: numa ocasião ao ser distribuída a sobremesa a profeta Ida colocou, no seu prato, uma porção maior de uma guloseima. Uma irmã participante do grupo, depois comentara este fato levando a mal este procedimento. Os espiões certamente contaram a interessada.
Na próxima reunião, por intuição do espírito, a Ida proibira, daquele dia em diante, a cozinhar aquele doce novamente. Através da profetisa Ida aquele espírito, ordenara a Teófilo, que ele devia conseguir ração para os cavalos, então ele subia pela margem do rio para cortar um capim mais viçoso, mas quando trouxe o fardo a velha Strauss mandou que aquele pasto fosse servido para os bezerros. Depois ele teria de entrar na floresta para apanhar tais e quais ervas, então ele entrou no mato onde colheu um novo feixe; mas quando entregou aquela carga, lhe disseram que não era suficiente e ele deveria conseguir mais.
A Ida tomara muita antipatia por ele a ponto de odiá-lo, e naquelas rodas de culto falava mal dele abertamente. Ela dissera de que ele era um glutão que devorava a comida e de que era mal comportado. Além disso, sempre ralhara com ele dizendo que ele era um caso perdido.
Numa outra ocasião o Teófilo estava dormindo sono solto quando acordou com a minha mãe gritando por socorro com todas as forças dizendo que o seu fluxo sanguíneo estava parando na cabeça e de que temia um colapso; mas vendo este desespero a Ida ainda mandou todos pularem em sinal de louvor.
Se alguém do grupo demonstrasse qualquer desanimo e gemesse, então todos os participantes da reunião deveriam gemer também em coro; mas ao contrário, se alguém dos presentes desse um grito desvairado de alegria – todos deveriam acompanhar como loucos. “Gritai com todas forças, por que quem não gritar, perecerá” dizia Ida. Na mesa das refeições a família dos Strauss engolia o alimento com a maior rapidez possível e quando eles terminassem a refeição, todos os outros do grupo deviam agradecer e sair da mesa.
Os membros da minha família não estavam habituados a esta maneira selvagem de se alimentar, então passavam fome. A minha mãe fora submetida a um jejum involuntário por que, período antes do ataque de febre malária estava na hora de comer e não sentia fome, mas depois de passada a crise, não dispunha de alimento fora do horário. Debilitados pela malária, depois todos sentiam muito apetite, mas não dispunham de forças para trabalhar; então eram acusados de “comilões e malandros”. Eles não levavam em consideração o fato de que minha mãe sofrera aquela terrível enfermidade precisava de tempo para convalescer, pois apenas conseguia costurar alguma coisa e isto mesmo a custa de muito esforço.
A Ida a tudo isto inspecionava de um plano superior e iniciara uma campanha de acusação pública contra a minha família naquela roda de reuniões.
Numa ocasião quando a minha irmã Mery Zelma tivera um período de dúvida sobre aquele comportamento e sofrera luta no íntimo da sua alma; então a profeta resolveu esta situação através do espírito, mandando que, dormisse três noites despida, em sua companhia. Ela mesma despira a Mely Zelma as vistas do tio Rodolfo, que foi então convidado a se retirar do aposento ao ser tirada a última peça de roupa íntima.
Passado este episódio, dia seguinte, na reunião daquela roda o espírito mandou que ela mesma, a Ida e o Rodolfo deveriam dormir juntos a partir de então. “Vocês devem lembrar-se do mandamento de Deus que diz” – “aqueles que foram unidos por Deus ninguém deve separar”. “A eles é permitido, por intermédio de Cristo, a se amarem inocentemente como se crianças fossem; aqueles casados no Registro Civil e que durante toda a vida estiveram se prostituindo aqueles não seriam capazes de entender a pureza deste gesto por que trazem aquelas regras bíblicas no coração”. “Dormindo juntos é que se aprende a vencer a maldade” doutrinavam a Ida e o Rodolfo.
Quando toda a comunidade começara a tecer comentários e surgir dúvidas sobre este comportamento, então veio ordem para que todos dormissem juntos. Então estendiam esteiras no assoalho e lençóis e a própria Ida juntava os casais para passarem a noite dormindo juntos, alternadamente; mas ela mesma e o Rodolfo formavam um par constante.
Todos aqueles que não cumprissem as ordens de Ida literalmente era odiados; mas aqueles que cumpriam tudo sem discussão eram os bons.
Uma moça que se chamava Mina, que impressionava pela sua beleza, era terrivelmente invejada, a ponto da Ida proibir os homens a falarem com ela dizendo: “quem falar com ela está na perdição eterna; o homem que falar com ela será tolhido pela ambição da carne, ela é imunda, etc”. mas a Mina não entendia o porquê deste desprezo e continuava orar e a jejuar cada vez mais, mas não conseguia misericórdia.
O Eduardo Selmanis, velho Strauss e minha mãe sofreram muitas injustiças. Numa ocasião trabalhando na lavoura as crianças comentaram entre si sobre os acontecimentos e uma menina, a Olga, dissera: “eu não acredito que este espírito seja de Deus, por causa do que acontece com o Eduardo”, quando, atrás de uma moita surgiu um vulto (talvez Matilde) e já no culto da noite, naquela roda, a Ida sentenciou: “Olga e as outras crianças estão destinadas à perdição e ficarão a mercê do anticristo que os conduzirá e entregará ao “João Louco” para serem perseguidas, mutiladas pelos demônios, transvertidos em porcos e outros animais selvagens”.
Acontece que o meu pai ainda mantém a sua convicção inalterada. Ele defende tanto os acontecimentos da Linha Telegráfica que lamenta ter tido de regressar a Mãe Luzia. Ele está irremediavelmente embutido desta doutrina. Falei muito com ele, mas não discuti nem dei respostas, porque ele é o meu pai que me gerou e eu o estimo e o respeito. Agora ele está me ensinando o Inglês e descobri que ele domina este idioma com perfeição.
O tio Rodolfo retornou para a Linha Telegráfica para apanhar a Ida com quem está casado e vai trazer os sogros e mais outros parentes. Com ele sim, eu falaria palavras ásperas e duras. Não acredito que eles possam viver juntos em paz e estão falando que o Rodolfo vai mudar para o Braço do Norte.
Estou tomando aulas com J. K. Frischenbruder e dei um bom impulso em aprender línguas. Domingo, junto com os meus irmãos, fomos a Escola Dominical Batista. Eu não estava preparado para falar, mas assim mesmo me obrigaram a dirigi-la como também o culto. À tarde vieram os velhos companheiros trazendo os seus instrumentos, então tocamos muitas músicas.
Durante o dia eu trabalho na lavoura o que me parece agradável por que me sinto bastante forte.
Todos os meus irmãos continuaram a se lamentar sobre os acontecimentos da Linha Telegráfica, que não vou anotar, porque tudo isto me magoa e revolta profundamente.
Acabaram-se as férias e ao voltar para Rio Novo levei comigo a irmãzinha Claudia, o violino, a cítara e um pequeno armário para guardar os meus escritos.
NATAL – 25 / XII / 1922
Na Igreja Batista de Rio Novo, iniciamos os festejos ainda a luz do dia para que não entrassem muito pela noite adentro. Pois o Zeeberg que dirigiu o programa e se desempenhou da incumbência com muita beleza.
Todos os meus alunos participaram da apresentação, mas poucos conseguiram o sucesso desejado, mas também não ouve as monótonas falas de esclarecimento. No fim da festa cada aluno recebeu um embrulho com presentes.
No dia seguinte fui a Orleans procurar o meu processo pedindo prova de suficiência para ser professor que foi indeferido, por que faltava anexar outros documentos. O Salit me aconselhou voltar lá outra vez para anexá-los.
Retornei no dia 28, mas apenas consegui o Certificado da Polícia, mas ainda era necessário o Atestado Médico e este somente poderia conseguir em Tubarão como também o Atestado de Vacina contra a varíola. Dormi em Orleans para no dia seguinte, às 6 horas, tomar o trem para Tubarão. Chovia e ainda estava escuro como breu a ponto de mal enxergar o caminho que estava muito escorregadio e foi por sorte que não levei tombo. Cheguei à Estação molhado. Chegando a Tubarão, lá também chovia. Procurei a casa do Dr. Otto Tearschite, mas a empregada me disse que ele já havia ido para o hospital, mas lá chegando, ele também não estava; então todos nós que estávamos esperando soubemos que ele estava em outro local e somente apareceria de tarde.
Durante o dia todo fiquei na varanda do hospital esperando, até que ele chegou de tarde. Então ele me atendeu e disse que o Atestado de Saúde ele me daria, mas a vacina eu teria de tomar em outro local.
Passei a noite no hotel; lá encontrei um suíço engenheiro de profissão, que no desempenho de sua especialidade, havia viajado pelo mundo todo. Era um homem respeitável, de coração aberto, mente científica – falamos sobre arte, política e finanças. Se em toda parte existissem pessoas assim instruídas, com quem trocar ideias eu ficaria respeitado.
De posse dos atestados, voltei para Orleans a fim de completar a documentação; mas então surgiu outra exigência – a da naturalização que também somente poderia ser conseguida em Tubarão.
Em consequência desta exigência, resolvi voltar na outra semana. Na outra investida um funcionário me mandou falar com outro e este para o terceiro, até que fui informado que teria de requerer o documento na Secretaria do Interior do Governo de Santa Catarina; mas aconselharam que eu contratasse os serviços de um advogado. Já tendo despendido 46$000, não me sobrou mais nenhum tostão e voltei sem ter conseguido qualquer êxito. Esperava ansiosamente para prestar aquela prova imediatamente, mas agora, nem sei se isto será possível; por causa disto fico angustiado.
À tarde encontro o Senhor Evaristo – ele me deu esperanças de conseguir o documento, mas com a condição de propagar a sua candidatura para eleição de Comissário.
31 / XII / 1922
Consegui ser eleito delegado da comunidade Leta. Hoje na hora de reunião na Igreja falei em favor do Sr. Evaristo como Superintendente. Defendi a sua candidatura com todo empenho, embora ele não fosse simpático aos mais velhos – mas consegui convencê e finalmente me elegeram como mensageiro desta comissão.
SALVE 1923
VIVER É LUTAR CONTRA AS FORÇAS DAS TREVAS QUE HABITAM EM
NOSSOS CORAÇÕES E NAS NOSSAS MENTES – Ibsen.
Neste ano ainda não escrevi coisa alguma porque até agora nada de especial aconteceu. Por razões desconhecidas, nós os delegados políticos não fomos mandados para Florianópolis; somente tivemos o trabalho de ir e voltar a Orleans.
Escrevi aos meus pais que me mandassem a minha Certidão de Nascimento e alguma orientação sobre a minha naturalização, se a soubessem, mas a resposta que recebi de pouco adiantou. Por causa deste destino adverso vejo que não terei a possibilidade de prestar aquele exame de suficiência.
Depois de um mês de férias reiniciamos as aulas no dia 8.
No dia 17 o Gustavo me mandou uma carta de Conrado Frischenbruder, com a proposta para que o primeiro que fosse viajar para Nova Odessa, levasse a minha irmã Mely Zelma junto. Sobre este assunto escrevi longa carta para a minha família que foi levada em mãos pelo Jacob Karklis. O Conrado resolveu retornar para Nova Odessa e para encaminhá-la junto, esperava que ela chegasse até segunda feira, dia 27, mas ela não apareceu. Claudia então supôs de que ela não viajaria; mas na minha mente estava claro de que ela viajaria.
No dia 31 não houve aula por que tive de ir a Orleans ao encontro dos homens do Governo, a fim de rogar uma licença permitindo o funcionamento da escola. Quando voltei encontrei a Mely Zelma e também o Julinho que já estavam com a Claudia o que me causou um misto de alegria e admiração.
Mely Zelma disse os pais terem-lhe permitido viajar. O tio Rodolfo como o guia espiritual daquela seita opôs forte resistência ao plano. Falou que depois de voltar de Linha Telegráfica ele se empenhou para apanhar todos os bens materiais só para ele. Que as suas pregações ainda continuavam estranhas.
Tive a impressão que estava vendo a Mely Zelma pela última vez. A despedida é sempre dolorosa, dolorosa, dolorosa. Ela cresceu está esbelta e muito linda. Agora em Mãe Luzia, além dos meus pais só resta o irmão Teófilo.
Lemos que no Rio Grande do Sul estourou uma revolução e o Município de Orleans também se rebelou; isto porque o nosso povo não suporta mais o Governo dos Nunes que cercado pelos irmãos e parentes é os líderes. O tal de Evaristo em Orleans não passa de um simples moço de recados que apenas sabe fazer promessas que acaba não cumprindo. Ultimamente eles criaram muitos impostos novos.
18 / II / 1923
Os italianos, em grande número, foram ao povoado de Orleans, armados cercaram o edifício e obrigaram-no a assinar uma carta de renúncia ao cargo. Mas sorrateiramente telegrafou para Florianópolis dizendo que o povo havia se levantado contra o Governo e no mesmo dia foi mandado um pelotão de soldados armados comandados por um tenente.
Esta renúncia tinha sido exigida pelo outro Partido Político, inimigo daquele no poder, mas que também eram pessoas respeitáveis; com a chegada dos soldados, a promessa da renúncia não foi cumprida.
Por isto a revolta continuou na segunda feira, dia 19; a partir do meio dia todos os colonos foram avisados para comparecerem e informados que a cavalo, devia dirigir-se a Orleans. Neste dia à noite, na Igreja Batista estava programada uma reunião extraordinária para a discussão dos assuntos da mocidade e devido ao levante, não pudemos acender as lâmpadas e a reunião não se realizou; mas do lado de fora do Templo, estávamos vendo que, silenciosamente, uma grande multidão se reunia.
Na minha mente surgiram vários pensamentos. Fiquei admirado pelo fato de que, assim repentinamente, sem qualquer agitação ou propaganda, um tão grande número de pessoas entusiasmado conseguiu reunir-se em torno do mesmo problema, espontaneamente.
Os principais agitadores eram os Poloneses que até prometiam vingar-se contra os omissos. Eu me aconselhei com o Salit e o Karp que era melhor que eu também aderisse à causa.
Os Letões sob o pretexto de apanhar armas e devidamente guarnecidos, cerca de 8 pessoas e às 13 horas partimos para o local da contenda, numa linda noite iluminada pelas estrelas, que brilhavam em qualquer espaço do céu que se olhasse. Nós marchamos trocando ideias tentando prever os acontecimentos.
Em frente do Moinho do Arthur Paegle, vimos postados guardas armados que nos animavam: “sempre em frente por que não vamos deixar recuar até a revolução da contenda”. Isto me soava estranho e eu já estava arrependido de ter ido tão longe. Sentamos no chão para descansar as pernas. Soubemos que no nosso grupo havia uns 250 homens que estavam dormindo no mato.
Corria o boato de que mais dois vagões da Estrada de Ferro haviam trazido soldados: “mas nós os aniquilaremos com os tamancos” diziam. Outros falavam que, no espaço entre nós e Orleans havia mais de 1500 homens em ordem de combate que eram chefiados por líderes competentes. Foi nos recomendado, que daquela hora em diante, deveríamos obedecer à voz de comando. Para onde se olhasse havia homens ostensivamente armados.
Chegaram mais outros Letões que nos cumprimentaram e mostraram satisfação pelo grande número de pessoas reunidas.
Por todo lado era comentado o motivo desta revolta que eram os impostos insuportáveis e desumanos com que o Governo havia sufocado a população. Alguns faziam caçoada; outros contavam prosa de valentia, mas eu pensei, como é ignorante este povo; se ao menos tivessem o cuidado de virem desarmados.
Eu sentenciei intimamente: “Quando o primeiro soldado der um tiro, todos eles fugirão pisoteando-se uns aos outros”. O maior parte deste povo veio obrigado ou enganado, por que piquetes armados entravam nas casas e conseguiam as adesões, sob ameaça.
O Vilis Elbert tinha a mesma opinião que eu e falou: “que a maior bobagem foi terem trazido armas – isto sim – deviam ter vindo apenas com a força moral, porque os fuzis dos soldados têm muito mais alcance e melhor pontaria do que as nossas espingardas pica-pau”.
Amanheceu. O nosso chefe Franklin comando: “avante”! Para principiar já foi difícil acordar todo o mundo. Os mais pobres, por estarem mal alimentados, sentiam-se mais fracos por que estavam mais tempo sem comer. Com uma imensa dificuldade acabamos reunindo todos e iniciamos o movimento para frente até o local determinado. Ocupamos uma quina da cidade, perto do rio, onde existiam umas casas e neste local deveríamos esperar novas ordens.
Agora a luz do dia conseguimos ver melhor os nossos companheiros. Lá estavam idosos que se moviam lentamente, mulatos desinteressados, poloneses de tez muito pálida, os italianos firmes e fortes, os letões de estatura elevada. Todos estavam abaixados porque o sol já começava a esquentar.
De surpresa chegaram a cavalo 3 homens; o primeiro montava uma mulinha muito bem tratada e encilhada, mas o cavaleiro parecia cansado. Ele impressionava pelo seu porte imponente, era robusto e de estatura elevada, uma fisionomia bonita e uma atitude determinada. Chamava-se João Gusman, era comerciante e um dos dirigentes. A sua fala era mansa e amável – era popular, logo que chegou foi cercado e cumprimentado por todos. Ele falou que nós iríamos entrar em Orleans às 10 horas e o sinal para o avanço seriam três tiros para o alto. Informou ainda que na cidade não havia mais de um Pelotão de 15 soldados comandados por um tenente e 8 policiais, que não ousariam resistir.
Então ele animou a tropa dizendo: “Nós temos de limpar Orleans destes canalhas”. Ele prometeu matar dois novilhos para dar alimento para todos. Dito isto ele foi embora, mas o seu pronunciamento nos animou e impacientemente estávamos esperando a hora marcada.
Todos os caminhos estavam guardados e não deixavam recuar. Um dos companheiros do grupo que entrou no mato para procurar um local e satisfazer as suas necessidades pessoais, quase foi morto.
Lá pelas 9 horas chegaram 8 soldados armados. Eles vinham marchando em nossa direção e isso foi suficiente para a nossa coragem desabar. A multidão não esboçou sequer um movimento. Agora os soldados vinham em marche, marche, alto e se aferravam ao chão, apontando as armas em nossa direção. A multidão começou a esconder as armas e muitos já às jogavam no mato. Franklin, o nosso líder gritou: “Eu sou o líder, sou o líder, e por isto tenho de fugir para não ser preso”.
Eu tranquilo fiquei parado próximo de uma casa; mas dos outros poucos ficaram nos locais combinados. A maioria fugia pela capoeira estalando os galhos secos que pisavam. Alguns fugiam pelas cercas que quebravam e outros – simplesmente pela estrada, a cavalo correndo e galope somente parando depois de chegar a casa.
Imediatamente os soldados cercaram os remanescentes e os desarmaram. O canivete que eu portava – joguei fora. Depois cuidadosamente os soldados juntaram as armas espalhadas pelo chão. Eu pedi ao tenente para me dispensar por que não tinha vindo voluntariamente e, além disto, era o professor da comunidade. Também foram soltos outros entre eles Auras e seu filho.
As armas foram juntadas em um monte. Ali havia pistolas Mauser revolveres, espingardas e facões. Os presos foram levados para Orleans. Na casa do Paegle encontrei outros companheiros então resolvemos subir no morro para ver o que aconteceria com os outros grupos. Estavam chegando prisioneiros uns depois dos outros. Eles andavam vagarosamente de cabeça baixa e pareciam desolados. O primeiro grupo apanhou de palmatória e todos perderam suas armas. Assim ficamos observando até às 11 horas e nada mais acontecendo fomos embora para as nossas casas.
O tempo estava muito quente. Estava cansado e faminto, mas achei graça e ri pelo fato de homens tomarem atitudes tão irrefletidas e bobas.
Mas o que aconteceu com o segundo grupo? Entre eles se encontravam alguns letões. Sobre eles os soldados marcharam às 10 horas. O tenente convidou um representante para parlamentar, não havendo resposta gritaram “mãos ao alto” no que foram atendidos e desarmados em seguida. Muitos fugiram, entre eles o dirigente principal, o Galdino. Prenderam o João Ghisoni; mas deste segundo grupo, ninguém apanhou de palmatória.
A FESTA DA IGREJA EM 20 / III / 1923
Fui encarregado de dirigir os festejos. Alguns rapazes enfeitaram a sala da Congregação com folhas de palmito. O programa curto e só constituído por cantos corais.
Ao abrir os festejos eu lembrei o mandamento de Deus: “Tu deveras alegrar-te nas festas; tu e o teu filho, a tua filha, o teu servo, a tua serva, o teu levita, o teu agregado, o órfão, a viúva e todos que estão atrás do teu portão”. Frischenbruder falou sobre a mansidão que devemos aprender de Cristo. O Slengman falou sobre o Seminário Batista de Riga no seu primeiro ano de atividade. O Auras nos mostrou os frutos da nossa Igreja que cresceram em forma de missionários que foram trabalhar no campo Batista, oriundos do Rio Novo.
MAIO DE 1923
Um bom espaço de tempo já passou como se fosse nas asas do vento; desejo anotar alguns acontecimentos.
10 / V / 1923
Hoje é um dia de festividade que passamos num piquenique junto da verde natureza. Na parte da manhã apresentamos um programa nas dependências da Igreja. Os adolescentes, com muita coragem declamaram poesias, mas os jovens da classe Bíblica nada apresentaram. O Julinho se apavorou e ficou olhando para o espaço sem encarar o público e não conseguiu declamar. Depois fizemos brincadeiras e jogos de correr, como costumavam fazer os jovens Batistas nas horas de lazer e ficarmos conversando em grupo.
21 / V / 1923
Hoje é dia de Pentecostes que nós transformamos em festa de louvor através de cânticos. Isto está acontecendo pela primeira vez no Rio Novo em virtude do estímulo de João Zeeberg. Para esta apresentação preparamo-nos durante bastante tempo ensaiando.
Chegaram visitas de Nova Odessa – São Paulo – o Alexandre Arajuns e o Teodoro Klavim, que a mim também visitaram. De Mãe Luzia vieram Osvaldo Klava e o Alberto Books e estes encontros trouxeram felicidade para todos.
Eu tive a satisfação de dirigir o programa dos festejos. O coro da mocidade cantou 13 hinos; também ouvimos solos. Acompanhados do harmônio, dois violinos tocaram dueto de uma musica de Weber e outras composições. É pena que nós não tivéssemos tido a oportunidade de ouvir um artista “virtuose” para elevar ainda mais a apresentação destes números.
11 / VI / 1923
Despedi-me de Alexandre Arajums que está voltando para Nova Odessa cuja visita foi muito agradável e deixa saudades. Pelas suas mãos mandei cartas para a Lídia e o Eduardo. Mandei para o João Karklis 20$ para pagar vários livros que encomendei.
Na escola estamos fazendo uma recapitulação de todas as matérias para os exames de fim do mês.
16 / VI / 1923
Recebi uma carta do meu tio Balkit, dos EUA com a promessa de me ajudar na minha emigração para aquele país que em mim despertou sentimentos estranhos. “Será verdade que um dia vou morar naquele país rico”? para mim seria um acontecimento oportuno. Foram também convidadas a minha tia Paulina e a minha avó Ana, mas não sei se elas vão aceitar; mas para mim não quero outra coisa.
22 / VII / 1922
O FALECIMENTO DE ALBERTO GRIKIS
Esbelto, jovem, estatura elevada, um olhar expressivo e despreocupado, foi meu vizinho e se dedicava a lavoura. Ele já estava há bastante tempo sofrendo de uma moléstia crônica que deixou o seu rosto cinzento, mas agora apanhou influenza que apagou a vida dele. Antes de fechar os olhos para sempre, despedira-se de cada um individualmente expressando a esperança de um novo encontro no céu.
Hoje acompanhamo-lo para o local do descanso final. Frischenbruder falou palavras de consolação, mas todos os presentes verteram lágrimas de saudades por aquele que partiu.
A PREOCUPAÇÃO DO MEU PAI
Ele me escreveu que falou com o Escrivão público para ver se conseguia uma Certidão da minha idade, que seria elaborada como se eu tivesse nascido no Brasil e assim garantir o meu Passaporte para minha viagem para a América. Foi feliz nesta tentativa e a Certidão da Minha Idade e a minha carta onde eu expressava a minha vontade de viajar, ele mandara para o Balkit, ficando estabelecida à data de 26 de outubro, mas não tenho certeza de que vou conseguir me preparar até lá; se não – terei de viajar em 1924, por que nesta data parte o determinado navio da Companhia em que vou viajar.
A Mely Zelma também escreveu uma carta de São Paulo dizendo que está trabalhando na casa de patrões alemães, servindo à mesa. Ela goza muita liberdade e ganha 70$000 por mês.
O PEQUENO EUGENIO SALIT
Tudo parecia correr muito bem; toda manhã o Eduardo e Clara vinham para a Escola, sempre alegres e as suas presenças me traziam algo muito querido ansiosamente esperado. Mas hoje é sexta feira. O tempo está desagradável, mas assim mesmo a aula na Escola foi iniciada. Aguardo apreensivo a chegada deles, mas eles não vinham… e nada. Hoje acordei muito cedo, de noite havia sonhado com cavaleiros e depois que acordei não consegui mais dormir. Pensei, alguma coisa aconteceu a minha mãe… a ausência deles continua. Chega a cavalo o Oscar Karp. O rosto dele está fechado e ele diz sussurrando: “na família do Salit morreu o caçula”.
Um calafrio percorreu o meu corpo todo; ainda fiz algumas perguntas, então ele contou que, na véspera, o menino tivera muita saúde. Comecei a imaginar o que teria acontecido, então o Karp acrescentou que o menino havia jantado com muito apetite, mas de noite perdera o fôlego. Tentaram salvá-lo de toda maneira a despeito disto ficou sem fala, assim o Criador havia decidido de outra maneira. Ao raiar o dia o pequeno anjo partiu e os seus pais e irmãos ficaram chorando inconsolavelmente.
O Karp tinha vindo especialmente trazer um pedido dos pais para eu presidir a despedida nos funerais; eu entendi esta dor por que sentia tanto a morte dele como se fosse a de um irmão meu.
Como é cruel o destino, ainda no dia 29 de agosto à tarde nos festejos da colheita o Salit disse: “No próximo ano nós esperamos todo o bem, mas se Deus resolver ao contrário, seja feita a sua vontade”, enquanto o pequenino estava deitado no colo de sua mãe e de fato, Deus tinha outro plano para este pequeno garotinho.
Certa ocasião, numa visita que fiz na casa do Karp, observei a Clara carregando o pequeno menino. Em outra feita o pai dele o chamou de “soldadinho” e acrescentou que ele era um filho muito corajoso.
Durma sossegado o sono eterno, oh pequeno herói.
OS FUNERAIS NO DOMINGO
Sopra um vento frio. Escuras nuvens perambulam pelo céu. Nos elevados cumes da Serra do mar certamente está nevando. Estruturei a fala da despedida cujo tema foi a “fragilidade da vida”, enquanto pensava, o meu coração estava triste e as lágrimas desciam espontaneamente.
Às 3 horas da tarde, compareci na casa do Salit onde já estavam reunidas as pessoas da comunidade. Entro na sala e encontro o Salit em pé, encostado em um umbral da porta com a cabeça pendente apoiada nas mãos. Ele está pálido e chora. A mãe do menino amparada no meio de outras mulheres chora se lamentando em voz baixa.
Um caixãozinho branco está colocado no canto da sala e no seu interior dorme o pequeno Eugenio cuja alma já partiu deste mundo. As faces gordinhas, o rostinho redondo; as mãozinhas cruzadas sobre o peitinho, fortes e bem torneadas deixaram de brincar; os lábios ainda rosados; os olhinhos semicerrados; os cabelinhos dourados ainda cobrem a testa alva e resoluta.
Entramos em outra sala a Clara faz um ramo de rosas. Quanta fragilidade cerca a vida humana. O fotógrafo ainda retrata o pequeno viajante na sua despedida. Em seguida falo uma pequena despedida, enquanto todos choram solidários com os pais e irmãos, que com muito custo consentiram o cortejo fúnebre. O Salit caminhava debilitado e tão desesperado disse: “Tudo isto para nós foi como um sonho; todos nós éramos tão saudáveis e por isto ninguém esperava esta separação tão repentina… ele era tão querido correndo no nosso meio que a sua figura havia se tornado imprescindível”.
A mãe, a cavalo, acompanha a marcha e chora em voz alta. No cemitério depois de uma pequena cerimônia com mensagem de consolação e o cântico de vários hinos que fazem parte do ritual fúnebre dos Batistas que acreditam na imortalidade da alma, mais uma vez olhamos o que sobrou deste menino e cuja alma subiu ao céu como se fosse um anjo. No ato da última separação, os pais ainda seguram as mãozinhas inertes, enquanto os irmãos acariciam a testa num gesto de despedida, porque um crente não morre; ele parte primeiro para nos esperar no Céu, embora a dor da despedida seja cruel e ao som do hino “Adeus, Adeus”, deitamos a pequena urna no seio da terra. Pouco tempo depois sobre a sepultura havia um montinho sobre o qual colocamos flores.
Escurece, a noite vem chegando, o vento sussurra e o coração está tão triste, mas permanece a fé na esperança que algum dia, todo nós, estaremos juntos lá no alto.
E você estava tão linda… Os teus cabelos castanhos escuros cobriam a nuca. Dentro da sua vestimenta preta com uma gola branca, quanto, quanto você estava bonita. Tu és um anjo que veio do além que está andando aqui entre nós… tu não és uma mocinha… para mim tu és sagrada e o teu ser indescritível me arrebata com estes olhos tristes cheios de lágrimas – tudo isto impressionou os meus sentidos que também me faziam chorar.
Chegando em casa, depois do jantar, li o poema de Sanmartins “As primeiras saudades” e nesta hora estava desejando que a minha mãe estivesse aqui, pertinho de mim, assim eu contaria para ela toda esta minha frustração, com a minha testa quente encostada no seu peito e ela, solidária, me indicaria o remédio que me curasse.
11 DE AGOSTO DE 1923
Nunca dantes havia imaginado que os Rionevenses me tinham tanta dedicação; jamais uma tal prova de simpatia. Souberam a data do meu aniversário.
À tarde intercalei o estudo da literatura dos EUA com a leitura do poema de Longfelow intitulado “Evangeline”; poesia que retrata a vida com tanta beleza e depois, a sua rápida destruição que emocionou. Fui dormir cedo me lembrando que no dia seguinte teria de acordar mais cedo para corrigir os cadernos dos meus alunos. Deitado na cama na hora de conciliar o sono, meio sonhando soltei o pensamento, quando escuto passos lá fora. Tive a impressão que os bovinos do vizinho haviam rompido a cerca e agora teria de levantar-me para enxotá-los.
Mas de improviso, tão repentino como se fosse o estouro de uma “schrapnell”, foi interrompido o silêncio da noite com um ataque de uma Banda de Música tocando uma marcha e chegou aos meus ouvidos uma melodia arrebatadora. Eu acompanhava no meu pensamento cada nota e cada harmonia, desta música e absorvida por ela, continuava deitado cismando: “Tomara que eles continuassem a tocar em frente da minha janela para toda a eternidade”. Finalmente levantei porque o dever social assim me obrigou a vestir-me para receber os companheiros músicos e aqueles outros que os acompanharam.
Acendi a lâmpada de querosene, abro a porta e vou para o pátio onde muita gente está me esperando. Os músicos terminaram a Serenata e os alunos da minha escola foram os primeiros que vieram me cumprimentar, depois recebo o abraço de todos individualmente.
Trouxeram para me alegrar bolos, flores e outros presentes. Peço a todos que entrem na minha humilde casa.
Aceso o lume do fogão da cozinha para ferver a água e fazer o café. Os músicos tocam outra vez postados em torno da mesa, depois na melhor tradição Batista Leta formamos um grupo e começamos a cantar. Coado o café foi logo despejado em xícaras para degustado, animar as conversas. Encontrei com Elvira Stroberg, que sendo parente de Karp, veio de Varpa para uma visita. Fiz-lhe muitas perguntas sobre a Rússia onde ela estivera vivendo o tempo todo antes de vir para o Brasil. É uma senhora prudente e muito instruída.
Depois da meia noite a festa terminou e os meus amigos se despediram. Eu me senti enaltecido e muito agradecido a esta gente pelo trabalho que tiveram para demonstrar esta simpatia e o Julinho e eu, durante a semana inteira, tínhamos guloseimas para degustar.
O MEU IRMÃOZINHO
Desde o primeiro encontro que eu tive com o Julinho fiquei convencido de que ele andava doente; mas pensei que poderia ser o “mal da terra”. Ele tomou os remédios e não melhorou. Comíamos bem, fazíamos ginásticas, banhávamo-nos no rio e apesar disto continuava pálido, esquecido, doente, mirrado, franco. Então comecei a imaginar que ele era “onanista”, mas esta suposição eu escondi por que pensava: “mas se ele é inocente então isto vai alterar a sua personalidade”. Comecei insistindo sobre os maus hábitos; primeiro falei sobre a embriaguez alcoólica, depois, em outra ocasião, sobre a dependência do cigarro; mais tarde adverti sobre o uso de drogas – o ópio e os seus derivados e por fim disse que os meninos ainda podiam praticar um vício ainda mais terrível que era o “onanismo”. Perguntei: “você toca nos órgãos sexuais”? e ele respondeu “sim” e caiu no pranto. Com voz enérgica perguntei: “quem te ensinou esta anormalidade”? e ele respondeu “ninguém”. “Desde quando você adquiriu este vício”? resposta: “Desde a Linha Telegráfica”. Então ele prometeu que iria se corrigir. Ainda lhe falei que para deixar este mau comportamento, de uma só vez, ele deveria ter muita determinação e força de vontade para conseguir êxito. Expliquei as consequências desta prática e como ele deveria se comportar para vencer o vício.
Depois de algumas semanas o menino outra vez acordou com os olhos empapuçados e eu ralhei com ele. Novamente ele prometeu chorando que não iria incidir no erro. Para completar o esclarecimento resolvi falar tudo sobre o ciclo de procriação embora ele somente tivesse 7 anos de idade e principalmente sobre as relações sexuais entre o homem e a mulher.
Fiz tudo que estava no meu alcance para lhe mostrar as consequências terríveis do onanismo. O Julio então melhorou sensivelmente, ficou mais alegre e bem disposto, mas não passou muito tempo que ele novamente escorregou. Outra vez com firmeza falei com ele que ficou muito triste e confessou que havia praticado esta anormalidade 3 vezes. Como é difícil lutar contra os maus costumes?
O Julinho descrito neste parágrafo sou eu, o tradutor destas linhas, agora com 72 anos de idade e sou irmão caçula do diarista. O Emílio, igual ao meu pai Carlos, eram dominados por conclusões muito radicais e se cingiam ao aspecto unilateral das coisas. A verdadeira causa da minha fragilidade na infância apareceu em 1928 em Vara. Lá os Letões tinham o hábito de comer sementes de abóbora assadas no forno que depois descascavam e consumiam gulosamente. Também eu participei desta dieta e no dia seguinte, ao satisfazer as minhas necessidades fisiológicas eu senti como se os meus intestinos estivessem saindo. Ao me virar vejo um monte de uma fita branca, picotada. Ao chegar em casa contei o acontecido ao meu tio Abolim que era o farmacêutico do local e prestava os primeiros socorros aos Colonos de Varpa e ele me disse que se tratava de uma tênia, ou solitária, que era um verme que se alojava no intestino e poderia ter até 7 metros de comprimento e indagou se eu havia visto a cabeça, a única, que ele possuía. Ao responder que eu não sabia ele me tratou desta parasita como se ele ainda estivesse no seu habitat. Depois me deu fortificantes e fiquei totalmente curado. Não acredito que eu tivesse tocado em qualquer parte do meu corpo mais do que outro menino qualquer, mas para justificar a minha lerdeza foi achar uma causa imaginária.
EU VOU PARTIR
Partirei no momento em que todos estiverem dormindo e reinará o silencio da noite, quando as estrelas estiverem brilhando nos céus… e tu sonharás com elas, mas não comigo por que não saberás que estou partindo do Rio Novo. Não saberás que no meu pensamento levarei a imagem da tua beleza e que tu serás para mim o motivo de muita ansiedade e de milhares de lembranças. Tu não saberás que vou embora por tua causa e não terás percebido que o teu espírito gentil já envolveu o meu coração; não saberás que já inundaste a minha alma com a tua mais elevada simpatia – se eu morrer – não saberás por que nada te contarei, mas levarei comigo toda esta paixão.
Imediatamente não vou conseguir emigrar para os EUA; poderia ainda continuar aqui por mais algum tempo atendendo ao desejo desta coletividade; mas vou embora por que não consigo deixar de te amar. As esperanças que tenho são impossíveis de realizar e as terei de enterrar profundamente na sepultura do esquecimento. Esta situação também está prejudicando a minha saúde, por que não sinto o paladar do alimento, o meu sono é leve e interrupto e creio que já basta deste amor impossível. Vou partir quando tudo estiver em silêncio e a escuridão da noite cobrir os montes de Rio Novo, sem ter tido a coragem de te dizer que te amo.